Sobre o respeito devido aos bispos e a necessidade do leigo manifestar seus anseios


ACABEI DE LER o artigo da Ir. Theresa Noble, que tem uma bela história de conversão, no bom site católico "Aleteia", intitulado "Por que é importante respeitar a autoridade do papa e dos bispos?". O texto tem valor, e eu diria até que é necessário, mas infelizmente também é bastante tendencioso; pondera só um lado da questão, que é bastante delicada e complexa nos nossos tempos...
Em dado momento do seu texto, a religiosa diz que 

Na história da Igreja, houve muitas vezes em que tudo parecia estar perdido. Durante o Trinitarianismo (por exemplo), reinava a heresia mesmo entre os bispos. São João Fisher foi o único bispo da Inglaterra a se opor ao rei Henrique VIII; todos os outros cederam. Mas, repetidas vezes, contra todas as probabilidades, o Espírito Santo prevaleceu (e ele nunca precisou da ajuda de blogueiros e ativistas de mídia social).

O que ela se esqueceu de dizer, no meu entendimento, é que não só no caso desse belíssimo exemplo de S. João Fisher, como em muitas outras ocasiões, a presença e atuação dos leigos foi fundamental. Estudando a vida de Sto. Atanásio, por exemplo, vemos como a participação ativa dos leigos foi importante no processo de deposição dos bispos hereges – que na época desse corajoso Santo chegaram a ser maioria absoluta.

E como participavam os leigos nesse processo de purificação da Igreja? Boicotando os bispos hereges, conforme podemos auferir nos registros históricos (como é o caso do Panegírico de Santo Atanásio, por São Gregório Nazianzeno). Isto é um direito e um dever de todo cristão, e é importante lembrar que, nos nossos dias, sempre foram justamente esses bispos "polêmicos" (para dizer o mínimo) que pregaram o protagonismo dos leigos na Igreja. Neste sentido, somos obedientes a eles próprios quando manifestamos a nossa confusão, a nossa angústia e o nosso escândalo.

Outro excelente exemplo é o de nosso patrono S. Próspero de Aquitânia, que, sendo leigo, foi um mestre do clero no seu tempo, especialmente contra a heresia pelagiana. Chegou a ditar ao papa São Leão Magno as cartas contra Euthyches.

Agora imaginemos se esses grandes e corajosos leigos tivessem se limitado a se manter escondidinhos, só sofrendo e "respeitando" os bispos, por causa da sua autoridade na Igreja... A autoridade, por si só, não torna os membros do Corpo de Cristo isentos de responder ao povo de Deus; pelo contrário, nós temos o direito e até o dever de cobrar deles satisfações em casos graves como os que temos testemunhado ultimamente. Lembremos que o próprio Judas Iscariotes também era um Apóstolo, escolhido diretamente por Nosso Senhor, e portanto gozava de autoridade máxima.

Ora, Deus não usou de "blogueiros e ativistas de mídias sociais", em épocas passadas, simplesmente porque essas mídias, é óbvio, ainda não existiam. Hoje temos, sim, os chamados "youtubers" e "blogueiros" denunciando gravíssimos escândalos e mesmo heresias da parte de alguns dos nossos bipos. Eles estão errados? Deveriam ficar calados, em nome de um "respeito" à autoridade eclesiástica? O que fazer diante de uma comissão de bispos que, por exemplo, põem em dúvida a fé na Presença Real de Nosso Senhor na Eucaristia, em nome do "respeito" pelas outras religiões, como ocorreu no documento do CONIC intitulado "Hospitalidade eucarística", assinado pela CNBB, que afirma que a Transubstanciação (Presença Real de Nosso Senhor na Eucaristia) é apenas:

...uma fórmula filosófica[!?] adequada para determinado tempo e lugar(...). Dada a precariedade das formulações teológicas[!] e do mistério da presença real, é legítima a diversidade de expressões do mesmo mistério[!!]”

