O túmulo e os restos mortais de S. Pedro no Vaticano, Roma


“Tu és Pedra, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja.” (Mt 16,18).

ESTAS DIVINAS palavras, com as quais Nosso Senhor Jesus Cristo concede o Primado sobre a Igreja a S. Pedro, convidam os católicos de todos os tempos a se interessar, cheios de veneração, pela história do primeiro Papa. E do lado contrário, – como não poderia deixar de ser, – os anticatólicos tentam a todo custo contestar a realidade histórica deste Primado do "Príncipe dos Apóstolos". Alguns chegam ao extremo do absurdo de contestar que S. Pedro tenha sequer estado em Roma.

    Este, prezado leitor, é um daqueles assuntos os quais irritam este vosso humilde servidor, e que lhe dá muito custo escrever, porque acho difícil explicar o óbvio. É como se alguém me pedisse para "provar" que o primeiro presidente da República do Brasil foi o Mal. Deodoro da Fonseca, mandato iniciado aos 15 de novembro de 1889. Como se prova tal coisa? Como e por que seria preciso provar o óbvio, o auto-evidente, algo que se encontra em qualquer enciclopédia e/ou livro de História, e está registrado em todos os documentos? É exatamente assim no caso de se provar o episcopado de Pedro em Roma. Começaremos, em todo caso, apresentando a mais cabal de todas as provas de que o Apóstolo não só esteve em Roma, como também permaneceu lá até o fim da vida, isto é, até o seu martírio.

    O povo cristão sempre se teve a plena certeza do episcopado de Pedro em Roma, desde as mais antigas tradições cristãs, desde a origem da Igreja. E após os primeiros séculos, no correr dos tempos, foram surgindo documentos provenientes dos mais diversos pontos da cristandade primitiva, confirmando aquilo em que os católicos sempre creram. As provas mais recentes, entretanto, foram tão acachapantes, tão inquestionáveis, que os próprios anticatólicos foram reduzidos ao silêncio quanto a este assunto. Já não era mais possível tentar argumentar. Historiadores protestantes o reconheceram, como é o  caso de A. Harvach, que, envergonhado pela postura de alguns colegas em outros tempos, chegou a declarar: "No longer deserves the name of historian who put in doubt that St. Peter has exercised his Ministry in Rome". – "Já não merece o título de historiador quem põe em dúvida que o Apóstolo Pedro tenha exercido seu ministério em Roma"1.

    Mesmo assim, ainda persistia uma questão: estaria o túmulo do Vigário de Cristo realmente sob o tradicional e magnífico Altar-Mor da Basílica de São Pedro? Sobre este assunto específico, é verdade, havia um vazio, um "silêncio" quase total na documentação histórica dos primeiros séculos da história da Igreja.

    A tradição católica, por outro lado, foi sempre bem específica quanto ao assunto. Diz que S. Pedro, já idoso, foi crucificado de cabeça para baixo na colina Vaticana, no ano de 68 ou 64, após ter exercido o primeiro papado em Roma por 25 anos. Seu corpo foi sepultado perto do local do martírio, num cemitério pagão então existente na mesma colina, em frente ao Circo de Nero. A tradição aponta, ainda, o local exato da sepultura (chamado 'Confissão de S. Pedro'), venerado desde tempos imemoriais.

    Nos 250 anos que vão da morte do primeiro Papa até a autorização de culto, dado mediante o Édito de Milão (ano 313), apenas dois documentos referem-se ao túmulo do Santo Apóstolo. Um deles diz que Sto. Anacleto (o terceiro Papa, que reinou de 79 a 90) ergueu no local um monumento fúnebre, aproximadamente vinte anos após a morte de S. Pedro. Outro, mais importante, é uma carta do sacerdote Gaius de Roma, do ano 200, afirmando também que no local havia um monumento fúnebre (τρόπαιον no grego, que se traduz ao português, grosseiramente, por 'troféu', o que não corresponde ao sentido exato da palavra).

    Assim que foi concedida a liberdade de culto aos cristãos, por Constantino, multidões de fiéis começaram a afluir de todas as partes para venerar as relíquias de S. Pedro, Príncipe dos Apóstolos.


