Conhece-te a ti mesmo – sobre as exterioridades e o farisaísmo na Igreja


Por Igor Andrade – Fraternidade São Próspero

HÁ CERCA DE UM ano deixei um tema importantíssimo num canto escuro da minha mente. Por dois motivos: falta de tempo e imaturidade de ideias. Já é chegado o tempo. Embora o assunto esteja meio frio, sei que ele retornará – como tem retornado há cerca de dois mil anos.

Pois bem, “bendito seja o Senhor, meu Rochedo, que adestra minhas mãos para o combate e meus dedos para a guerra”!

Domingo passado estive conversando com meu pároco, o único sacerdote que já vi largar seus afazeres para confessar uma alma aflita. Conversa vai, conversa vem, ele comenta: “As moças de véu diminuíram em número aqui na paróquia”... “Aí complica para o meu lado, não é, padre?!”, respondi com sinceridade e um sorriso. “Por que me diz isso?”, indagou-me o sacerdote. “Ah, padre, preciso de uma moça boa, piedosa, para casar”, respondi com a mesma sinceridade e o mesmo sorriso. “E desde quando o véu é sinal verdadeiro de bondade e piedade?”. Concordei, com tristeza. Fui obrigado a concordar. É verdade.

Apesar da pouca idade, já vi bastante coisa pela Igreja: de leigos e sacerdotes santos, a clérigos e professores corruptos; de liturgias bem celebradas a sacrilégios dos mais variados tipos. Mas recentemente (de dois anos e meio pra cá, talvez mais), tenho visto o princípio, o ponto crítico onde o “vinho melhor” se converte em água suja: a exterioridade.

A exterioridade, devo lembrar, em si mesma não é um mal nem um bem. Santo Tomás de Aquino diz que quando as palavras significam aquilo que o locutor “pensa”, isto é, quando há um acordo entre o pensamento e as palavras, elas são verdadeiras; quando não há essa concordância, elas são falsas. Isso ocorre porque a palavra falada deve significar uma realidade interior. Pela palavra o homem comunica (isto é, torna comum) aquelas coisas que estão nele.

O mesmo ocorre com o cristão. Usar véu, vestir-se com pudor, decorar versículos bíblicos e encíclicas, rezar o Santo Terço em público, falar manso, rezar em latim etc. etc., não podem ser coisas que se faz por "moda", mas devem ser atos que emergem e significam verdadeiramente uma realidade interior. Quem exerce a exterioridade pela pura exterioridade se assemelha ao estudante que sabe que a soma dos quadrados dos catetos adjacentes é igual ao quadrado da hipotenusa, mas não sabe identificar os catetos adjacentes; não se diz que este estudante é um matemático, mas apenas alguém que decorou uma fórmula. Do mesmo modo, uma moça que usa saia longa e véu (como um rapaz que veste terno) não é cristã; é apenas uma pessoa que se veste bem.

São Luís Maria de Montfort fala disso no seu Tratado. Os devotos exteriores “só tomam interesse à exterioridade da devoção à Santíssima Virgem, por não terem espírito interior; [...] farão parte de todas as confrarias, sem violentar suas paixões, sem imitar as virtudes desta Virgem Santíssima. Amam apenas o que há de sensível [...]”. Ele fala isso referindo-se à devoção à Santa Mãe de Deus, mas tal princípio pode ser estendido a toda vida cristã.

Entendam-me bem, não estou empreendendo uma cruzada contra os sinais exteriores. Os sinais exteriores são importantes, inclusive para adquirir bons hábitos interiores; mas são um meio, e não um fim. A mera exterioridade não passa de um farisaísmo pós-renascentista. Essas pessoas exteriores tomam seu modo de vida exterior como medida de bom ou mau cristianismo, são aqueles que mais falam do “verdadeiro cristianismo”, todavia são pagãos travestidos de cristãos, porque os pagãos se guiam somente pela sensibilidade.

