Mexicanos protestam contra sodomia sancionada pelo Estado


CIDADE DO MÉXICO, 31 de julho de 2015 (ChurchMilitant.com) – Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas no México no último sábado (1/8/015) para protestar contra a recente decisão da Suprema Corte do país que legaliza o “casamento” de pessoas do mesmo sexo.

A decisão anulou muitas constituições estaduais pré-existentes que definiam o casamento como união entre um homem e uma mulher. Os mexicanos saíram às ruas sob o grito de “O México é para as Crianças”.

Sofia Miranda, uma das organizadoras, enviou uma carta esclarecedora aos hostis meios de comunicação mexicanos, da qual conta o seguinte trecho: “Não somos contra qualquer pessoa; somos contra essa imposição da Suprema Corte”. Ela adverte, fazendo eco ao Papa Francisco, que o reconhecimento de uniões de pessoas do mesmo sexo como uma forma de casamento, “abre as portas para a ideologia de gênero e irá desestabilizar a nossa sociedade e prejudicar os nossos filhos”.

“Isso é o que não queremos”, afirma Sofia. Os manifestantes estão reivindicando mais direitos dos pais, uma vez que em todo o país cada vez mais as crianças estão expostas a formas antinaturais e perversas de sexualidade — todas sob o pretexto de “educação”.

Algumas das cidades mais conhecidas em que ocorreram as manifestações foram Cidade do México, Monterrey, Guadalajara, Culiacán, Los Mochis, Aguascalientes e Ciudad Juárez, sendo que a maior multidão ocorreu em Guadalajara. Os responsáveis pelo início e planejamento dos eventos disseram que mais de 80.000 pessoas compareceram ao evento. Como era de se esperar, alguns meios de comunicação reduziram esta cifra para alguns milhares.

Mais manifestações estão previstas para ocorrer em outras cidades mexicanas em 15 de agosto, Festa da Anunciação da Bem-Aventurada Virgem Maria

___
Fonte:
Fratres in Unun, disp. em:
fratresinunum.com/2015/08/04/mexicanos-protestam-contra-sodomia-sancionada-pelo-estado/
acesso 4/8/015
www.ofielcatolico.com.br

A Assunção de Nossa Senhora

Nossa postagem anterior sobre a Assunção da Santíssima Virgem Maria provocou certas dúvidas, que pretendemos esclarecer com esta, talvez mais completa e didática. Rezamos que seja útil a todos os nossos leitores sinceramente interessados em compreender esta temática específica.



Pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma de fé por Deus revelado que a Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrena, foi elevada à glória celeste em alma e corpo.” 
(Pio XII, Munificentissimus Deus, 1950)

O DOGMA DA ASSUNÇÃO professa que Maria Santíssima está em corpo e alma na glória do Céu, diferentemente dos demais santos, cujos corpos aguardam a glorificação, que receberão no Dia do Juízo. Todo cristão católico crê nesta verdade de fé.

Reconhecendo esta doutrina como verdadeira e de adesão necessária no dia 1º de novembro de 1950, o Papa Pio XII preferiu não se pronunciar sobre outra questão relacionada: passou a Mãe do Senhor pela morte e ressurreição, antes de entrar na Bem-aventurança celeste? Ou foi elevada da vida mortal diretamente ao triunfo eterno? Diante do silêncio prudente e intencional do Magistério da Igreja sobre o assunto, fica ao arbítrio de cada fiel crer ou não na morte e ressurreição de Maria.

Os documentos mais antigos, entretanto, professam a morte e a ressurreição da Mãe de Deus. Não teria a Virgem Santíssima permanecido isenta da sorte que o próprio Deus feito homem provou pregado à Cruz. Todavia, seu corpo não sofreu corrupção no sepulcro: quis Nosso Senhor conservar a integridade da carne daquela de quem tomou sua própria carne para a salvação do mundo. Desse modo, foi Maria assunta aos Céus imediatamente após o fim de sua vida terrena. Assim pensa hoje a maioria dos teólogos.

Outra interpretação afirma que Nossa Senhora foi dispensada mesmo do tributo à morte, de tal modo era ela imaculada ou alheia ao pecado e às suas consequências (das quais a morte física é uma das principais).

