Católico e espírita?! – calúnias espíritas contra a Igreja

À esquerda, representação artística(?) do 'espírito Emmanuel', o suposto mentor de Chico Xavier

Um leitor que se identifica com o nome Jonas Souza enviou-nos a seguinte mensagem, ao post "Breve biografia de Allan Kardec e as origens do espiritismo":

Sou Católico, e tenho uma profunda admiração pelo Chico Xavier, pela pessoa humana que dedicou a vida em prol do próximo. O que está escarço na sociedade em que vivemos, não importa a religião, qual seja a doutrina ou credo, o amor ao próximo têm que existir acima de tudo, e ainda mais o respeito. Não somos seres capazes de entender o Criador, somos meras criaturas e assim como tudo criado, somos imperfeitos, dizer o que é certo ou errado não cabe a nos, quada qual têm seu modo de viver e como viver, em que acreditamos fica a cargo de cada consciência; vivemos em uma sociedade e não isolados em mundos particulares, respeitar a opinião do próximo se faz necessário para que possamos viver em harmonia."

ESTE ARTIGO não é apenas uma resposta a este leitor específico; antes, constitui uma necessária abordagem de nossa parte quanto a uma das situações mais estranhas com a qual, infelizmente, repetidamente nos confrontamos: a absurda figura do "católico-espírita", isto é, o sujeito que se declara católico mas simpatiza com o espiritismo ou admira algum(ns) de seus representantes. Certamente precisaremos de mais do que um único artigo para tratar de um tema tão amplo e importante, em seus muitos seus detalhes e nas múltiplas questões que suscita.

Antes de tudo, esclarecemos que não é a nossa intenção atacar os espíritas ou simpatizantes do espiritismo. Pretendemos, isto sim, elucidar, orientar e alertar o povo católico quanto à enorme incoerência daqueles que afirmam ser, a um só tempo, católicos e espíritas, demonstrando o tremendo grau da disparidade que há entre a doutrina espírita e a Sã Doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo. Neste processo, não temos como nos eximir da necessidade de apresentar e esclarecer as graves difamações e calúnias que são frequentemente divulgadas por muitos dos representantes do espiritismo (muitas vezes alguns dos principais), em websites, revistas e livros, contra a Igreja Católica. Boa parte do povo católico ignora completamente esta importante realidade.

Chico Xavier jovem
Esta abordagem partirá de um exemplo prático e gritante – o mesmo trazido pelo nosso leitor – já que, apesar das polêmicas, Francisco Cândido Xavier é geralmente considerado o mais expressivo alegado “médium” espírita que houve no Brasil (sobre este controverso personagem já falamos com detalhes aqui). Há uma verdadeira multidão que, mesmo fora dos ambientes espíritas, vê os seus escritos como verdadeiras e valiosas revelações do além-túmulo. 

Até aí, não há problemas que diretamente nos digam respeito, já que não nos cabe interferir na liberdade que cada um recebe do próprio Criador para escolher o caminho que vai seguir. Trata-se, entretanto, não apenas de um problema particular, já que envolve o engano e a falsidade ideológica as quais, algumas vezes e em determinadas situações, enquanto exegetas católicos temos por obrigação analisar e procurar esclarecer (veja nossos artigos e estudos específicos). Vivemos, graças a Deus, num país democrático (apesar de todos os problemas) onde todos são livres para praticar a sua religiosidade desde que se respeitem os direitos do próximo: assim como ninguém é obrigado a ser católico ou espírita, todos temos o direito de expressar opinião e somos livres para debater ideias.

O mais grave problema, como já vimos, é que não são poucos os brasileiros que professam a fé católica mas também consideram os livros espíritas, como os de Chico Xavier e Zíbia Gasparetto, entre muitíssimos outros, como obras “inspiradoras” e “reveladoras”. Para o espanto dos verdadeiros católicos, muitos destes preferem ler tais escritos a estudar as vidas dos grandes santos, os Padres da Igreja ou conhecer o Catecismo e mesmo os Evangelhos; eis o motivo de termos mencionado Chico Xavier logo no início deste artigo.

É verdade que essas atitudes equivocadas nem sempre ocorrem por má-fé. Alguns agem de consciência "leve", julgando ingenuamente que o fato de ser católico não impede de crer, por exemplo, na reencarnação, e incrivelmente não percebem o evidente (supremo) absurdo desta situação. Ocorre que a leitura de tais obras leva muitas vezes o católico a absorver um conhecimento totalmente deturpado da realidade, o que termina por subverter o seu raciocínio inclusive em relação à verdadeira história da Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo – a mesma à qual Ele prometeu que, contra ela, as portas do inferno jamais prevaleceriam (Mt 16,18) e junto da qual estaria até o fim deste mundo (Mt 28,20).

O livro “Emmanuel” é um ótimo exemplo. Nele, Chico Xavier pretende relatar casos "verídicos" que um alegado "espírito de luz", que ele chama exatamente de "Emmanuel", lhe teria relatado sobre a Igreja Católica. Note bem o leitor que não estamos a nos meter em assuntos doutrinais internos dos espíritas, e sim cumprindo a nossa obrigação de elucidar a nossa própria doutrina. São calúnias atrás de calúnias, cada qual mais absurda que a outra. O autor, de fato, descreve as mesmas afirmações proferidas por H. L. Denizard Rivail (ou Alan Kardec), que, por sua vez, as retirou de autores anticatólicos da época da Revolução Francesa e do chamado racionalismo francês.


Os trechos reproduzidos a seguir são da 4ª edição do Livro 'Emmanuel'. Assim diz Chico Xavier sobre as 'revelações' que lhe teriam sido ditadas pelo 'espírito Emmanuel':

1. A história do papado é a história do desvirtuamento dos princípios do cristianismo, porque, pouco a pouco, o Evangelho quase desapareceu sob suas despóticas inovações. Criaram os pontífices o latim nos rituais, o culto das imagens, a canonização, a confissão auricular, a adoração da hóstia, o celibato sacerdotal. Noventa por cento das instituições são de origem humaníssima, fora de quaisquer origens divinas (...)” (p. 30);

2. “O Vaticano não soube, porém, senão produzir obras de caráter exclusivamente material (...)” (p. 31);

3. “Ninguém ignora a fortuna gigantesca que se encerra, sem benefício para ninguém, nos pesados cofres do Vaticano (...)” (p. 57);

4. “Ele (o 'espírito Emmanuel') sabe que a Igreja “fez mais vítimas que as dez perseguições mais notáveis (...)” (p. 56);

5. “Ele conhece a imensidade de crimes, perpetrados à sombra dos confessionários penumbrosos (...)” (p. 52);

6. “Tem notícias do célebre livro de taxas, do tempo de Leão X, em que todos os preços de perdão para os crimes humanos estão estipulados” (p. 61);

7. “Sabe que o dogma da Santíssima Trindade é uma adaptação ocidental da 'Trimurti' da antiguidade oriental (...)” (p. 30).

Sim... É difícil ler tantas e tão grossas mentiras (não há como dizer de outro jeito), ainda mais pregadas em nome de um suposto "espírito de luz" ao qual o autor deu o sagrado nome Emmanuel – que os Evangelhos atribuem como título a Nosso Senhor e que significa "Deus Conosco" –, e manter a calma ou o respeito humano. Curioso é que são os espíritas os primeiros a exigir "respeito" logo que alguém lhes teça críticas, mesmo se baseadas em fatos concretos (nosso artigo puramente informativo sobre Chico Xavier, por exemplo, recebeu uma verdadeira tempestade de comentários furiosos exigindo 'respeito', e outros tantos que nos mandavam cuidar dos problemas de nossa própria Igreja).

Evidente que nenhum católico minimamente consciente seria capaz de ler as barbaridades enumeradas acima e não se indignar. Para os espíritas, porém, isso tudo foi “revelado” a Francisco Cândido Xavier por um espírito evoluidíssimo.

O que nos interessa em primeiro lugar é encontrar a resposta para o ponto mais essencial do problema: há alguma verdade nas afirmações apresentadas? Corresponderiam, afinal, essas pseudo-revelações à realidade objetiva dos fatos? Se sim, em que nível?

Analisamos breve e objetivamente as sete grandes calúnias espíritas listadas acima. Pretendemos publicar esta análise em duas partes, pela sua extensão. Segue abaixo a primeira; que seja de proveito aos nossos leitores, é o que rogamos a Deus pela intercessão da santíssima Virgem.


1 – 'A história do papado é a história do desvirtuamento dos princípios do cristianismo, porque, pouco a pouco, o Evangelho quase desapareceu sob suas despóticas inovações. Criaram os pontífices o latim nos rituais, o culto das imagens, a canonização, a confissão auricular, a adoração da hóstia, o celibato sacerdotal. Noventa por cento das instituições são de origem humaníssima, fora de quaisquer origens divinas.' (p. 30)

Diante de tantas acusações, será preciso analisar este item parte por parte, ou seja, observar e esclarecer cada uma das coisas que o “espírito” classificou como "desvirtuamento":


a) “Criação” do latim nos rituais?

Completo absurdo. O latim foi utilizado na Liturgia e nos escritos da Igreja, comprovadamente, já desde o século II, e com a expansão do cristianismo no Ocidente tornou-se idioma oficial (a partir do séc. III), tendo início o chamado período cristão da língua latina. A Missa provavelmente já era celebrada em latim em Roma, que se tornou a sede do cristianismo, desde os tempos de Pedro e Paulo. Com as invasões bárbaras e a queda do Império Romano, o latim tomou o lugar do grego também como língua de uso universal[1].

S. Jerônimo traduziu as Sagradas Escrituras do grego, hebraico e aramaico para o latim vulgar (vulgata), justamente para que pudesse ser bem compreendida por toda a cristandade. Sem sombra de dúvida o latim foi incluído na Liturgia dos ritos e na documentação dos ensinamentos não para "distanciar a Igreja do Evangelho", como mente Xavier em seu livro, passando-se por porta-voz de um “espírito de luz”: ao contrário, a Igreja o fez para aproximar e unir os cristãos, como sempre foi do seu maior interesse. Além de tudo, as línguas provenientes do latim são, hoje, maioria no mundo, o que por si só evidencia e corrobora esta simples realidade.