O problema gerado por essa mera exterioridade é gravíssimo: a confusão. “Como assim, aquela moça que tanto critica quem não se veste com pudor traiu o namorado, tantas vezes e de tantos modos?”; “Como assim, aquele rapaz que tanto ofende o Santo Padre, dizendo que ele não faz nada contra a islamização do Ocidente, não tem coragem de rezar um Terço perto de uma mesquita, ou de falar de Jesus para um muçulmano?”; “Como pode a pessoa criticar tanto os padres e os bispos, mas não fazer nenhum tipo de trabalho na paróquia pra mudar a situação? Como pode?”. As respostas são simples: Essas pessoas não creem naquilo que pregam. “Pelos frutos os conhecereis”, diz Nosso Senhor. Quem se assemelha à figueira estéril deve ser cortado, porque já foi amaldiçoado (Cf. Mc. 11, 14).

Não quero com isso dizer que cristão não peca; longe de mim tamanha estupidez. Pecados contra a castidade, covardia, pusilanimidade, são pecados dos quais ninguém está isento de cometer; isso é dito por santos como São Josemaria Escrivá, Santa Teresinha, etc. O próprio Santo Tomás de Aquino ensina que a pretensão à salvação é um pecado contra o Espírito Santo. Mas o ponto não é a isenção ao pecado, e sim ao rigorismo ideológico pregado, aos fardos pesadíssimos que impõem aos irmãos, mas que não são capazes de carregar.

Tomar-se como medida de bom cristianismo muitas vezes é a fonte das mais pesadas críticas à Sua Santidade, o Papa. E isso tem sido tão forte nos últimos tempos que há aqueles que acreditam que a Sede está vacante, que o Papa Francisco rompeu com Bento XVI e que é comunista, que João Paulo II e João XXIII não são santos (que a canonização não depende da Santa Sé, mas sim desses 'iluminados' radtrad’s1), que Paulo VI era modernista (isso falam desconsiderando completamente a encíclica Humanae Vitae), entre outros absurdos. Se ao menos lessem o que foi dito por esses homens, saberiam a realidade dos fatos.

Citando como exemplo, as homilias de Bento XVI têm certas partes que se confundem facilmente com as falas do Papa Francisco. Perto de homens como Leão XIII e Pio XI, Francisco poderia ser chamado “porco capitalista”. O problema dos exteriores é a falta de concordância entre aquilo que se fala e aquilo que se faz na realidade. Falta vínculo com a realidade, basta ler as homilias e as encíclicas!

Se querem tradição, transcrevo aqui um trecho de uma homilia do padre William Faber (que prefaciou o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem): “Devemos honrar o Vigário de Jesus Cristo com uma fé cheia de amor e um respeito cheio de confiança e de simplicidade. Não devemos permitir-nos nenhum pensamento irreverente, nenhuma suspeita covarde, nenhuma incerteza pusilânime sobre o que diz respeito à sua soberania, quer espiritual, quer temporal”2.

Termino recomendando que larguemos esse espírito de mera exterioridade; lembremos que “a verdadeira devoção é interior”, coloquemo-nos em nossas posições e lutemos juntos contra o verdadeiro inimigo: o mal que habita em nós e no Mundo. Juntemo-nos nessa caminhada “Verso L’alto”: Omnes Cum Petro, ad Iesum per Mariam!

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1. Gíria muito comum nas redes sociais para designar os Radicais Tradicionalistas.
2. Da Devoção ao Papa – O Vigário de Cristo na Terra.
www.ofielcatolico.com.br

17 comentários:

  1. Belas e sábias palavras. Servem para um exame de consciência e de atitudes, inclusive para mim. A passagem da figueira estéril diz muito e provoca-nos a uma atitude mais coerente com o cristianismo e a descruzar os braços.Parabéns e graças A Deus por esse Ministério.

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  2. Desculpe minha sinceridade mas este texto serve como um tapa na cara de certos tradicionalistas presunçosos.

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  3. O fiel católico tem uma pegada mais tradicionalista porém dá espaço pras ideias de todos . Parabéns esse texto é a pura verdade, apesar que tem católicos preocupados com o papa com razão e não por orgulho. Infelizmente ele dá muito mal exemplo e o Vaticano II diz que os leigos tem o direito de expressar a sua opinião.