** Cabe aqui uma observação importante: acostumados que estamos com as acusações dos nossos leitores ditos "evangélicos", antes que falem em "idolatria" por conta da veneração das relíquias dos santos, dizendo que este costume foi uma introdução posterior ao cristianismo, deixamos já bem esclarecido que se trata de uma prática e costume que vem desde os tempos do Antigo Testamento. Áqueles que só aceitam qualquer afirmação se constar literalmente na Bíblia, sugerimos a leitura de Hebreus 9,5-8: nessa passagem, o Apóstolo Paulo menciona o cajado de Arão, guardado no interior da Arca da Aliança como relíquia sagrada e venerada pelo povo de Deus. Este trecho derruba de uma vez a alegação usada contra os católicos, mostrando que o antigo costume de se preservar relíquias sacras (objetos dos santos, preservados em sua memória), nunca foram sinônimos de “idolatria”. Essa tradição vêm desde os tempos de Moisés.


    Retomando a narrativa, por volta do ano 330, o Imperador Constantino e o Papa S. Silvestre ergueram naquele local magnífica e enorme Basílica; consta que o próprio imperador trabalhou na obra, carregando simbolicamente doze cestos de terra em homenagem aos Apóstolos. Ocorre que o local era extremamente inconveniente para a construção, pois o subsolo era mole e saturado de água, e o terreno em declive necessitava de enormes aterros. Além disso, pelas leis romanas o cemitério era inviolável, não se podendo retirar os ossos de nenhuma sepultura.

    Somente o fato de o túmulo do Apóstolo Pedro estar aquele lugar, num ponto fixo intransferível, poderia representar um motivo forte o bastante para que Constantino enfrentasse tantas dificuldades técnicas e jurídicas, além dos gastos altíssimos que se opunham à construção da grande Basílica num local tão impróprio. – Mais tarde, na Renascença, a atual e ainda maior Basílica de São Pedro foi construída exatamente no mesmo local, mas sem interferência nas construções anteriores, erguendo-se num plano mais elevado. Assim, sobre o túmulo primitivo ergueram-se as construções constantinianas, e acima delas as da Renascença. Em diversas épocas houve reformas em torno do túmulo, mas, – fato notável e que virá a fazer toda a diferença nas pesquisas posteriores, – não consta que tenha sido aberto em 1600 anos de história(!).

    Uma obra séria e bastante interessante, intitulada "The Bones of St. Peter" ('Os Ossos de São Pedro'), escrita por John E. Walsh (ed. Doubleday, NY, 1982 – sem tradução para o português, que pode ser adquirida neste link), narra em detalhes as pesquisas científicas realizadas no túmulo nos últimos anos. Os dados que utilizamos a seguir foram extraídos principalmente desta obra.



As escavações

No ano de 1939 ficou decidido rebaixar o subsolo dos corredores em torno do túmulo, para aumentar o seu pé direito. Aí está sepultada a maioria dos Papas. Uma equipe de competentes arqueólogos orientava os trabalhos, entre os quais o Profº Enrico Josi, considerado um dos maiores especialistas em antiguidades cristãs do planeta.

    Dirigia a equipe o administrador da Basílica de São Pedro, Mons. L. Kaas. O Papa Pio XII não os autorizou a tocar nas construções do túmulo petrino. Logo no início dos trabalhos, foram encontrados vários mausoléus adjacentes. Alguns destes estão entre os melhores exemplares arquelógicos já descobertos do período áureo romano.


Confirmações

• Um ponto da antiga tradição foi, portanto, logo de início confirmado: o cemitério pagão, no qual S. Pedro fora sepultado, não só realmente existe como também está localizado exatamente onde se acreditava há muitos séculos.

• Numa determinada lápide, veio outra importantíssima confirmação: uma inscrição referia que, ao lado, estava o Circo de Nero(!).

• Verificou-se que o cemitério era sem dúvida anterior à morte de S. Pedro. Os ricos mausoléus, entretanto, eram pouco posteriores a ela. Tudo havia sido soterrado, porém se mantivera intacto pelos operários constantinianos, que tiveram cuidado em não violar os túmulos.