Podemos concluir, então, que o “espírito Emmanuel”, se existisse, teria se equivocado ou mentido. Não poderia ser, portanto, um “espírito de luz” (estaria mais próximo, realmente do 'pai da mentira'). Enquanto verdadeiros cristãos, lembramos a admoestação divina que nos foi transmitida pela pena do Apóstolo:

Ainda que um anjo do céu (ou um ‘espírito de luz’) vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, que seja anátema.
(Gl 1,8)


b) O papado 'criou o culto das imagens'?

Lamentável. Qualquer iniciante no estudo da História sabe que o uso das imagens no culto religioso é muitíssimo anterior à própria fundação da Igreja. Poderíamos dizer até que as imagens religiosas são inerentes ao conceito de civilização humana. Podemos também citar inúmeros exemplos de imagens confeccionadas por decreto divino, como a Arca da antiga Aliança (Ex. 25,18-20) com os querubins, a serpente de bronze de Moisés (Núm. 21,8-9) e o Templo de Salomão (1Reis 6,23-25 e 7,29), que era repleto de imagens esculpidas e em relevos, pinturas, tapeçarias, etc. Tudo isso muito antes de existir a Igreja. Não há absolutamente nenhum sentido em se afirmar que o papado "criou o culto das imagens". A única explicação de alguém proferir tal disparate tem que partir da pura ignorância, da má-fé ou de ambas combinadas.

Ainda se formos condescendentes e admitirmos que o trecho em questão pudesse se restringir ao contexto da Igreja, isto é, do Novo Testamento, veremos que este mesmo também nos apresenta uma grande variedade de imagens representativas da Glória de Deus. Vemos o Espírito Santo descer sobre o Cristo na forma de uma pomba (Mt 3,16); no Apocalipse, Jesus aparece sob a imagem de um Cordeiro, "digno de receber" todo Poder e todo louvor (Ap 5,12), e também sob a imagem de um Leão (o 'Leão de Judá' que triunfa para romper os Sete Selos). Por fim, é importante notar que o próprio Jesus jamais condenou o uso cultual das imagens no Templo de Deus, onde foi apresentado, onde pregou aos doutores da Lei e do qual expulsou os vendilhões.

Por fim, se avançarmos além da esfera do cristianismo, existem infinitos exemplos que poderíamos citar, oriundos de todas as religiões, inclusive (talvez principalmente) do brahmanismo, onde Kardec foi buscar suas ideias de “evolução do espírito” através de uma gigantesca sucessão de “reencarnações”, para misturar com figuras e conceitos cristãos e confundir o raciocínio dos ingênuos.

Como se vê, é facílimo demonstrar que, de fato, a Igreja não “inventou” o uso cultual das Imagens, principalmente no sentido pejorativo que o texto lhe confere. De fato, trata-se de uma acusação tola, simplória e pueril, que só poderia partir de uma mente embotada ou bastante confusa.


c) O papado inventou a canonização?

O que é a canonização dada pela Igreja? Simplesmente o ato de atribuir o estatuto de Santo a um cristão de vida exemplar, e é claro que só a Igreja poderia fazê-lo, já que santo é alguém que integra o Corpo Místico de Cristo (a própria Igreja) e cumpre os mandamentos de Deus e da mesma Igreja. Logo, negar a canonização é negar a existência dos santos –, e sabemos bem que o espiritismo o nega –, já que não admite a existência do Céu nem do Inferno, mas prega que estamos todos, sem exceção, num processo de constante evolução espiritual.

O papado inventou a canonização dos santos, num tempo posterior e num contexto estranho ao da pregação do Cristo, como insinua o texto espírita? Evidente que não, já que a Igreja desde sempre creu e venerou os santos, e prová-lo é tão simples quanto apontar as inúmeras e claras citações dos Apóstolos neste sentido (que já iniciam muitas de suas epístolas saudando 'os santos' de tal lugar).

Sendo assim, tal afirmação do suposto "espírito" deveria se traduzir numa das revelações mais importantes de todos os tempos! Só mesmo uma inteligência extra-terrestre poderia supor que os Papas criaram a canonização, muitos anos depois de Cristo, com a intenção de afastar a Igreja do Evangelho! Estamos diante de algo realmente novo e revolucionário, que poderia mudar a história do cristianismo e da humanidade como um todo... Se tivesse o menor fundamento na realidade. E, se tivesse, precisaríamos urgentemente avisar a todos os cristãos do mundo, reconhecendo inclusive que nem mesmo S. João teve quem o alertasse deste absurdo, quando escreveu no Apocalipse: “E da mão do anjo subiu diante de Deus a fumaça do incenso com as orações dos santos” (Ap. 8,4).

Mais ainda, a grande "revelação" deste incrível “espírito” mostraria que nem mesmo o Rei Davi, lá no Antigo Testamento, sabia o que estava dizendo quando proclamou: “Os céus louvarão as tuas maravilhas, ó Senhor, e a tua fidelidade na assembléia dos santos” (Sl 89,5). Ora, se foram os Papas que inventaram a existência dos santos – ou os termos que os definem –, por que já antes de Cristo se falava neles? Perdoe-me o dileto leitor, mas esse trecho não merece maiores explicações, a não ser a menção de que aqui é preciso escolher entre o que diz a Bíblia Sagrada, em consonância com a Santa Igreja, ou o que teria uma alma "desencarnada" desconhecida assoprado aos ouvidos de Chico Xavier. Enquanto cristãos, julgamos desnecessário aconselhar nossos leitores a optar pela primeira.


d) O papado inventou a confissão auricular?

Afinal, uma verdade. O “espírito”, ainda que claramente mal intencionado, acertou uma. Mas será que esse “Emmanuel” e Chico Xavier sentiam saudades do costume dos tempos da Igreja primitiva, quando as confissões eram públicas, feitas diante de toda a assembleia, e o perdão só era dado meses após a confissão?

Humildemente, ousamos afirmar que é bem mais cômoda e misericordiosa a confissão auricular, em que o fiel e um padre em particular conversam a sós, com toda a caridade, tranquilidade e privacidade, e este último concede em nome de Deus o perdão dos pecados, permitindo que de imediato volte o confessante a participar da Comunhão do Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Especificamente na época em que o livro espírita foi escrito, a confissão era necessariamente feita no confessionário, com uma tela entre o padre e o penitente, que tinha por objetivo uma privacidade ainda maior, para que ninguém se sentisse envergonhado ou constrangido em confessar alguma falta mais embaraçosa. Tudo visava facilitar e tornar mais suave a obrigação do fiel. Para o “espírito Emannuel”, entretanto, isso é algo ruim, pérfido, planejado com sinistras e ocultas intenções.

Nunca é demais lembrar, neste ponto, que foi Nosso Senhor Jesus Cristo quem deu autoridade aos Apóstolos e aos seus sucessores para perdoar os pecados do povo (Jo 20,22-23). Por consequência, torna-se importantíssimo lembrar também que as Chaves do Reino dos Céus foram dadas a São Pedro e aos mesmos Apóstolos (Mt 16,18-19. 18,18. 28,16-20); consequentemente, aos seus sucessores, e não a “espíritos” desconhecidos, dos quais não temos como conhecer a origem, nem aos seus supostos “intérpretes”.


e) O papado criou a adoração da Hóstia?


Responder a acusações tão absurdas, tão sem pé nem cabeça, requer generosa dose de paciência, e como espanta saber que muita gente se perdeu e continua se perdendo em insanidades deste tipo! Ora, adorar a Deus é a prática cristã mais essencial, mais fundamental e a primeira entre todas, assim como era para os antigos judeus e para os praticantes de qualquer religião que professa a fé num Deus criador e todo-poderoso. Some-se a isto o fato de que nós, cristãos, cremos no que Jesus disse dEle mesmo: que é Deus e que está presente no Pão (Hóstia) e no Vinho consagrados, e surgirá mais do que clara a resposta quanto ao motivo de adorarmos o Santíssimo Sacramento do Altar. Não adoramos propriamente a hóstia em si, enquanto pão, porque seríamos estúpidos se o fizéssemos. Adoramos no Pão Consagrado a Jesus Cristo, Deus, Sacramentado.

Mais uma vez, algo tão simples que não merece maiores comentários. Se o leitor tiver dúvidas, leia mais a respeito neste estudo específico.


f) O papado criou o celibato sacerdotal?


A Igreja instituiu o celibato sacerdotal baseada nas recomendações diretas do seu Fundador, Jesus Cristo:

Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem lho foi concedido. Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há os que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos Céus. Quem puder compreender, compreenda. 
(Mt 19, 11-13)

Todo aquele que por minha causa deixar irmãos, irmãs, pai, mãe, esposa, filhos, terras ou casa, receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna.
(Mt 19,29)

Também o santo Apóstolo confirmou a mesma admoestação, deixando-nos o seu testemunho nas Sagradas Escrituras quanto à excelência do celibato, pondo-se como exemplo: "Digo aos solteiros e às viúvas que lhes é bom se permanecerem assim, como também eu" (1Cor 7, 8-9).

É, portanto, condição preferencial para o sacerdote que seja celibatário, sacrificando assim integralmente a sua vida pelo Reino de Deus. Como bem diz Nosso Senhor, só pode compreender isso quem verdadeiramente possui tal vocação.

Assim, a instituição do celibato é extensível a todos aqueles que querem seguir Jesus Cristo na condição especial de sacerdotes. É importante notar que o celibato não foi uma imposição do Papa, mas a formalização de uma prática ostensivamente utilizada pelos sacerdotes desde sempre, sendo o decreto apenas uma forma de tornar oficial a prática informal. Note-se que não há nenhum registro histórico de manifestações contrárias a instauração oficial do celibato e, até hoje, salvo raras exceções, há consenso entre os presbíteros sobre a necessidade e o valor do celibato.

Portanto, algo que é praticado desde o começo da Igreja não poderia de modo algum ter sido feito posteriormente, com o fito de afastá-la das suas origens. Se quisessem reclamar com alguém, o “espírito” e Chico Xavier deveriam ter reclamado com o Fundador da Igreja Católica: o Verdadeiro e Único Emanuel, Deus Conosco: Jesus Cristo.


g) Noventa por cento das instituições católicas são de origem humaníssima, fora de qualquer origem divina(!?)?


Curiosíssima sentença para um autor que pretende contestar a origem divina da Igreja. Se noventa por cento é humano, então dez por cento é divino? Em que isto implicaria? E, neste caso, quem seria capaz de "peneirar a Igreja" para poder descobrir o que nela é divino e o que é humano?