Sim! Estamos nós, clara e inescapavelmente, diante de uma comissão de bispos que endossa uma heresia. Simplesmente põem em cheque e em dúvida a Presença Real de Nosso Senhor na Hóstia Consagrada. Dizem que tal não passa de "fórmula filosófica" presa "a um determinado tempo e lugar", isto é, temporal e não absoluta e imutável, como desde sempre afirmou o dogma da Igreja, e devida apenas à "precariedade das formulações teológicas". Sendo assim, a Teologia de Sto. Tomás, por exemplo, que afirma a Presença Substancial de Cristo na Eucaristia (justamente para evitar a confusão e as interpretações dúbias), seria "precária".

Será, então, pecado ou rebelião indevida contra a hierarquia da Igreja denunciar estes simples fatos? Fatos que são públicos? Até que ponto devemos "respeitar" a autoridade eclesiástica quando ela claramente se coloca contra a verdadeira Sã Doutrina de Nosso Senhor? Contra as próprias bases e fundamentos do que sempre ensinou a Tradição Apostólica? Contra as Sagradas Escrituras? Contra o Magistério da Igreja?

E o que dizer da Cáritas Brasileira, importante organismo da CNBB, e seus muitos braços diocesanos, que vêm publicando e distribuindo numerosos boletins e impressos, além de postagens online em suas páginas digitais nas quais afirma, com todas as letras, que a deposição de Dilma Roussef e todas as investigações contra o ex-presidente Lula são parte de um "golpe" contra a democracia e contra os pobres, aderindo a um jargão claramente ideológico e partidário específico – quando a própria Gaudium et Spes declara que a Igreja não pode estar "ligada a qualquer sistema político determinado, pois é ao mesmo tempo sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana” (n.76)?

De fato, não é difícil perceber que o entrave para a compreensão – e consequente elucidação – desses gravíssimos problemas internos no Corpo de Cristo, e que vêm gerando tanta discussão, debates inúteis e confusão em redes sociais, é que temos um grupo de católicos(?) absolutamente arrogantes que se atribuem a si mesmos uma autoridade que não têm e se põe a "excomungar", por conta própria, bispos e o próprio Papa, com total desrespeito e sem nenhuma caridade cristã. Tal atitude, claro, é condenável e profundamente equivocada.

Uma coisa, porém, é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Na realidade, definir se o papel de manifestar opinião quanto às atuações e posturas de padres e bispos –, que deveriam ser nossos pastores sagrados –, e dar a conhecer suas opiniões (no caso, indignação e escândalo) cabe ou não aos leigos, está bem definido pela Igreja, oficialmente falando. Para tirar qualquer dúvida, basta procurar no Código de Direito Canônico da Igreja Católica Apostólica Romana o seu Cânone 212:

§2. Os fiéis, conscientes da sua responsabilidade, têm o direito de manifestar aos pastores da igreja as próprias necessidades, principalmente espirituais, e os próprios anseios.
§3. De acordo com a ciência, a competência e o prestígio de que gozam, têm os leigos o direito e, às vezes, até o dever de manifestar aos pastores sagrados a própria opinião sobre o que afeta o bem da igreja e, ressalvando a integridade da fé e dos costumes e a reverência para com os pastores, e levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas, deem a conhecer essa sua opinião também aos outros fiéis.
(CDC Cân 212, §§ 2-3) 

Como já observado e dito, a parte sobre ressalvar a reverência para com os pastores e a utilidade comum dessa manifestação de necessidades, opiniões e anseios, vêm sendo imprudentemente posta de lado por muitos, e isso desgraçadamente só faz tirar o foco do problema e da urgência em si, isto é, do conteúdo da coisa – que é a obrigação que tais bispos têm de prestar esclarecimentos ao povo de Deus – para a forma (a irreverência de alguns leigos), que deveria ser, em casos tão graves, encarado como o que é: questão secundária, ainda que importante.