A sentença que atribui a morte a Maria, todavia, parece mais fiel tanto à Tradição como a certos princípios teológicos fundamentais (se até Nosso Senhor Jesus Cristo morreu, dando à morte sentido redentor, é bem mais provável que Maria também tenha morrido, até por estar tão intimamente associada à obra de Cristo).

Antes de analisarmos os fundamentos da fé na Assunção de Maria, será oportuno propor uma observação referente às fontes da fé cristã.


1. Revelação e Tradição

1.1. O católico tem consciência de que a Revelação se fez primariamente de viva voz, pela pregação de Cristo; só por motivos esporádicos (necessidades imediatas de comunidades de cristãos do séc. I), alguns aspectos das verdades da fé foram consignados em cartas e opúsculos, cuja coleção se chamou «Novo Testamento». Resta, portanto, fora destes escritos, ou seja, na Tradição oral, um cabedal de proposições autenticamente reveladas, as quais constituem objeto de fé católica1.

Um dos critérios para se avaliar a autenticidade de uma tradição é sua antiguidade, ou melhor, a origem da mesma nos tempos dos Apóstolos; consequentemente, as afirmações de doutrina e de moral transmitidas pelas gerações cristãs desde o séc. I e hoje em dia oficialmente reconhecidas pelo Magistério da Igreja são parte integrante do Patrimônio Revelado. Ora, justamente entre essas afirmações se enumera a da Assunção.

Na verdade, a Virgem Mãe de Deus deve ter terminado os seus dias na Terra após a redação dos escritos do Novo Testamento, a não ser talvez os de São João. A quanto parece, todos os hagiógrafos, exceto o quarto Evangelista, deixaram esta vida antes de Maria. É o que se costuma concluir do fato, geralmente admitido pelos estudiosos, de que São João só se transferiu para a Ásia Menor após a invasão romana da Palestina (66-70); sua estada na Judeia até essa época é elucidada por Maria ter permanecido em vida até tal data (ou por mais tempo) e São João lhe houver prestado a assistência filial que Cristo, ao morrer, lhe recomendara (cf. Jo 19, 27).

Vários autores antigos referem que a Mãe do Senhor ficou na terra até avançada idade, ao passo que São Pedro e São Paulo parecem ter sofrido o martírio no ano de 67 e São Tiago o Menor em 62 (as datas da morte dos outros Apóstolos são incertas; apenas se pode assegurar que São João sobreviveu a todos, morrendo por volta do ano 100).


1.2. "Por que a Bíblia não fala sobre isso?"

O simples fato de que Maria ainda não havia deixado ainda este mundo quando os hagiógrafos redigiram a grande maioria – ou a totalidade – dos escritos do Novo Testamento explica o silêncio das Escrituras a respeito da Assunção corporal da Virgem. Ademais, sabe-se que nenhum dos autores sagrados intencionou escrever uma biografia de Maria Santíssima: esta é mencionada no Novo Testamento unicamente em vista do Senhor Jesus, ou seja, preenchendo as atribuições de "esposa do Espírito Santo" e mãe do Salvador, como o Tabernáculo da nova e eterna Aliança entre Deus e os homens que é. Evidentemente, isto não é pouco, ainda que a fé cristã e católica sempre tenha sido e permanecerá, enquanto tal, cristocêntrica.

O relativamente pouco que se diz a respeito de Maria em extensão (quantidade de palavras) é de tal magnitude que, de certa forma, dispensa maiores comentários. Ora, o Evangelho revela que o próprio Espírito Santo, pela boca de Isabel, proclamou Maria a "Mãe do Senhor", com sentido direto e literal de Mãe de Deus (Lc 1,43). Que mais seria preciso dizer? A qual Profeta ou Apóstolo foi jamais concedida tamanha honra e dignidade entre as criaturas de Deus?