Bem, o leitor que se dispuser a pesquisar a sério e com empenho terminará por descobrir que a realidade é o exato oposto disso! Noventa por cento ou mais de tudo aquilo que define a Igreja é de origem divina para os cristãos, pois foi revelado pelo Espírito Santo ou instituído diretamente por Jesus Cristo. O que dizer da Santa Missa, da Transubstanciação, dos Sacramentos, da Comunhão dos santos, das revelações e milagres, da compilação e canonização das Sagradas Escrituras, do perdão dos pecados (dado gratuitamente a todo aquele que se arrepende e se converte, sem nenhuma necessidade de ‘reencarnações’ sucessivas num processo infinito de evolução moral), da Imaculada Conceição de Maria, etc, etc?..

Substancialmente, são essas e outras realidades sagradas que compõem aquilo que define a Igreja. Tudo o que há fora disso são formas das quais a Igreja dispõe para subsistir no mundo.

** Ler a conclusão

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1. COMBY, Jean. Para ler a história da Igreja, das origens ao século XV, vol. I, 3ª ed. São Paulo: Loyola, 2001
www.ofielcatolico.com.br

À procura de Cristo na oração, programa de oração – dicas preciosas para rezar sempre e bem – conclusão

O presente artigo é uma adaptação do terceiro capítulo da obra clássica "Amor Sublime" ('This Tremendous Lover'), de Dom Eugene Boylan, OCR (1904 - 1964), intitulado "A procura de Cristo na oração". Boylan foi um monge trapista de origem irlandesa e destacado autor dos temas espirituais. Sua direção espiritual nesta obra escrita há mais de seis décadas, por suas palavras e maneiras, impressiona pela atualidade e encanta ao se revelar utilíssima a todo cristão católico honestamente empenhado em progredir na vida espiritual. Rogamos a Deus que por aqui também seja útil na edificação e salvação das almas. Por ser longo, publicamos o capítulo em duas partes. Para ler a primeira parte, acesse este link; a seguir, a segunda e conclusiva parte:



É ÓBVIO QUE DEVEMOS acreditar na existência de Deus e em seu desejo de nos atender; isso está implícito no próprio ato de nos voltarmos para Deus. As nossas orações nascem da esperança de sermos ouvidos. 

Por outro lado, se estamos em pecado mortal e não temos desejo de nos reconciliarmos com Deus, conservamo-nos em estado de rebelião contra Ele. A caridade fraterna é também necessária à oração, porque devemos nos lembrar de como Nosso Senhor recomendou que, se alguém estivesse a ponto de fazer a sua oferta diante do altar e se lembrasse, aí, de que seu irmão tinha alguma coisa contra ele, devia deixar a oferta diante do altar, ir reconciliar-se primeiramente com o seu irmão e voltar depois a fazer a sua oferta (Mt 5,23-24). Logo, a eficácia de nossas orações depende diretamente, também, da nossa caridade para com o nosso próximo.

Isto pode causar-nos surpresa, mas, se tivermos em mente que a caridade fraterna é necessária para se ser membro vivo de Cristo, compreenderemos por que motivo é necessária essa caridade, se é que rezamos invocando o Nome de Jesus. Só quando estamos unidos com os restantes membros, pela caridade, é que podemos com verdade orar em seu Nome.

A necessidade da humildade foi explicada na parábola do fariseu orgulhoso e do publicano humilde, e Deus avisou-nos de que resiste aos soberbos e dá sua Graça aos humildes. É necessário que estejamos na disposição de nos submetermos à Vontade de Deus; recusar isso é recusar reconhecê-Lo como Deus, é separarmo-nos de Cristo, que deu, Ele próprio, um exemplo clássico na sua oração no Getsêmani: “Pai, se é possível, passa de mim este cálice; todavia, não se faça como eu quero, mas sim como Tu queres” (Mt 26,39).

Estas disposições vêm-nos em primeiro lugar da Graça de Deus e por isso devemos procurá-las na oração. Também se desenvolvem pela leitura e reflexão – o que constitui outro motivo para evitarmos orações muito compridas, porque onde se fala muito pensa-se pouco. Se se começar recitando, por exemplo, uma dezena do Rosário ou algumas orações de igual extensão, todas as manhãs e todas as noites, isto nos parece suficiente no que diz respeito à oração formal. Se encontrarmos, num bom livro de orações, algumas que exerçam apelo especial sobre o nosso coração, é melhor recitar uma ou duas destas de cada vez, ou repetir a mesma durante uma semana, do que nos sobrecarregarmos com uma longa coleção de orações formais todas as noites.

Seguindo assim, se a nossa disposição em rezar aumenta, é sempre ocasião de ampliar a lista, mas é preferível optar por orações breves. O caminho que temos de percorrer é longo, e o que importa é perseverar até o fim. Além disso, uma das razões que nos levam a insistir para que não tornemos a oração um fardo pesado é porque, nessas condições mais suaves, é mais provável que durante o dia venham constantemente aos nossos lábios as invocações espontâneas, com piedosos louvores, ações de graças e súplicas, e essa espécie de oração é muito necessária. Seja como for, “Deus ama quem doa alegremente” (2Cor 9,7), e é melhor dar-lhe dois minutos com alegria do que duas horas contrafeito.


Métodos necessários para a oração: as fórmulas e a intimidade

Há duas formas de rezar que se revestem de grande importância e que são, de fato, necessárias: a primeira é usar uma fórmula fixa e procurar conformar o nosso pensamento com o seu significado; a segunda é rezar fazendo uso das nossas próprias palavras e procurando exprimir com elas os sentimentos que despertam no nosso coração. Nas nossas orações diárias, devemos usar de um e de outro processo. O primeiro é necessário porque há forçosamente sentimentos que não surgem espontaneamente; têm de se adquirir com o emprego de fórmulas e com leitura. Além disso, se tivéssemos de improvisar todas as vezes que rezamos, em breve nos perderíamos na oração. O segundo processo é também necessário, por se tratar, muito provavelmente, da mais excelente forma de nos conservarmos em contato com Nosso Senhor, e isso resume toda a vida espiritual.

É certo que nos unimos a Nosso Senhor em toda a oração: de fato, faz parte desta uma certa dependência dEle. Mas o progresso da nossa vida espiritual depende do desenvolvimento da amizade e intimidade com Ele, de modo a conseguirmos que Ele tome parte em todas as nossas ações. Se a nossa amizade obedece a termos convencionais, isso não será tão fácil. Devemos, portanto, voltar-nos frequentemente para Ele e falar-lhe, empregando palavras nossas, sobre qualquer coisa de interesse mútuo.

Os termos de referência não escasseiam. E porque a nossa vida só é plenamente cristã se for compartilhada completamente com Ele, esses termos de referência também não são demasiadamente vastos. Essa dupla forma de oração pode variar muito. Pode usar-se qualquer fórmula bem conhecida, que sirva para nos unir a Ele. Há muitas pessoas, por exemplo, que rezam os Mistérios do Rosário quando andam pelas ruas ou estão em filas de ônibus, na sala de espera do consultório médico ou mesmo no seu local de trabalho, quando a natureza deste o permite. Outros preferem usar jaculatórias ocasionais, mas que devem ser meditadas e sinceras. Há muitas jaculatórias que, recitadas com fervor, ganham indulgências. Isto pode convencer-nos de que temos de as repetir todas as vezes que pensamos nelas. Não devemos, entretanto, sentir o peso da obrigação indefinida de as repetir vezes determinado número de vezes ou vezes sem fim. O amor incondicional a Deus deve ser a regra. Amor este que deve ser buscado e cultivado a cada instante da vida do cristão e cuja prática nos levará, afinal, à feliz descoberta de que podemos estar na Presença do Senhor sem lhe dizer nada, e esse processo de união com Ele é em Si mesmo uma excelente oração – que não deve ser perturbada por qualquer tentativa para rezar “orações prontas”, a não ser que estas sejam de obrigação. Deve haver nisto uma completa liberdade de espírito, em tudo o que não seja de obrigação. De outra forma não haverá verdadeiro progresso na vida espiritual.

Não há, na realidade, ocupação, exceto o pecado, que seja incompatível com essas orações espontâneas. Claro está que há orações que se devem recitar durante o dia, às quais devemos dedicar toda a nossa atenção, pondo de parte todo o resto; mas Deus nos livre de que limitássemos as nossas orações apenas àquelas que se recitam de joelhos, em situações e/ou horários determinados.

Este ponto pode talvez ser esclarecido com o exemplo de dois homens que tinham por hábito rezar quando regressavam a casa, findo o seu trabalho. Levantou-se a questão sobre se seria lícito fumar enquanto rezavam, e cada um deles decidiu consultar o seu diretor espiritual. Um deles foi asperamente censurado, por pensar em fumar enquanto rezava; o outro tinha outra espécie de diretor, que lhe disse que, embora o fumar durante a oração fosse suscetível de objeção, não via, no entanto, motivo sério de proibi-lo de rezar enquanto fumava. Este conto não passa disto mesmo: um conto, mas pode chamar atenção para o fato de que existe diferença entre oração regular e oração irregular e que, ao passo que a primeira exige determinadas regras, pode-se – e mesmo deve-se –, usar da segunda em qualquer parte.

Outro caso semelhante nos é relatado por um sacerdote ancião, que dizia: "Em tudo o que não é pecado, não há razão para não poder ser compartilhado com Deus". Pode-se, por exemplo, rezar deitado? Sem dúvida é melhor rezar de joelhos, mas não vemos motivo para dizer que é pecado rezar se estamos deitados. Deitar para rezar talvez não seja bom, mas não se pode negar que é bom rezar em toda situação, quer estejamos deitados, sentados, em pé ou ajoelhados. De modo semelhante, não há porque se afirmar que não podemos falar com Ele e desfrutar ao mesmo tempo de alguma das coisas que criou para o nosso descanso, recreio ou deleite. Sim, também o prazer e o recreio têm o seu lugar próprio na vida espiritual; sendo assim, não constituem obstáculos para uma união íntima com Deus, podendo mesmo servir para reforçá-la.

Há, portanto, orações para todas as horas e há também horas para a oração natural e não estudada, que é quando falamos com Deus em termos semelhantes àqueles que usamos quando falamos com os nossos amigos. Devemos aprender a sentirmo-nos à vontade com Deus e devemos compreender que não há necessidade de estar sempre se dizendo alguma coisa. A esposa que ama profundamente o seu marido, e que tem a certeza de ser por ele amada, sente-se à vontade em sua companhia mesmo (talvez até especialmente) quando estão os dois em silêncio, seja num passeio ou fitando-se nos olhos, num momento de descanso; ela sabe bem que não precisa falar e repetir sem cessar que o ama ou que lhe quer bem: quando a relação de intimidade chega a determinado estágio, surge tal cumplicidade e compreensão que um compreende o outro sem a necessidade das muitas palavras.