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12 comentários:

  1. Perfeita reflexão, Henrique Sebastião!
    Expor a podridão da CNBB, por exemplo, jamais seria falta de respeito com os prelados, muito pelo contrário, no meu ponto de vista é uma atitude louvável, visto que a fazemos apenas porque amamos a nossa Santa Igreja.
    Nossa situação é delicada.
    Expor nossos Bispos desta forma não é o mais interessante, logo eles que deveriam zelar pelo seu rebanho... No entanto no momento atual é o que podemos fazer. Talvez eles acordem!

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    1. Agradeço, Thiago. Nesses momentos difíceis, os ânimos se exaltam e a coisa mais difícil é manter o equilíbrio, a coerência, o bom senso. Mas cabe a cada verdadeiro fiel católico dar o exemplo.

      A Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo

      Apostolado Fiel Católico

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  2. Realmente é um momento delicado que passamos na nossa Igreja Católica. Devemos rezar muito pela Igreja e pedir ao Espirito Santo orientação do que fazer com equilíbrio, sem ódio ou paixões. Mas defender principalmente a Eucaristia.

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    1. Sim, F. Prado. Talvez o mais difícil seja mesmo manter o equilíbrio e escapar desse forte apelo das paixões.

      A Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo

      Apostolado Fiel Católico

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  3. Prof. Rodrigo Pedroso18 de março de 2018 às 13:26

    Posso dizer que esse foi o artigo mais equilibrado e mais em consonância com doutrina da Igreja que eu já li sobre essa grande confusão. Confusão causada pela infidelidade dos bispos Concordo 100 % com você, Henrique. Enquanto a gente fica discutindo a falta de caridade de alguns católicos que se comportam mal e não respeitam os bispos, não estamos discutindo e cobrando sobre essas traições dos bispos. E nós temos o direito e até obrigação de cobrar, como diz o Código Canônico.

    `Por isso é que eu não passo uma semana sem ler esse o fiel Católico. Excelente e continuem assim!

    Prof. Rodrigo Pedroso

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    1. Agradeço pelas palavras de incentivo. Realmente, em casos assim tão graves, é nosso direito e até nosso dever manifestar o nosso escândalo, e isso é bem definido pela normativa da Igreja.

      Não é só mau comportamento ou mau exemplo de um ou de alguns bispos. Trata-se, no mínimo, de insinuação de heresia ou conivência com a heresia (com relação à Eucaristia) e de um claro desrespeito ao papel e à identidade própria da Igreja (no caso desse absurdo apoio a criminosos condenados e corrupção da Casa de Deus em palanque político).

      A Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo

      Apostolado Fiel Católico

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  4. Boa Tarde
    Nesse momento tão dificílimo, unidos na ortodoxia e na oração.
    Dr. Inácio do Vale

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  5. Isso mesmo. Nós temos o dever de dizer o que há de erado.

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  6. Eu fico estarrecida que o caso daquele bispo da diocese de Formosa, que foi preso por se apropriar do dinheiro do povo, causa mais escândalo nos fiéis que essas heresias da CNBB.

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  7. Os leigos tem o direto de se escandalizar e protestar contra os erros dos nossos sacerdotes, tudo porém, deve ser feito com ordem e decência!
    Gostaria de indicar ao blog um assunto que tem confundido muita gente (inclusive eu) as aparições da Virgem Santa em Medjugorje e também no Brasil (Rosa Mística).

    Que o Senhor abençoe grandemente esse blog, que é um verdadeiro oásis para os Cristãos, nesse deserto perigoso que é a Internet.

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  8. Parabéns pelo artigo lúcido e esclarecedor.

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  9. MUITO BOM! Domingo assisti a uma missa em que o paroco na homilia disse que não se deve atacar a CNBB em Facebook... Ora, as lambanças públicas da CNBB merecem um tratamento publico, e não reservado, como sugeiu o pároco, mesmo porque a reiteração nos erros tem sido a tõnica da postura desastrada do ponto de vista politico dessa entidade! O posicionamento publico dos leigos é de vital importancia nesse momento tão dicífil que a Igreja passa!

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