    Tudo confirmava a tradição. – Com todos esses indícios favoráveis, Pio XII afinal autorizou que se abrisse o túmulo atribuído ao Apóstolo Pedro, o primeiro Papa da Igreja, para que se procedesse o estudo científico completo de tudo.

    Decidiu-se tentar penetrar pela parede de uma pequena capela do século XVI, que está embaixo do Altar-Mor atual: foi desmontado cuidadosamente o precioso mosaico que há nessa parede, e descobriu-se que era da época do Papa S. Gregório Magno (590-604). Nela foi feita uma abertura, retirando-se tijolo por tijolo. Havia, atrás desta, uma grossa placa de magnífico mármore decorado com precioso pórfiro escuro. Alargada a abertura, verificou-se que era um Altar montado pelo Papa Calixto, no século XII.

    Retiradas algumas peças de mármore, chegou-se à outra parede, certamente da Basílica de Constantino, do ano 330(!). Atrás havia ainda outra parede bem mais antiga, grossa, de tijolos e pintada de vermelho vivo. Seria parte do túmulo original?

    Para não danificá-la, decidiram tentar em outro local, mais à direita. Após passar pelas mesmas paredes, chegaram os pesquisadores então a outro Altar precioso. Este havia sido o Altar-Mor erigido por S. Gregório Magno na Basílica velha de São Pedro, no século VI. – A parede vermelha, nesse local, estava recoberta de excelentes mármores, sinal de sua importância. Tentou-se, assim, do seu lado oposto. Mas, ao invés de chegar à parede vermelha, encontraram uma outra, azul; e tiveram a surpresa de verificar que era uma grossa parede de pequena extensão, colada à vermelha, em ângulo reto com ela, ambas da época romana. A vermelha, mais antiga, era maior e descia fundo. Atrás dela, depararam-se com paredes mais recentes. Era então evidente que o túmulo estava bem mais fundo, e que acima do solo da época romana só havia essa grande parede, ornada de nichos em estilo clássico, mas sem nenhuma decoração cristã.

    Estava agora confirmado o "monumento fúnebre" (τρόπαιον) referido por Gaius no ano 200(!). As duras perseguições religiosas durante o Império certamente forçaram esse disfarce, bem como a ausência de símbolos cristãos.

    Mas as surpresas apenas começavam: o exame da parede azul veio a revelar que ela estava, esta sim, coberta de inscrições cristãs de tipo grafite, feitas com lâminas, de modo desordenado: eram pedidos de orações dos primeiros cristãos, que escreviam seus nomes: Ursianus, Bonifatius, Paulina, e outros. O símbolo codificado de Cristo, as letras gregas Chi-Rho superpostas (como se vê na imagem abaixo) aparecia várias vezes.


Grafite com o Chi-Rho (XP), símbolo de Cristo

    O nome que se procurava, entretanto, não era encontrado: Petrus. Nenhuma invocação a ele em meio àqueles muitos nomes. Permanecia o indecifrável silêncio sobre o Apóstolo S. Pedro, o primeiro Papa.

    Essa angústia durou até que, num certo ponto dessa mesma parede, foi encontrado uma pequena fenda, formada pela queda da argamassa. Inserindo luz pela abertura, verificou-se que a parte de baixo da parede azul era oca e revestida internamente de preciosos mármores. No chão dessa cavidade havia muito pó. Parecia ter sido algum túmulo engenhosamente escondido ali. Seria impossível investigar melhor aquilo sem abrir mais o pequeno buraco, o que destruiria as inscrições. Que fazer?

    Com essa nova descoberta, as atenções se voltaram para o túmulo de S. Pedro propriamente dito. Decidiu-se escavar mais, bem junto à parede vermelha, para se chegar à câmara mortuária. Logo foram encontradas algumas sepulturas cristãs simples, quase amontoadas junto à parede. Eram dos primeiros séculos. Tratava-se de um tocante indício: todos os corpos estavam voltados para a parede. Tudo indicava que eram cristãos da Igreja primitiva, enterrados bem junto a S. Pedro!