Devemos admitir, no entanto, que há ligação íntima entre a oração silenciosa e a pureza da nossa consciência. Não é, em geral, possível sentirmo-nos à vontade diante de Deus se conservamos a intenção deliberada de cometer pecados habituais. Mas o pecado de que estamos arrependidos não constitui obstáculo a essa amizade, assim como o não constituem os pecados em que caímos repentinamente por fragilidade. O próprio ato de contrição abre o caminho para novo contato com Deus, e como Ele é o nosso Salvador, não devemos ter receio de lhe patentear os nossos pecados e as nossas fraquezas.

Apesar de tudo o que dissemos até aqui, com o fito de clarear o caminho dos buscadores de Deus, há algumas pessoas que sentem a necessidade de recitar orações mais longas durante o dia, como por exemplo o Terço, o Ofício Menor, alguns dos Salmos ou outras orações deste gênero. É necessário prudência na escolha e na medida de tais práticas, mas não há dúvida de que há muitos casos em que a prudência não só consente, mas até exige tais orações prolongadas.



Como rezar sempre bem e sempre agradar a Deus na oração

Em certas orações, como seja a recitação do Terço, a repetição constante torna impossível seguir o significado de cada palavra, mas isso é bom e desejável, porque o que se busca aí é a contemplação dos Mistérios propostos e não o desgaste mental no "martelar" das mesmas palavras muitas vezes repetidas; noutras, como por exemplo o Ofício Divino, a multidão de ideias aí expressa segue-se numa sequência tão rápida que é impossível que o pensamento se adapte a cada uma delas e possa ao mesmo tempo concluir a sua leitura em tempo razoável. Nesses casos, a atitude mental pode ser um pouco diferente – aqui exporemos um método de tremenda utilidade para a oração, que pode ser aplicado de modo geral ou, pelo menos, mais amplo e está intimamente ligado à oração mental. Ocorre que se pode, nestes e em outros casos, durante a oração, prestar mais atenção em Deus, a Quem se está orando, do que às palavras das orações mesmas que se recitam – confiando plenamente, entretanto, que essa oração, assim como diversas outras, agradam a Deus, quer em razão da sua origem divina, quer por motivo da autoridade que nos deu ou pela sua pia intenção.

Assim, ao recitar a Ave-Maria, por exemplo, podemos lembrar-nos de que as palavras com que começa são aquelas pelas quais Deus, por intermédio do Anjo, fez a Maria a proposta mais admirável que jamais se fez a um ser humano. Claro está que essa composição de palavras têm para Maria um significado que está fora de toda a compreensão que as palavras por si são capazes de transmitir, e podemos estar certos de que lhe agradam muito, e assim homenageamos ao Senhor que as compôs.

Outra belíssima alternativa será considerar essas orações como ditas em nome da Igreja e que o seu significado se aplica às incalculáveis necessidades dos Seus membros, que podemos ignorar. Essa atitude aplica-se, de modo especial, ao Ofício Divino, quando recitado por aqueles que foram designados oficialmente para o recitarem em nome da Igreja, mas aplica-se também, em determinado grau, a toda a oração, porque somos todos membros de Cristo e oramos todos em seu Nome. O significado das palavras que usamos pode exprimir de preferência as necessidades e sentimentos de outros membros do Corpo Místico de Cristo e a nossa atenção concentrar-se-á então mais em “Cristo integral”, ou num sentido obscuro de sociedade com Ele, do que nas palavras especiais de que fazemos uso.

Nas orações muito longas, experimentamos quase sempre grandes dificuldades em concentrar a nossa atenção e evitar as distrações. A distração voluntária é evidentemente censurável quando significa o alheamento do nosso pensamento de Deus e daquilo que estamos a fazer. Há distrações parciais que podem fazer parte da nossa oração, como seja a prática de um ato de caridade ou de qualquer ação necessária. Nesses casos, os nossos corações não se desviam na realidade de Deus e apenas se modifica por momentos a forma de O servirmos. Os Santos foram sempre exímios na sua prontidão em interromper as suas orações particulares para servirem a Cristo na pessoa do próximo. Com as distrações involuntárias, o caso é diferente. Se não procederem de um descuido antecipado e deliberado, como seja a falta de esforço para fixar a nossa atenção no princípio da oração, não há aí certamente qualquer culpa. Não se podem evitar mesmo em pessoas dotadas da melhor boa vontade. Um pensamento suscita outro e uma imagem evoca outra; a própria natureza do nosso pensamento e da nossa imaginação é tal que tende sempre para a divagação. Enquanto não nos apercebemos dessas divagações, não ha certamente culpa da nossa parte. Quando damos, porém, pela distração, é nosso dever voltar a empregar os nossos esforços para despertar a nossa atenção.

Em certas ocasiões, é relativamente fácil nos vermos livres das distrações, mas, em outras ocasiões, estas são tão persistentes que a melhor forma de proceder e deixar correr as coisas e contemplar a Deus sem nos mortificarmos. Não é sempre fácil despertar a atenção e há ocasiões em que a nossa oração parece não passar de uma longa série de distrações combatidas, sem dúvida, mas sem qualquer resultado. É bom que nos lembremos de que as orações recitadas nessas condições podem ser muito agradáveis a Deus. Cada tentativa que fazemos para despertar a atenção é uma elevação do nosso pensamento a Deus, feita com dificuldade, e que por isso lhe é muito agradável como oração, quer dê bom resultado quer não, pois é um esforço para afugentar as distrações.

Deve-se notar que não é necessário prestar atenção a cada palavra que dizemos. Mesmo na linguagem ordinária, quando nos dirigimos a alguma autoridade secular, usamos fórmulas polidas e só atentamos ao seu significado geral. Na oração, podemos empenhar-nos apenas em proferir as palavras corretamente, podemos atentar ao significado das palavras usadas e podemos, finalmente (aqui está a nossa ênfase), prestar atenção à finalidade das palavras que usamos ou à Pessoa a Quem estas são dirigidas. Por esta forma é possível concentrarmos a nossa atenção em Deus e esquecermo-nos quase completamente do que lhe estamos a dizer – e ainda assim rezar bem, já que essa atenção é digna de louvor e não devemos recear que a Pessoa a quem nos dirigimos nos distraia das palavras que lhe dirigimos na oração ordinária.


Os três fins da oração e os diferentes tipos de distração

Os efeitos das distrações nas nossas orações podem ser melhor compreendidos se considerarmos os três fins da oração. A oração é uma obra meritória, por isso a distração superficial não lhe tira necessariamente o merecimento, já que a intenção original e a atenção são a origem de toda oração. Assim, o orante poderá se distrair, sem maiores prejuízos, do que está a dizer, mas não de a Quem está dizendo e com que intenção (louvor, adoração, súplica, ação de graças).

A oração pode também ser considerada pelos efeitos diretos que exerce em nós próprios e em nossas disposições para a vida cristã. Nestes efeitos, é claro que a distração total – que é quando o orante chega a esquecer do que está a fazer, e a Quem e/ou com quais intenções o faz –, é inadmissível e interfere nesses efeitos benéficos.

O melhor método de combater as distrações mais profundas depende, em certo modo, das circunstâncias que acompanham as nossas orações. Nas orações de obrigação há um dever definido a se executar, e por isso não devemos consentir que as distrações, logo que sejam notadas, interfiram com essa obrigação. Neste sentido poderemos mesmo considerar as próprias distrações como intenção das nossas orações, para que cessem, e isto será muito eficaz; em outros casos poderemos ter de lutar com elas durante todo o tempo da oração, e em outros ainda teremos de deixá-las correr (sem aceitá-las), esperando que Deus aceite o mérito de nossa disposição em nos colocarmos diante dEle, de joelhos, por aquele tempo, para adorar, pedir suas graças, agradecer, ainda que não tenhamos podido fazer como gostaríamos.

É importante, então, nos recordarmos de que as distrações, se não forem aceitas deliberadamente e consentidas, não tornam as nossas orações inúteis. Pelo contrário, podem ser, muitas vezes, ocasião de obras meritórias perante Deus.

Por vezes, a causa das distrações é manifesta: uma amizade desordenada, um aborrecimento excessivo, a fadiga, a instabilidade natural do nosso pensamento, a preocupação provocada pelo trabalho ordinário, o ambiente e tantas outras coisas. Seja qual for a sua causa, uma coisa necessária para as evitar é recolhermo-nos completamente no princípio da oração. Se o orante faz isso com generosidade, a oração adquire um valor que nenhuma distração subsequente involuntária pode tirar.

Como dissemos, ao rezarmos particularmente, isto é, ao “falarmos com Deus” como a um Amigo, podemos tomar as distrações como assunto dessa conversa. Em última análise, Deus criou todas as coisas e, por isso, todas as criaturas têm pelo menos essa ligação com Ele, a qual pode servir de ponto de partida para novos colóquios.

Há alguns que afirmam não terem as nossas orações verdadeira eficácia impetrativa e trabalham por espalhar a opinião de que a oração feita em particular pouco vale, e que é a oração pública, feita em nome da Igreja, que tem verdadeiro valor, por partir do Corpo místico de Jesus Cristo. Não é isto exato; o divino Redentor não só uniu estreitamente a Si a Igreja como esposa queridíssima, senão também nela as almas de todos e cada um dos fiéis, com quem deseja ardentemente conversar na intimidade, sobretudo depois da comunhão. E embora a oração pública, feita por toda a Igreja, seja mais excelente que qualquer outra, graças a dignidade da Esposa de Cristo, contudo todas as orações, ainda as mais particulares, têm o seu valor e eficácia, e aproveitam também grandemente a todo o Corpo místico; no qual não pode nenhum membro fazer nada de bom e justo, que em razão da comunhão dos santos não contribua também para a salvação de todos. Nem aos indivíduos por serem membros desse corpo se lhes veda que peçam para si graças particulares, mesmo temporais, com a devida sujeição à divina Vontade; pois que continuam sendo pessoas independentes com suas indigências próprias. Quanto à meditação das coisas celestes, os documentos eclesiásticos, a prática e exemplos de todos os Santos provam bem em quão grande estima deve ser tida por todos.”
(Pio XII, Mystici Corporis Christi, n.87)
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À procura de Cristo na oração, programa de oração – dicas preciosas para rezar sempre e bem – parte 1

O presente artigo é uma adaptação do oitavo capítulo da obra clássica "Amor Sublime" ('This Tremendous Lover'), de Dom Eugene Boylan, OCR (1904 - 1964), intitulado "A procura de Cristo na oração". Boylan foi um monge trapista de origem irlandesa e destacado autor dos temas espirituais. Iniciou sua obra na década de 1940, quando publicou este "Amor Sublime" e "Dificuldades na Oração Mental", que foram traduzidos em diversas línguas. Em 1962 ele foi eleito o quarto Abade do Monte St. Joseph Abbey em Roscrea, Irlanda. Dois anos depois, veio a falecer num acidente de automóvel. 