    Luis Antonio

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    1. Boa noite, Luis!
      O que mais tenho visto, são pessoas preocupadas com a questão do Papa sem nem ler o que ele fala, sem nem se dar ao trabalho de ilhar seus antecessores e ver a continuinuidade do ministério petrino. Infelizmente.
      Não gosto muito do termo "tradicionalista" porque passa a idéia de uma "ideologia da tradição"; prefiro "tradicional" que passa a idéia da continuidade da tradição.
      Att. Igor Andrade

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    2. Caro Luis Antonio
      Quem diz que os leigos têm o direito de expressar a sua opinião é o Código de Direitos Canônico, mas, “ressalvando a integridade da fé e dos costumes e a reverência para com os Pastores, e levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas, dêem a conhecer essa sua opinião também aos outros fiéis” (§ 3 do Can 212)

      Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!

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    3. Obrigado Igor e André! Só acho que não são todos os católicos que hoje em dia estão confusos é que são irresponsáveis, embora tenha muitos que são assim , ficam só no exterior, mesmo. Alguns estão seriamente preocupados, eu sou um deles.

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  4. Parabéns pelas palavras. Muito sensato, produtivo e coerente. Que Deus continue sempre iluminando-o com sua graça.

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  5. Olá Fiel Católico.A paz de Cristo e o amor de Maria!

    Eu gostaria de sanar uma dúvida: O que vocês pensem a respeito do novo Missal Romano de Paulo VI e a Missa Tridentina?

    Hoje a Missa Tridentina é considerado rito extraordinário certo, porém, a minha dúvida é o que vocês pensam em relação á posição dos ditos católicos tradicionais que recusam participar da "Missa nova" como chamam e justificam isso dizendo que é herética, maçônica e protestante. Essas afirmações são reais?

    - Patrick Enéias.

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    1. Também queria saber.

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    2. Caríssimo Patrick e anônimo, salve Maria Imaculada!

      A resposta mais perfeita à sua pergunta é, simplesmente: não importa o que nós pensamos. Nós não somos o Magistério da Igreja nem o representamos. Somos apenas uma fraternidade leiga que tenta cumprir o seu humilde papel como pequeniníssimos membros da Igreja, para o bem e maior glória do Corpo de Cristo.

      Quanto a mim, que sou o fundador deste apostolado, honestamente, tento ser apenas uma pequena ferramenta para o estabelecimento do Reino de Deus, conhecedor que sou da minha indignidade e da minha pequenez. Logo, o que eu penso verdadeiramente não importa. Sou um tolo que, por meus próprios meios e capacidades, só faço besteira e torno-me sempre, cada vez mais, merecedor da morte e do Inferno.

      Dito isto, para que não se sinta desprezado, esclareço que somos uma fraternidade, um grupo de leigos, e nem sempre nossas opiniões a respeito de assuntos tão difíceis são homogêneas. O que sei, pelo que conheço e vejo, portanto a partir de minha própria experiência pessoal, é que há hoje muita gente confusa na Igreja. Além da conduta espúria dos sucessores dos fariseus, que o texto do meu irmão Igor Andrade expôs tão bem, e que sem dúvida representam um grande mal (são tão nocivos quanto os TL, por exemplo, embora não detenham tanto poder e não sejam nem de longe tão influentes quanto estes), há também aqueles fiéis católicos honestos, que aprenderam uma coisa na catequese, ou que por seus próprios esforços – porque se interessam e estudam – leram nos documentos da Igreja, e veem algo completamente diferente sendo praticado nas paróquias, pregado pelos seus padres e muitas vezes até por bispos.

      É uma situação difícil. Conheço pessoalmente o caso de um rapaz, que considero sincero em sua fé e disposição em ser um bom católico, que depois de presenciar uma série de verdadeiras barbaridades na celebração da Missa na sua paróquia (e outras próximas de onde mora) convenceu-se de que aquilo é mais um agravo a Nosso Senhor do que propriamente a celebração da renovação do Sacrifício do Calvário. Foi aconselhado por um padre mais tradicional a procurar um local, ainda que longe de sua residência, onde a Missa fosse dignamente celebrada. E que, se isso não fosse possível, que ficasse em casa rezando o santo Rosário e implorando pela Misericórdia de Cristo. Este rapaz entendeu que, às vezes participar de uma profanação disfarçada de Missa –, como sabemos que ocorre por aí –, pode ser pior do que não participar.