    Ao retirar uma pedra, depararam-se com uma cavidade vazia: afinal, o túmulo! Emocionados, os arqueólogos avisaram o Venerável Papa Pio XII, que em dez minutos chegou ao local. Era uma câmara pequena mas alta; simples, com paredes de tijolos nus e piso de terra. E estava vazia! Havia sinais evidentes de violência: um nicho e uma trave golpeados violentamente, uma coluneta partida.

    No chão encontraram-se muitas moedas romanas e medievais, confirmando uma antiga crônica que se refere a uma pequena abertura no túmulo, por onde se podia introduzir a mão. As moedas provinham de todo o Império, atestando a devoção generalizada ao Apóstolo S. Pedro. O exame minucioso do local revelou, na base do nicho, uma pequena abertura em forma de "Λ", entupida de terra. Revolvendo o interior dessa abertura, encontrou-se grande quantidade de fragmentos de ossos antiquíssimos (ao todo, mais de 250). Seriam os ossos do Apóstolo?

    Em caso afirmativo, por que estavam eles em posição tão secundária, e escondidos? O médico de Pio XII, Dr. Galeazi-Lizi, examinou-os e concluiu que eram de um homem idoso e de físico robusto, o que correspondia à descrição de S. Pedro. Daí ter-se propagado, na ocasião, a versão de que os ossos eram dele.

    Mas essa localização estranha exigia maiores pesquisas. As escavações continuaram, revelando que a parede vermelha era a peça chave de um complexo de construções. Tratava-se de uma edícula comemorativa, no centro da qual havia duas colunetas sustentando uma laje de travertino, parecendo um Altar cristão. Em frente, situava-se um pátio fechado por altos muros. Era obviamente uma construção ideal para celebrações clandestinas dos primeiros cristãos, pois como o cemitério era pagão e aberto, ao contrário das catacumbas, as precauções tinham que ser maiores: daí a ausência do nome de Pedro e de símbolos cristãos nessa área (é aí que está a parede azul com os grafites). É esta também a razão do silêncio sobre a localização do túmulo na literatura cristã da época. Mas ainda não se podia afirmar definitivamente que ali jaziam os restos mortais de Pedro Apóstolo, o primeiro Papa da Igreja.

    ** Ler a conclusão deste estudo

________
1. WALSH, John E. The Bones of St. Peter. New York: Doubleday, 1982.


Bibliografia:
WALSH, John E. The Bones of St. Peter
. New York: Doubleday, 1982.

WILLIAM, O'Connor, Daniel. Peter in Rome: The literary, liturgical, and archeological evidence. 
New York: Columbia University Press, 1969.

• Adaptado do artigo de Juan Miguel Montes, "'Pedro está aqui' – A emocionante descoberta dos ossos de São Pedro no Vaticano", disp. em: Ciência Confirma a Igreja


2 comentários:

  1. Bom saber... Não sabia desses restos mortais e bem sei da dificuldade que era documentar as coisas e preservá-las para que se compreendesse mais cedo isso.

    Boa vida a todos !

    ResponderExcluir

** Inscreva-se para a Formação Teológica da FLSP e além das aulas mensais (com as 4 disciplinas fundamentais da Teologia: Dogmática, História da Igreja, Bíblia e Ascética & Mística) receba acesso aos doze volumes digitais (material completo) do nosso Curso de Sagradas Escrituras, mais a coleção completa em PDF da revista O Fiel Católico (43 edições), mais materiais exclusivos e novas atualizações diárias. Para assinar agora por só R$13,90, use este link. Ajude-nos a continuar trabalhando pelo esclarecimento da fé cristã e católica!

AVISO aos comentaristas:
Este não é um espaço de "debates" e nem para disputas religiosas que têm como motivação e resultado a insuflação das vaidades. Ao contrário, conscientes das nossas limitações, buscamos com humildade oferecer respostas católicas àqueles sinceramente interessados em aprender. Para tanto, somos associação leiga assistida por santos sacerdotes e composta por profissionais de comunicação, professores, autores e pesquisadores. Aos interessados em batalhas de egos, advertimos: não percam precioso tempo (que pode ser investido nos estudos, na oração e na prática da caridade) redigindo provocações e desafios infantis, pois não serão publicados.

Subir