A direção espiritual que Eugene Boylan nos transmite, em uma obra escrita há mais de seis décadas, é, por suas palavras e maneiras, impressionantemente atual e maravilhosamente útil a todo cristão católico honestamente empenhado em progredir na vida espiritual. Rezamos a Deus que por aqui também seja útil na edificação e salvação das almas. Por ser longo, publicaremos o capítulo em duas partes; segue a primeira:




O NOSSO EXAME da vida sobrenatural, que é conferida a todas as almas no Batismo, chegou ao ponto de termos que considerar mais minuciosamente o programa que deve ser seguido por quem deseja viver essa vida. Já vimos que no Batismo se estabelece uma união íntima entre Deus e a alma da pessoa batizada. Deus concede ao neófito – ao recém-convertido, recém-batizado ou o batizado que andou afastado da Igreja e agora procura retomar uma vida mais espiritual e santificada –, uma participação na sua própria Natureza; derrama na sua alma as virtudes infusas da fé, esperança e caridade, e torna-o membro do Corpo Místico de Cristo. O dever fundamental de todo o cristão é amar a Deus com todo o seu coração, e ao seu próximo por amor de Deus. O plano geral do programa que esse cristão deve seguir é tomar uma atitude de humildade e seguir a prática da conformidade com a Vontade de Deus na fé, na esperança e na caridade.

De fato, esta última sentença resume quase tudo, mas deve ser bem compreendida em si mesma, e também é preciso compreender bem as suas implicações. Se é preciso entender como é que se pode cumprir esse programa de oração, surgem de imediato as perguntas: a quem se destina? A quem se aplicam os seus princípios? A resposta é que se aplica a toda alma batizada, e nossa intenção ao formular estes princípios é aplicá-los a todos, sejam leigos (cujo estado já foi definido quer pelas circunstâncias, quer pela sua própria escolha, tenham ou não contraído o Matrimônio) ou sacerdotes, seculares ou religiosos. Não excluímos nenhum batizado disposto a procurar evitar o pecado mortal. Pouco importa a idade ou o sexo, nem suas condições gerais, sua educação e/ou sua história. Não importa quais pecados tenha cometido no passado ou quais oportunidades de progredir na vida espiritual não tenha aproveitado, nem quais graças tenha recusado; desde que se trate de pessoa batizada, que esteja disposta a procurar evitar os pecados mortais, toda a doutrina que explicaremos a partir deste ponto pode ser aplicada ao seu caso.

A razão dessa certeza vamos encontrá-la no Nome dado ao Filho de Deus, em sua Encarnação: “o Nome de Jesus, porque Ele salvará o Seu povo dos seus pecados”(Mt 1,21). Lembremo-nos que a maior censura que os falsos fariseus se lembraram de lançar contra Nosso Senhor foi exatamente a de apelar para uma sua característica já bem conhecida: “Ele recebe os pecadores” (Lc 15,2).

Sendo a vida espiritual uma muito especial sociedade com Jesus, e também uma tendência de todo o se do cristão para Jesus, ninguém deve ter receio de ser repelido por Ele, pois não há ninguém a quem Ele não receba. Portanto, quer o leitor seja um daqueles que buscaram sempre a Presença divina, desde a juventude, e queira viver melhor, ou seja um dos que reconhecem que a sua vida tem sido de mediocridade e tibieza, ou ainda um daqueles que mal se ergueram do atoleiro do pecado mortal, nada disso importa; estas orientações são também para eles e para eles estão abertas todas as possibilidades aqui tratadas. 

Apenas pedimos ao leitor que não se glorie de qualquer bem que já praticou (ou dos seus êxitos em evitar o mal), que se arrependa do mal que praticou e do bem que deixou de fazer e que se prepare para fazer melhor no futuro, confiando no Auxílio e Sociedade de Jesus, seu Salvador.

O programa a seguir, desde o princípio, é entrar em contato, o mais depressa possível e o mais íntimo possível, com Nosso Senhor. O Cristo é, Ele mesmo, a própria Revelação de Deus; é o modelo de Deus para os homens; é o Mestre vindo de Deus para os homens; é o Sócio e o Salvador dos homens; é, de fato, o Caminho, a Verdade e a Vida.

No entanto – e entender isto é muito importante –, o seu apelo a cada um dos homens não é o mesmo; depende do temperamento e de certas características particulares e das capacidades (físicas, mentais e espirituais) dadas de cada um. Por exemplo, aqueles que são dotados de natureza afetiva comovem-se mais com a Bondade e o Amor do Cristo, Deus feito homem por amor a cada um de nós; já os mais austeros tendem mais para ver nEle um Mestre, um Guia e um Rei. Mas o apelo divino é geral, é para todos os homens e mulheres, jovens e velhos, ricos e pobres, solteiros e casados, sacerdotes, religiosos e leitos, consagrados ou não, e não há coração ao qual Ele não possa satisfazer.



São quatro os meios de entrar em com Ele:

A oração, os Sacramentos, a leitura espiritual e a conformidade com a Vontade de Deus. Este último inclui os outros todos, mas, num primeiro momento, apenas queremos nos referir às obrigações impostas pelos Mandamentos e deveres do próprio estado de cada um.

Estes quatro meios de procurar Cristo não são independentes. Com efeito, no desenvolvimento da prática e do conhecimento da vida espiritual, devemos progredir em círculos, se assim nos podemos exprimir: primeiro, um círculo pequeno que se alarga e agrega a si novas ideias ou novas práticas, até atingirmos a plenitude. Progresso numa única direção pode sair coxo e em geral falha, porque as diferentes partes do verdadeiro progresso dependem umas das outras. Precisamos de conhecimentos para rezar a Deus, precisamos de graça para adquirir conhecimentos e precisamos da oração para conseguir a graça. Não podemos orar com sinceridade se não formos sinceros no cumprimento da Vontade de Deus e não podemos cumprir a Vontade de Deus se não lhe pedirmos sua Graça.

Há outro ponto ainda a notar. Falamos da procura de Cristo, mas já dissemos que a vida cristã se inicia na união íntima com Cristo. Não haverá contradição aqui?

Talvez pareça que existe, pelas palavras, mas a realidade não é tão contraditória como parece. Vejamos: a Presença de Nosso Senhor fora de nós não interfere com a sua Presença dentro de nós. E a Presença de Nosso Senhor na nossa alma não interfere com o seu crescimento nela mesma, nem com a sua vinda até nós, para entrar em união mais íntima conosco. De fato, é-nos proibido recebê-lo na Santa Comunhão se Ele não estiver já nas nossas almas com a sua Graça. Além disso, estamos empregando palavras humanas para explicar coisas divinas, e as palavras humanas são inadequadas para tal. Por vezes, precisamos empregar figuras variadas de linguagem para dar indicação do que queremos significar.

Uma forma de encarar o problema é a adotada por Santa Teresa no seu livro "Castelo Interior", em que ela compara a alma a um castelo. Quando um homem está em pecado, está fora do castelo. Deus está muitas vezes na nossa alma, e nós estamos fora de nós: não O podemos encontrar em nós e temos de O procurar em outra parte. Acontece muitas vezes que não podemos entrar em nós próprios; fechamo-nos a nós mesmos e não podemos encontrar a chave.

É uma analogia profundíssima. Apesar da confusão aparente das palavras, porém, o católico comum é capaz de compreender plenamente estas ideias e sabe que correspondem à realidade. Sim, mesmo depois de ter encontrado Deus nas profundidades da sua alma, pode ainda rezar a Deus no Céu, sem qualquer sentido de inconsistência. Não devemos, portanto, supor que estamos a negar o que já afirmamos sobre a morada de Deus em nós ao falarmos agora da partida à procura de Deus, porque, quer consideremos Deus dentro de nós, quer O consideremos fora de nós, temos sempre de partir de nós próprios para O encontrarmos. E mesmo quando nos encontramos já unidos a Ele, veremos que essa união pode ser aumentada ou aperfeiçoada, compartilhando com Ele daqueles mesmos atos com os quais O procuramos.

O primeiro meio de procurar a Deus que vamos considerar é a oração. A oração, diz-se, é “uma elevação da alma para Deus”, e também se define como “uma conversação com Deus” ou uma “procura amorosa de Deus pela alma”. Em um sentido específico é também o “pedido das graças convenientes a Deus”.

Na prática, começamos a orar atraindo Deus ao nosso pensamento, ou, falando com mais propriedade, dirigindo o nosso pensamento a Deus. Ele está em toda a parte; pondo, portanto, de lado todos os outros pensamentos e considerando-nos na sua Presença, podemos sempre rezar. Torna-se, porém, necessário um esforço para nos libertarmos de todos os outros pensamentos, e precisamos formar ideia clara de Deus para dominá-los ou para ocupar a nossa imaginação. Neste sentido podemos citar a ligação que se verifica entre a oração e a leitura, porque a leitura desempenha um papel preponderante em formar uma ideia de Deus. "Como, pois, invocarão Aquele em quem não creram? e como crerão Naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não há quem pregue?" (Rm 10,14). Pois bem, os Apóstolos nos falaram dEle pela pregação, como o continuam fazendo ainda hoje os seus sucessores, e pelos seus escritos; indiretamente, também pelos escritos dos que se inspiraram neles e no Evangelho do mesmo Senhor, proclamando uma só Fé e um só Batismo (Ef 4,5). Assim é que por meio da leitura espiritual formamos ideia de Deus, como também pelo ouvir a pregação e os bons testemunhos.

Podemos escolher o caminho que nos parecer mais conveniente para representar Deus a nós próprios. As necessidades individuais variam tanto que não se podem assentar em qualquer norma definida, e por não compreender isto muitas almas sofrem e se perdem.