      E assim tem feito: às vezes, empreende uma verdadeira peregrinação de longos quilômetros em busca de uma Igreja onde a Missa – que é realmente a Missa – seja celebrada. Quando isso não é possível, ele fica em casa e reza.

      A verdade é que, hoje, alguns se submetem a situações verdadeiramente terríveis para não deixar de cumprir o preceito da Missa dominical. Sei de pessoas que até oferecem aquele sacrifício, de assistir a uma celebração escandalosa, cheia de erros e mesmo ofensas a Deus, em desagravo pelos pecados do mundo. Outros entendem que participar de um agravo a Cristo não tem sentido, e que isto não é, de fato, cumprir o o preceito.

      Podemos dizer que o rapaz do exemplo que citei está errado? Que o padre que o aconselhou está errado? Julguem os nossos leitores, cada um segundo a sua limpa consciência, diante de Deus.

      A Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo

      Apostolado Fiel Católico

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    3. Complementando mais objetivamente a resposta dada, não, não se pode afirmar com toda essa precisão que a chamada "Missa nova", ou a Missa de Paulo VI, seja necessariamente "herética, maçônica e protestante". Essas questões só se levantam porque essa forma de celebração da Missa deu margem a interpretações duvidosas e mesmo incorretas, em determinados pontos, ao contrário do que era a celebração chamada tridentina (referindo-se ao Concílio de Trento – 1545-1563), que enfatizava a Eucaristia como renovação do Santo Sacrifício, com uma atmosfera de adoração e reverência praticamente imposta à assembleia, o que deixava claríssimo o respeito à Presença Real de Jesus no Santíssimo Sacramento do Altar.

      O problema, portanto, não é necessariamente a Missa nova em si, mas sim a maneira como o Missal de Paulo VI foi e vem sendo desrespeitado desde sempre, desde logo após o Vaticano II até os nosso dias – e cada vez mais e pior.

      O assunto, como é óbvio, é complexo demais para ser esgotado num comentário. Há uma vídeo-aula do conhecido padre Paulo Ricardo que nos parece bastante esclarecedora, ou pelo menos apresenta com clareza diversos elementos-chave referentes ao tema. Endereço abaixo:

      https://padrepauloricardo.org/episodios/o-missal-de-paulo-vi-e-a-reforma-da-reforma-liturgica-de-bento-xvi

      Mais uma vez, por fim, reitero que a nossa opinião, enquanto fraternidade laical, não é importante.

      Apostolado Fiel Católico

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    4. Obrigado, eu pensava algo parecido com o que você expôs: O problema não é o Missal de Paulo IV e sim a maneira como é interpretado, o próprio Padre Paulo Ricardo diz, nesse vídeo que você citou, que é preciso ser desonesto para ver a Missa Nova como protestante.

      Na minha paróquia, graças a Deus, nunca vi nenhum abuso litúrgico ter sido cometido.

      - Patrick Enéias.

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  6. Parabéns Igor Andrade, conseguiu condensar de forma precisa e caridosa essa questão tão importante, ao mesmo tempo antiga e atual...
    Parece simples, mas temos ainda muita dificuldade em não julgar pelas aparências, a forma em detrimento da substância, não só na Igreja, mas na nossa vivência em geral, essa é uma boa oportunidade de reflexão.

    A paz de Cristo!

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  7. Simplesmente maravilhoso. Alegra meu coração, querido amigo!!!!!
    Beijo da paz

    Urbano Medeiros - MG

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  8. O problema é o seguinte: a verdadeira devoção é interior, isso sim sem dúvida. mas o que está no interior se reflete no exterior, isso também é verdade. Então, é assim: a minha roupa não define o meu caráter. Verdade. mas o meu caráter define a minha roupa. Verdade também.

    Então, tem muita gente que só é católica na exterioridade, sim. mas tb tem muita gente que usa essa história de "Deus vê o interior" pra não cumprir as suas obrigações de católico. Eu acho que por exemplo a vestimenta também tem a ver com isso sim.

    Parabén s ao autor do texto, muito bom

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  9. Quando uma mulher usa uma roupa compostas, ela evita de provocar os olhares e desejos masculinos, tanto dos que estão dentro da igreja e principalmente os que estão no mundo.

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