É preciso reavivar o nosso maravilhamento pela Eucaristia: 'o Amor Divino Encarnado'

Do prefácio do Cardeal Robert Sarah para a obra do Cardeal Burke




QUANDO A HISTÓRIA da liturgia pós-conciliar for escrita, as figuras do Papa São João Paulo II e do Papa Bento XVI serão recordadas como gigantes: João Paulo II como o místico, Bento XVI como seu fiel e genial colaborador e homem de uma grande capacidade de contemplação e de interioridade espiritual.

 O Santo Papa polonês sempre teve como centro de sua vida interior a Cruz do Senhor Jesus, a Eucaristia, e a Beata Virgem Maria: Crux, Hóstia, et Virgo!1 Por que razão João Paulo II marcou sua vida sacerdotal com a Cruz, a Hóstia e a Virgem? Porque no centro do ministério apostólico e do anúncio do Evangelho que conduz à fé deve estar a porta de entrada para o Mistério da Cruz.

Assim, na celebração da Eucaristia, na participação sempre renovada do Mistério sacerdotal de Jesus Cristo, podemos ver o centro do culto cristão e sua extensão total. Seu intuito constante é lançar cada pessoa e o mundo inteiro no interior do Amor de Cristo, de modo que todos se identifiquem e se configurem a Ele, tornem-se com Ele uma só hóstia, "uma oblação agradável a Deus, santificada pelo Espírito Santo".2

Ademais é impossível imaginar que nós, cristãos, possamos nos avizinhar da Eucaristia com fé e amor e viver plenamente esse Mistério sem a ajuda de Maria Santíssima, "primeiro 'Sacrário da História'"3, "a Mulher Eucarística com toda a sua vida".4

Já o diz a Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia: A Igreja, vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-La também na sua relação com este mistério santíssimo. Mysterium fidei! Se a Eucaristia é um Mistério de fé que excede tanto a nossa inteligência que nos obriga ao mais puro abandono à Palavra de Deus, ninguém melhor do que Maria pode servir-nos de apoio e guia nesta atitude de abandono. [...] 'Feliz daquela que acreditou' (Lc 1, 45): Maria antecipou também, no Mistério da encarnação, a Fé eucarística da Igreja. E, na visitação, quando leva no seu ventre o Verbo encarnado, de certo modo ela serve de 'Sacrário' –, o primeiro 'Sacrário' da História –, para o Filho de Deus, que, ainda invisível aos olhos dos homens, presta-se à adoração de Isabel, como que 'irradiando' a sua Luz através dos olhos e da voz de Maria.5

Essa presença exemplar e cativante de Maria para nos ajudar a entrar plenamente no Mistério eucarístico é confirmada também pelo Cardeal Burke, quando escreve:

A meditação sobre a vida de Cristo tal como nos aparece na vida da Virgem Maria conduz-nos sempre à Sagrada Eucaristia, pois a nossa bendita Mãe está sempre a encaminhar-nos para o seu divino Filho. [...] Quando participamos do Sacrifício eucarístico, nossa santíssima Mãe une-se a nós, dando-nos um exemplo da fé em Cristo e atraindo-nos para um amor cada vez maior por Ele.6

Para São João Paulo II, alcança-se a identificação e a configuração a Cristo mediante uma vida intensa de oração, de adoração, de contemplação silenciosa, nutrida pelo Corpo e pelo Sangue de Cristo. Sem a oração, o fiel, e de modo particular o sacerdote, arriscam-se a reduzir toda a vida sacerdotal e cristã a mero ativismo filantrópico, sinal de uma vida superficial e dedicada às coisas mundanas. 

Só pela contemplação da doce Face de Cristo crucificado pode-se adquirir a generosidade de doar-se, corpo e alma, a exemplo do Nosso mesmo Senhor! O livro O amor divino encarnado: A Sagrada Eucaristia como sacramento da caridade, do eminente canonista e meu confrade no Colégio dos Cardeais, Sua Eminência Revma. Cardeal Raymond Burke, aparece como um tratado espiritual que resume o Magistério do Papa São João Paulo II e do Papa Bento XVI, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia e na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, que pessoalmente subscrevo por completo. 

Ninguém pode negar a importância da matéria tratada neste livro, que eu chamaria de uma autêntica e verdadeira joia, particularmente pelas tantas sugestões que podem tornar mais consciente, ativa e frutuosa nossa participação no santo Sacrifício do Altar.7 Mas devo logo sublinhar com insistência que a participação ativa não pode ter como parâmetro de sucesso o entretenimento bem sucedido dos fieis: a verdadeira participação é aquela que leva à interioridade, à relação íntima com Deus. É uma participação interiorizada, pois é uma participação na ação sacra da Missa, com a consciência de seu profundo significado para a nossa vida quotidiana. 

Em outras palavras: "somos engajados na ação de Cristo", como disse o Cardeal Burke. A participação ativa deve, portanto, partir da consciência de que a verdadeira ação litúrgica, o verdadeiro ato litúrgico é a "Oratio"; a grande oração, que constitui o núcleo da celebração litúrgica e que, justamente por isso, teve o seu conjunto denominado pelos Padres com este termo, "Oratio".8 

A Oratio, compreendida como oração eucarística, é a ação mais alta, que abre espaço para Actio divina: é o próprio Deus quem age e cumpre o essencial na liturgia eucarística. Portanto, todos os cristãos são chamados a entrar na Ação de Deus e, de certo modo, a se tornarem uma única Actio com Ele, como Eucaristia viva. Esta é a verdadeira participação ativa. Deus age e nós nos atiramos dentro deste agir de Deus.9 Mas nós só podemos entrar nesse agir de Deus com uma atitude de silêncio, de espanto e de adoração. O movimento gerado pelo Santo Pontífice com a Encíclica Ecclesia de Eucharistia, como o Cardeal Burke observa, foi motivado pelo "desejo de 'reavivar' nosso maravilhamento pela Eucaristia".10

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1. Cf. o meu livro "Deus ou nada", cap III. 


2. Rm 15, 16 

3. Papa São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 55. 

4. Idem, Ibidem, n. 53. 

5. Idem, Ibidem, Ecclesia de Eucharistia, nn. 53-55. 

6. Cf. p. 96. 

7. Papa São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 10. 

8. Cf. J. Ratzinger, Introdução ao Espírito da Liturgia, Paulinas, Prior Velho, Portugal, 2001, pp. 127, 128, 129. 

9. Cf. Idem Ibidem

10. Papa São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 6.

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Fonte:
BURKE, Raymond Leo. O Amor Divino Encarnado, a Sagrada Eucaristia como Sacramento da Caridade. São Paulo: Ecclesiae, 2007, pp. 7-9.

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Um comentário:

  1. Que pena que o verdadeiro sentido da Santa Missa está entrando em extinção,recebem a Santa Eucaristia como se estivessem recebendo qualquer coisa menos o Corpo de Cristo, é lamentável os dias atuais

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