Para alguns, basta-lhes a noção de Deus; outros contemplam a humanidade de Nosso Senhor em alguns dos seus Mistérios, outros ainda concentram a sua atenção no Tabernáculo ou no Crucifixo. A melhor regra, porém, nesta como em outras questões semelhantes sobre a ação, é cada um rezar pela forma que entender mais conveniente. Sim, é preciso que o católico dito "tradicionalista" tenha a coragem de aceitar que não há, nem nunca haverá, de fato, um conjunto de regras fixas para todos os momentos ou para toda e qualquer situação que vai surgindo na busca espiritual.

Como já foi dito, o que funciona para um não necessariamente funcionará para o outro. Há, por exemplo, católicos que se realizam rezando o santo Terço diariamente. Há outros tantos que simplesmente não conseguem fazê-lo, e se condenam e sofrem por isso, sentindo-se culpados, infiéis ou incapazes... Mas não deveriam! A verdade é que nenhum católico é obrigado a rezar o Terço diariamente. Por mais piedosa, santa e frutuosa que seja esta prática, aquele que encontra sérias dificuldades em cumpri-la (dificuldades que não conseguem vencer mesmo que muito persistam) acabará por arrefecer e talvez desanimar completamente na vida de oração, caindo mesmo – num desfecho radical –, em risco de perder a própria alma, se não compreender e aceitar que deve buscar outro meio (que lhe seja mais natural) de cultivar a oração e a Comunhão com Deus – e com os Santos, os santos Anjos e a santa Mãe da Igreja.

Há alguns princípios que nos podem guiar. A oração é, em certo aspecto, uma coisa muito simples e, num outro aspecto, muito complexa. Visa um fim múltiplo, e se tivermos em mente os seus diferentes objetivos, podemos concernir qual a melhor forma de rezar.

O principal fim da oração é cumprir o primeiro dever de todo o homem imposto pelo sagrado Mandamento: prestar a Deus o culto devido. Esse culto inclui a adoração, que é o reconhecimento do Domínio supremo de Deus sobre nós e nossa dependência absoluta dEle, inclui a ação de graças, porque devemos tudo à bondade de Deus, e compreende também o reconhecimento da nossa condição de pecadores com um arrependimento sincero pelas nossas faltas contra Deus e a resolução de as expiar. Todavia não há necessidade, é claro, de traduzir estes sentimentos em palavras todas as vezes que oramos, mas convém que todos os dias e por qualquer forma declaremos esses sentimentos.

Não há para isso melhor meio do que aquele que nos indicou Nosso Senhor: rezar o Pai Nosso. Devemos, portanto, tomar todos os dias uma atitude formal de oração, de preferência de joelhos, e prestar assim a devida homenagem, mesmo que seja muito breve, a Deus.

Há outro fim que devemos ter em vista na oração, que é obter certas graças que nos são necessárias.

A menor ação da nossa vida espiritual depende de Deus para ser iniciada e praticada; a própria conservação da nossa vida depende da divina Providência, e o êxito final dos nossos esforços exige a graça especial da perseverança final. Algumas destas graças são-nos concedidas por Deus, sem as pedirmos, porque Nosso Senhor Jesus Cristo é nosso infalível Mediador, e porque temos no Céu uma Mãe que se empenha em nos alcançar todo o bem. Muitas vezes, as principais graças são-nos concedidas sem que as peçamos, como é o caso do próprio dom da vida: quem de nós pediu para ser e nascer? Há, porém, outras graças bem necessárias que Ele não nos concederá se não as pedirmos. É certo que Ele conhece bem as nossas necessidades, mas não é para O informarmos que Ele deseja que peçamos, e sim para nos informarmos a nós próprios da necessidade que temos dEle, de modo que vejamos nEle a Fonte de todo o bem e para que, ensinando-nos a ter confiança nEle, não nos convençamos de que teremos tudo o que quisermos sem o pedirmos, o que poderia nos tornar arrogantes e soberbos, iludidos numa falsa sensação de absoluta autossuficiência e independência. Esta é uma das razões por que devemos dedicar todos os dias um período de tempo certo à oração. Ambas estas necessidades se podem satisfazer escolhendo a forma de oração que mais apelo exerça em nós, fazendo uso dela diariamente. Mais importante do que a duração, a beleza ou a forma é a persistência e a fidelidade.

O Pai-Nosso, como é óbvio, por ser a oração magna ensinada diretamente por nosso Senhor e Salvador, deve ser constante em nossas orações, e, como não podemos desprezar o auxílio precioso e incomparável de Nossa Senhora, a Ave-Maria também deve ter sempre o seu lugar em nossas invocações. Se quisermos fazer uso de um bom livro de orações, devemos empregar os meios que melhor nos pareçam para o fim que temos em vista. Importa que a lista de orações não seja demasiado longa. Vale mais rezar um Pai-Nosso com sinceridade do que desfiar as contas do Rosário inteiro sem pensar em Deus.

Por que – ao contrário do que afirmam certos diretores espirituais –, dizemos que as orações que decidirmos rezar todos os dias não devem ser muito longas? Para que se não se convertam numa tarefa pesada. De outra forma, é muito provável que acabemos por as recitar mal e que, mais cedo ou mais tarde, acabemos por não dizer nenhuma. Devemos reconhecer que somos humanos e falhos, e também é preciso saber diferenciar a condição dos religiosos e a dos leigos. Os primeiros têm suas rotinas bem definidas e próprias, conforme a regra de sua ordem ou congregação religiosa. Os segundos vivem uma situação completamente diferente. Também é diferente a situação de uma pessoa jovem, a de um adulto maduro e a de um idoso. Estes últimos, por exemplo, em geral têm mais tempo livre, mais paciência e mais conhecimento de si mesmos. Muitos leigos jovens que se dispõem e tentam se obrigar a rezar por longas horas por dia acabam desanimando e abandonando a vida espiritual, sentindo-se frustrados consigo mesmos e, muitas vezes, consciente ou inconscientemente frustrados com Deus. que esperavam que iria lhes dar toda a força para cumprir um itinerário que não é o ideal para eles.

A oração é coisa tão essencial à nossa vida espiritual que a não devemos associar à ideia de um incômodo
. Além disso, não é por muito falarmos que somos ouvidos, mas, isto sim, se forem boas as disposições do nosso coração. Mas não iria, por acaso, esta recomendação contra a admoestação do santo Apóstolo, que diz: "Orem continuamente"? A esse respeito, muitos grandes santos já chegaram à conclusão de que a mais perfeita solução é fazer de toda a vida uma grande e contínua oração. O que trabalha, trabalhe rezando, e não necessariamente uma oração vocal (o que seria inviável) ou recitando fórmulas em sua mente. A grande oração é praticar a fé todos os momentos e oferecer cada minuto de nossos dias a Deus por meio dos nossos atos, pensamentos e escolhas. Quando deixamos de fazer algum mal, perdoamos, assumimos uma postura humilde ou aconselhamos bem um colega de trabalho ou estudo, por exemplo, isto é uma oração que elevamos a Deus e certamente o agrada mais do que muitos sacrifícios, jejuns e penitências (conf.  Jr 7,22; Os 6,6; Mt 9,13).

A única condição que Nosso Senhor impôs para cumprir as promessas que fez a respeito da oração foi que devíamos rezar em Seu Nome. Por palavras, devemos orar em sociedade com Ele e para benefício do Seu Corpo Místico. Unidos a Ele, temos à nossa disposição os seus Merecimentos infinitos, para apresentar diante de Deus; unidos a Ele, podemos dizer a Deus: "Este é o vosso Filho bem amado, no qual pusestes as vossas complacências: ouvi-O".

As disposições para a oração são as disposições para uma sã sociedade com Cristo: fé, esperança, caridade, humildade e submissão à Vontade de Deus. É certo que mesmo o pecador pode e deve rezar: mesmo esse deve orar também por intermédio de Jesus Cristo, confiando nos seus Merecimentos infinitos, para que a sua oração seja ouvida diante do Trono de Deus, mas, se não tem essas disposições de fato, deve tê-las pelo menos em desejo.

** Ler a segunda e conclusiva parte

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Fonte:
BOYLAN, Eugene. This Tremendous Lover, Cork City: The Mercier Press, 1955, capítulo VIII.
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Como ser constante na oração?


Por Felipe Marques – Frat. Laical São Próspero

MUITOS CATÓLICOS vivem em um dualismo que faz com que se perguntem: “devo separar um tempo especial para a oração dentro do meu dia, ou, devo apenas trabalhar e agir sem cessar?” A resposta é: devemos unir os dois! No Evangelho segundo S. Mateus, Jesus diz: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação.” (26, 41), e na Primeira Carta aos Tessalonicenses, S. Paulo afirma que devemos “orar sem cessar” (5, 17).

Visto que não devemos cessar de rezar, como então é possível cumprir com o trabalho que deve ser realizado? Como conciliar a vida de oração com os compromissos e tarefas do dia a dia? É simples, basta transformar o trabalho e as tarefas em oração!

Os católicos devem ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13-14), esse chamado é evidenciado pela Constituição Dogmática Lumen Gentium1, que deixa claro que os leigos também têm o seu papel na obra de salvação do mundo realizada por Cristo através da Igreja Católica, e, por isso precisam assumir suas responsabilidades com mais fervor e não deixar tudo apenas para Padres, Religiosos e Consagrados. Para melhor compreender esse chamado, vejamos alguns de seus pontos:

31. Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja e no mundo. (...) Por vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e atividade terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor.

(...)

33. Unidos no Povo de Deus, e constituídos no corpo único de Cristo sob uma só cabeça, os leigos, sejam quais forem, todos são chamados a concorrer como membros vivos, com todas as forças que receberam da bondade do Criador e por graça do Redentor, para o crescimento da Igreja e sua contínua santificação. O apostolado dos leigos é participação na própria missão salvadora da Igreja, e para ele todos são destinados pelo Senhor, por meio do Batismo e da Confirmação. E os sacramentos, sobretudo a sagrada Eucaristia, comunicam e alimentam aquele amor para com Deus e para com os homens, que é a alma de todo o apostolado.
Mas os leigos são especialmente chamados a tornarem a Igreja presente e ativa naqueles locais e circunstâncias em que só por meio deles ela pode ser o sal da terra (112). Deste modo, todo e qualquer leigo, pelos dons que lhe foram concedidos, é ao mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da missão da própria Igreja, «segundo a medida concedida por Cristo» (Ef. 4,7).

Os leigos também são chamados a trabalhar e rezar pela santificação do mundo e podem se espelhar especialmente no lema dos Monges Beneditinos, que diz: “Ora et labora!”, traduzido para o português como: “Reza e trabalha!”.

Para poder transformar o trabalho em oração, é necessário que os católicos não vejam o trabalho como castigo divino imputado ao ser humano devido ao Pecado Original. Não! O trabalho não é castigo, é antes ferramenta de santificação para o católico, desde que não se torne um "ídolo" e não seja indigno da pessoa humana, e que aquele que trabalha mantenha sempre em mente que o trabalho é um meio e não um fim em si mesmo. (Para aprofundar no assunto, leia-se a enc. Rerum Novarum2 e a Doutrina Social da Igreja3, ambos disponíveis gratuitamente na internet).

Nessa tarefa de transformar o trabalho em oração, São Josemaria Escrivá nos auxilia muito com diversos ensinamentos, eis alguns deles:

Põe-me louco de contente essa certeza de que eu, manejando o torno e cantando, cantando muito – por dentro e por fora –, posso fazer-me santo... Que bondade a do nosso Deus!"
(Sulco, 517)

"Tens de permanecer vigilante, para que os teus êxitos profissionais ou os teus fracassos - que hão-de vir! - não te façam esquecer, ainda que seja só momentaneamente, qual o verdadeiro fim do teu trabalho: a glória de Deus!"
(Forja, 704)

"Trabalhemos, e trabalhemos muito e bem, sem esquecer que a nossa melhor arma é a oração. Por isso, não me canso de repetir que havemos de ser almas contemplativas no meio do mundo que procuram converter o seu trabalho em oração."
(Sulco, 497)

"Interessa que lutes, que arrimes o ombro... De qualquer modo, coloca os afazeres profissionais no seu lugar: constituem apenas meios para chegar ao fim; nunca podem tomar-se, de modo nenhum, como o fundamental. Quantas "profissionalites" impedem a união com Deus!"
(Sulco, 502)

"(...) Bem podem alcançar os êxitos mais espetaculares no terreno profissional, na atuação pública, nos afazeres profissionais, mas se se descuidarem interiormente e se afastarem de Nosso Senhor, o fim será um fracasso rotundo."
(Amigos de Deus, 12)


É preciso se espelhar em Nosso Senhor Jesus Cristo que nunca perdeu intimidade com O Pai e o Espírito Santo (as 3 Pessoas da Santíssima Trindade, Um só Deus), mesmo durante os 30 anos de vida oculta que foram vividos, em grande parte, dentro de uma oficina em Nazaré exercendo o ofício da carpintaria, em que os menores atos foram feitos com amor sublime para com Deus. Devemos encontrar um equilíbrio na vida que permita transformar o trabalho em um caminho de santificação para maior glória do Senhor, sem jamais deixar de lado os momentos particulares de intimidade com Deus e prática da oração mental!

Deve-se valorizar o pouco e pequeno, como diz São Josemaria: "Persevera no cumprimento exato das obrigações de agora. Esse trabalho – humilde, monótono, pequeno –, é oração plasmada em obras que te preparam para receber a graça do outro trabalho – grande, vasto e profundo –, com que sonhas (Caminho 825).

Além de ter um carinho todo especial para com os deveres de cada dia, o católico nunca pode se esquecer que o relacionamento que nutre com Deus é pessoal, porque adoramos um Deus Pessoal. Em muitos filmes e estórias, Deus é mostrado como uma "energia" ou uma "força" impessoal que age no mundo. Essa não é a verdade da Fé cristã. O Criador não nos fez e abandonou a nossa própria sorte. Antes, nos criou e ainda nos sustenta, a cada instante!

Quando interagimos com Deus, devemos nos lembrar que estamos interagindo com Alguém que ama e que, mesmo sem precisar de nosso amor, deseja ser amado por nós. Nosso amor para com o Senhor é sempre uma resposta ao Amor que Ele nos dá em primeiro lugar. Assim como muitos casais se organizam durante dias e horas, agendando e planejando encontros, o católico deve também planejar momentos especiais de intimidade com Deus.

Quanto mais há diálogo e encontro em um relacionamento, mais ele se fortalece, e quanto mais faltam esses fatores, mais o relacionamento se definha. Isso também é válido para o católico que quer ter uma vida de Intimidade real com Deus, sem farisaísmos. Além de evitar a soberba e o exibicionismo, Jesus Cristo também quis ensinar que devemos ter familiaridade com Deus e que há uma forma correta de nos relacionarmos com Ele, principalmente no Evangelho segundo S. Mateus 6, 6: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará”.

Para que esses momentos existam, é necessário planejamento. Sim, planejamento! Ora, tanto se planeja para a realização de viagens e outros projetos, por que não deve haver planejamento para o assunto mais importante de todos – o centro da vida do católico –, isto é, Deus? É preciso organizar, durante o dia, quais momentos serão separados especialmente para o encontro com o Senhor: durante a manhã, antes de ir para o estudo ou trabalho; na parte da noite, antes de dormir. Desligam-se as televisões e celulares e então aplica-se tempo para uma real conversa com O Grande Amigo.

Enfim, dentro de sua agenda, o fiel deve se organizar e lutar para ter encontros com Deus. Encontros reais que podem ser concretizados através das seguintes práticas:

1) Oração mental: abrir-se diante de Deus, mentalmente, em um diálogo sincero e sem reservas e medos;

2) Oração do Santo Terço e/ou do Santo Rosário;

3) Leitura dos Santos Evangelhos;

4) Leitura das biografias dos Santos;

5) Leitura de escritos de Santos;

6) Adoração ao Santíssimo Sacramento.

Não se pode esquecer também que, como grande Auxiliadora junto ao Cristo, devemos contar sempre com Nossa Mãe, Maria Santíssima, e recorrer a ela para que possamos, através do seu exemplo, fazer sempre a Vontade de Deus. Eis o que São Luís Maria Grignion de Montfort ensina, na página 115 de sua obra, práticas de devoção à Nossa Senhora que nos auxiliam na intimidade com Deus:

Rezar o Ofício da Santíssima Virgem, tão universalmente aceito e recitado na Igreja. Ou o pequeno Saltério de Nossa Senhora, composto por São Boaventura em sua honra e que é tão terno e devoto que não se pode rezar sem comoção. Ou quatorze Pai-Nossos e Ave-Marias em honra das suas catorze alegrias. Enfim, podem rezar-se quaisquer outras orações, hinos e cânticos da Igreja, tais como: o 'Salve Rainha', o 'Alma Redemptoris Mater', o 'Ave Regina Coelorum', ou o 'Regina Caeli', segundo os diferentes tempos, o 'Ave Maris Stella', o 'O Gloriosa Domina', o 'Magnificat' ou outras fórmulas de devoção das quais os livros estão cheios(...)”4

Lembrando sempre que convém antes ter poucas devoções, e ser fiel nelas, do que ter várias devoções e não as praticar. Como ensina Nosso Senhor Jesus: “Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito” (MT 25, 21).

Devemos tomar muito cuidado também com a armadilha do ativismo. É necessário entender que a oração precede a ação e Deus não quer ativistas, mas sim, filhos e filhas que sejam discípulos. Como ensina o papa emérito Bento XVI: “Sem a oração cotidiana vivida com fidelidade, o nosso fazer se esvazia, perde o sentido profundo, se reduz a um simples ativismo que, no final, nos deixa insatisfeitos. (...) Cada passo da nossa vida, toda ação, também na Igreja, deve ser feita diante de Deus, à luz da sua Palavra”5. Isto é visível também na obra intitulada "A alma de todo apostolado", de Dom J. B. Chautard, que ensina que “a vida interior é condição para a fecundidade das obras”6.

Contemos com o auxílio da Theotokos, que de tão intima de Deus se tornou a Mãe do Salvador, sabendo que, como S. Luís Montfort ensina: “Foi por intermédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por meio dEla que deve reinar no mundo”4.

Acolhendo de tal modo a Palavra de Deus (Jesus), que possamos "gerar" o Cristo em nosso íntimo e clamar como filhos: "Abba! Pai!". Sendo sempre perseverantes no pouco, pois “começar é de todos; perseverar, de santos. Que a tua perseverança não seja consequência cega do primeiro impulso, fruto da inércia; que seja uma perseverança refletida”7.

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Notas e referências:
1. Constituição Apostólica Lumen Gentium, disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html
2. Carta Encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII, disponível em: http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html
3. Doutrina Social da Igreja, disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html
4. Montfort, São Luís Maria Grignion de. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. 44 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2014
5. Bento XVI: Sem oração a vida se converte em ativismo que sufoca e não satisfaz, disponível em: http://www.acidigital.com/noticias/bento-xvi-sem-oracao-a-vida-se-converte-em-ativismo-que-sufoca-e-nao-satisfaz-43392/
6. Disponível para compra pelo site da Cultor de Livros, link: http://www.cultordelivros.com.br/produto.php?id=628672
7. São Josemaria Escrivá. Caminho 983.
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Por que ir à Missa (pelo menos) todos os domingos?


QUANDO, NO CAIR DA TARDE de um domingo, as vias de acesso a uma de nossas grandes cidades congestionam-se com milhares de carros que retornam de um fim de semana no litoral ou no campo, uma pergunta me ocorre, e já nasce triste no meu coração: quantos desses homens e mulheres,sejam maduros, jovens ou crianças, terão ido à Missa, hoje ou ontem à tarde?

E a tristeza se acentua quando vou ao shopping e vejo a imensidão de pessoas que se entregam com tanta voracidade ao consumismo desenfreado. São grandes filas para comer um sanduíche numa lanchonete, para entrar nas salas de cinema, e/ou para aproveitar alguma liquidação na loja da moda...

Também me surpreendo quando passeio por certos pontos da cidade e vejo as enormes filas que dão voltas nos quarteirões, milhares e milhares de pessoas à espera da sua vez para entrar num estádio de futebol: multidões que parecem pensar que o destino do Universo depende unicamente das peripécias de uma bola e da emoção de um gol... Claro que eu não condeno o lazer ou o prazer de um bom passeio, nem sou contra quem vai assistir a um bom filme no cinema, e muito menos poderia ser contra o esporte ou a prática de atividades esportivas. Tudo isso pode ser muito bom e muito saudável. Mas... quantas dessas pessoas, que superlotam os parques e shoppings, terão se lembrado de Deus nas suas horas de folga e de lazer?

Quantos, no dia seguinte, voltarão ao trabalho realmente refeitos, não só de corpo como também de alma? Quantos destes poderiam se enquadrar na famosa frase de Santo Agostinho: “Meu coração está inquieto,e não descansará enquanto não repousar somente em Ti”?

Perdeu-se a noção da dignidade e da importância diferenciada do domingo, como o momento insubstituível de culto ao Divino, e também de descanso espiritual, tanto para o indivíduo quanto para a família. Em nossas consciências está se esvaziando do seu real conteúdo o Dia do Senhor. E com esse esvaziamento compromete-se um importantíssimo valor cristão.

Essa é a origem etimológica da palavra domingo: Dies Domini. Não está em jogo aqui uma questão desnecessária, de menor importância. A participação atenta, profunda e proveitosa na Santa Missa é uma condição indispensável para a autêntica vida cristã! Assim o lembrou o Papa João Paulo II: “Tomem a sério o convite que a Igreja lhes dirige, com caráter obrigatório, para participar todos os domingos da Santa Missa”...

Que todo domingo seja configurado por essa nossa Fonte de Energia, como dia consagrado ao Senhor. A Ele pertence nossa vida, e somente a Ele se deve a nossa adoração. Todo domingo é uma maravilhosa oportunidade que nos é dada, de beber dessa Fonte, nesse processo de “recarregar baterias” espirituais no dia consagrado ao Senhor. Um momento para refazer as forças do corpo e do espírito, mudando as nossas atividades habituais, deixando a rotina (muitas vezes massacrante) de lado.


Desculpas para o não cumprimento do preceito dominical

Já ouvi dizer que o comparecimento à Missa pode atrapalhar a necessidade de descanso, lazer e/ou integração social. Colocam-se à frente de Deus: a festinha de aniversário, o churrasco, o futebol, o lazer, as atividades sociais... Alguém que realmente pensa assim simplesmente não compreende que as duas coisas, Missa e descanso, não são opostas, mas devem se completar!

O passeio, o esporte, o lazer e o repouso são oportunidades para o ser humano serenar corpo e espírito, e se colocar, assim, em condições ideais para entrar em Comunhão com o Criador. E ir à santa Missa, colher os frutos maravilhosos que só a Celebração Eucarística e a Comunhão com Deus pode nos oferecer.

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Fonte:
CINTRA, Luiz Fernando. Por que ir à Missa aos Domingos? São Paulo: Quadrante, 1989, pp. 3, 4.
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A Igreja e a pobreza


Por Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa – Assoc. Civil Santa Maria das Vitórias


NOS ÚLTIMOS DIAS voltou à baila um tema que esteve muito em voga nos anos sessenta e setenta: a Igreja e a pobreza. Era um assunto candente naquele clima de reformismo após o Vaticano II.

Era adolescente, então, e presenciei a vulgarização da Liturgia e o despojamento das antigas e belas igrejas a pretexto de prática da pobreza evangélica. Lembro-me de freiras e padres dizendo que não queriam mais trabalhar para a burguesia e por isso tinham tomado a decisão de fechar seus tradicionais colégios... Dilapidaram o patrimônio da Igreja, os antigos prédios onde funcionavam colégios e conventos, e foram os religiosos aggiornati ('atualizados') viver em comunidades de base.

Vi essa tragédia em Jaú, Estado de São Paulo, cidade herdeira de gloriosas tradições católicas da fidelíssima Itu. Diga-se de passagem que aqueles bens eclesiásticos, que tinham, durante anos, estado a serviço de toda a sociedade e favorecido inclusive às classes mais pobres, foram adquiridos em grande medida graças à generosidade e piedade das classes mais abastadas e tradicionais da sociedade. A Igreja de antigamente acolhia também os ricos que viviam o espírito de pobreza e caridade evangélicas e, em consequência, a sociedade vivia em harmonia.

Mas nos anos sessenta e setenta as coisas mudaram para muito pior na Igreja. Não ocorreu a primavera esperada do Vaticano II. Ao contrário, as reformas de então produziram frutos amargos. Houve uma demagogia revolucionária, e o resultado, todos o conhecemos: as congregações religiosas que fizeram essa “opção preferencial” (que pleonasmo repugnante!) simplesmente morreram. Não têm mais vocações e nenhuma expressão social e o serviço que pretendiam prestar à transformação das estruturas sociais redundou apenas na maior paganização da sociedade atual. Conheço o caso de uma religiosa, membro de uma congregação que se autodestruiu, a qual só não foi parar na sarjeta porque seu pai, providencialmente, lhe legara os bens vinculados, de modo que ela não pôde dispor de seu patrimônio quando emitiu os votos religiosos!

Observei também, nos idos dos anos setenta, que muitos dos católicos que apoiavam essa revolução na Igreja já não tinham a verdadeira fé, viviam uma confusão de ideias, e hoje, ainda que se digam católicos, de fato não o são. Conheço uma senhora do grupo das católicas "avançadas" dos anos setenta que hoje defende abertamente o "direito de decidir" sobre o aborto, o direito de "opção sexual", etc. Observei, igualmente, que muitos dos partidários do discurso da pobreza da Igreja eram bons burgueses modernistas, da esquerda festiva, e viviam em flagrante contradição: por um lado, defendiam a Igreja despojada, mas por outro lado viviam ferrenhamente apegados às comodidades e ao conforto da tecnologia moderna, de que só os ricos podem gozar: carros de luxo, aparelhos eletroeletrônicos sofisticados, a grife da moda, casas projetadas por arquitetos "comunistas" de vanguarda(...). Observei também que muitos católicos da esquerda festiva tinham desprezo pelas obras de caridade tradicionais da Igreja: faziam pouco, por exemplo, das conferências de São Vicente de Paulo. Enfim, a lógica deles era: para as coisas de Deus, austeridade, para a vida própria, toda comodidade e luxo. É claro que disso só podia resultar a dissolução dos costumes e a perda total da fé em um Deus Transcendente digno de toda honra e toda glória.

A preservação da minha fé, a minha perseverança, em meio a tanta ruína, foi um milagre moral pelo qual nunca agradecerei a Deus devidamente. Foi então que caiu em minhas mãos a obra "O gênio do cristianismo", de François-René de Chateaubriand, que me mostrou a importância da beleza e do esplendor do culto católico para ajudar o homem a descortinar seu horizonte terreno e descobrir outra perspectiva da sua vida, para elevar o homem, para educá-lo e permitir-lhe saborear o Mistério do Sagrado sem o qual a sua própria vida se destrói pela banalização de tudo.

Outro livro que me fez bem então foi "Dois amores e duas cidades", de Gustavo Corção, que explica assim problema que hoje volta a afligir-nos:

"Muitos padres, vigários, abades, bispos, quiseram “levar a Igreja ao povo” ou “aos jovens”. Mas como? Tornando vulgar, primária e imatura a figura da Igreja. Nessa nova pedagogia, muitos padres jovens passaram a usar, além do vernáculo da Liturgia tornado obrigatório, uma linguagem rasteira que, na opinião deles, seria mais comunicativa para os homens humildes. Ora, qualquer pessoa dotada de alguma experiência sabe que pessoas humildes procuram (ou procuravam) na Igreja o que não encontram no botequim. Entre outras coisas, procuram a linguagem mais elevada que os eleve e nobilite, como também procuram no templo as imagens belas, o incenso, a mirra e o ouro... Os que tornam a Igreja vulgar para torná-la popular cometem um erro e uma injustiça contra a Igreja e contra o povo. É também um erro e uma injustiça que se comete contra os moços a ideia de trazer para o templo os mesmos ritmos e instrumentos que alguns moços usam em seus grupos." (o. c. v. II, p. 394)

Outro autor que me auxiliou a ter uma visão melhor do problema da pobreza na Igreja foi o filósofo Dietrich Von Hildebrand em sua obra "Cavalo de Tróia na Cidade de Deus". No capítulo 26 da referida obra, sob o título "A função da beleza na religião", diz Von Hildebrand:

"Infelizmente, alguns católicos dizem, hoje, que o desejo de dotar de beleza o culto se opõe à pobreza evangélica. É um erro grave e que parece frequentemente inspirado em sentimentos de culpa por terem sido eles sido indiferentes às injustiças sociais e negligenciado os legítimos reclamos da pobreza. É então em nome da pobreza evangélica que nos dizem que as igrejas devem ser simples, despojadas de todos adornos desnecessários."

Os católicos que fazem essa sugestão confundem a pobreza evangélica com o caráter prosaico e monótono do mundo moderno. Deixaram de ver que a substituição da beleza pelo conforto, e do luxo que muitas vezes o acompanha, é muito mais antiético à pobreza evangélica do que a beleza – mesmo esta em sua forma mais exuberante. (…) Graças a Deus, esta não foi a atitude da Igreja e dos fiéis através dos séculos. São Francisco, que em sua própria vida praticou a pobreza evangélica ao extremo, jamais afirmou que as igrejas devessem ser vazias, despojadas, sem beleza. Pelo contrário, a igreja e o Altar nunca eram suficientemente belos para ele. Diga-se o mesmo do Cura d”Ars, São João Batista Vianney. (o. c.p. 204-205)

Para a espiritualidade católica tradicional, fundada em sãos princípios teológicos e metafísicos, e sempre guiada pela virtude superior da prudência, a pobreza, bem como a mortificação, é um simples meio para chegar a um fim, que é Deus. Deve-se usar dos bens terrenos tanto quanto auxiliam na consecução do Fim Último. Deve-se renunciar a eles tanto quanto representem um obstáculo para chegar à posse de Deus, Sumo Bem. Deve-se ter um coração desapegado dos bens terrenos e transitórios, colocá-los a serviço dos pobres sempre com a consciência de que a Terra é um lugar de exílio e jamais alimentar uma utopia de um mundo igualitário livre de todo sofrimento moral ou físico. Não se devem cultivar, é claro, as desigualdades pelo prazer de humilhar os mais pobres. Mas tampouco se deve ostentar uma pobreza fingida com sabor de demagogia para cativar as massas em detrimento da dignidade de um alto cargo que exige por sua própria natureza certa majestade e magnificência.

O Evangelho diz: onde está seu tesouro está o seu coração.


Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
19 de março, Solenidade de São José, Protetor da Santa Igreja. Carpinteiro, mas pertencente à real estirpe de David

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Fonte:
'A Igreja e a Pobreza', disp. em:
http://santamariadasvitorias.org/a-igreja-e-a-pobreza/
Acesso 4/5/016
www.ofielcatolico.com.br
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