1.3. A documentação histórica comprova a Tradição

Nas Sagradas Escrituras, São Paulo Apóstolo exorta com vivacidade:

Portanto, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos ensinamos, oralmente (Tradição oral) ou por escrito (Epístolas = Bíblia Sagrada)."
(2Ts 2,15)

Mais adiante, no mesmo livro, novamente o texto sagrado confirma a mesma verdade de fé:

Em Nome de nosso Senhor Jesus Cristo, apartai-vos de todo irmão que não anda segundo a Tradição que de nós recebeu.(2Ts 3,6)

Como se vê, a própria Bíblia Sagrada equipara o ensinamento oral ao escrito. Parece mesmo antepô-lo, já que o Apóstolo cita primeiro o valor da Tradição e faz questão de advertir que aquele que não a observa deve ser evitado. Recomenda fidelidade integral a ambos. Por conseguinte, para que algo pertença ao Depósito da Fé revelada, não é necessário que tenha passado explicitamente para as páginas da Bíblia Sagrada.

Semelhante afirmação se encontra sob a pena de diversos antigos autores cristãos. Assim ensina São João Crisóstomo (+407), ao comentar o trecho paulino citado atrás:

Por conseguinte, é claro que os Apóstolos não nos entregaram tudo por via da Escritura, mas muitas proposições ficaram fora desta, merecendo igualmente a nossa fé. Por isto devemos considerar digna de fé a Tradição da Igreja. É Tradição; não queiras pesquisar ulteriormente."
(In II Thes h. 4 n.2)

Com a sua frase final, o santo Doutor diz que o ensinamento transmitido de viva voz desde os tempos dos Apóstolos tem autoridade por si mesmo, dispensando-nos de procurar por outro fundamento.

São Basílio (+379), por sua vez, professa:

Dentre os dogmas conservados na Igreja, recebemos alguns por via de ensinamento escrito; outros foram a nós transmitidos pelo mistério da Tradição apostólica. Uns e outros gozam da mesma autoridade para serem por nós venerados"
(De Spiritu Sancto 27,66).


1.4. Os dogmas não são "inventados", mas confirmados

À luz do que foi exposto, verifica-se que uma "definição de dogma" (tal como a de Pio XII em relação à Assunção corporal de Maria) não significa a "criação de um novo dogma": não se criam novos dogmas, pois a Revelação se encerrou com a morte do último Apóstolo. Uma definição dogmática vem a ser apenas a afirmação solene e extraordinária de alguma proposição já contida no Depósito da Fé professada por toda a Cristandade.

O motivo pelo qual o Magistério da Igreja, de quando em quando (sem plano preconcebido), procede a uma definição solene, é geralmente um surto de erro ou controvérsias em torno de algum ponto dogmático. A fim de remover mais eficazmente o perigo de deturpação da fé, a Santa Igreja afirma então, de maneira extraordinária, pela voz de seu Cabeça visível ou de um concilio ecumênico, a sentença da verdade; tal intervenção, porém, constitui sempre regime de exceção.

Isto se deu também no caso da definição da Assunção corporal de Maria, que já era objeto da fé comum dos cristãos. Em 1950, foi apenas definida solenemente, a fim de lembrar ao mundo o destino transcendente e o valor religioso do corpo humano numa época em que este é vilipendiado pela imoralidade dos costumes e pelas armas de guerra2.

Em conclusão, verifica-se que a definição proferida por Pio XII em 1950 não foi algo de decisivo na história do dogma da Assunção, pois este já era comumente professado pelo povo de Deus. Para que fosse legitimamente professado, vê-se que não é necessário haja sido explicitamente consignado na Sagrada Escritura, mas basta que seja Tradição de origem apostólica. 

É na base destes princípios que se coloca e resolve a questão dos fundamentos revelados do dogma da exaltação de Maria aos Céus. Qualquer outra posição do problema é falsa, pois não leva em conta os trâmites pelos quais Deus houve por bem revelar-se aos homens (fê-lo essencialmente por via oral, embora acidental e parcialmente também por via escrita).

Sendo assim, indagaremos abaixo em que sentido se pode falar da origem apostólica da Tradição referente à Assunção de Maria. A seguir, procuraremos averiguar o que as Sagradas Escrituras afirmam em consonância com tal Tradição.




2. A Tradição dos escritores cristãos

2.1. Não há uma série de textos assuncionistas que retroceda de época em época até a era apostólica; os quatro primeiros séculos pouca coisa oferecem que mereça consideração neste particular. Sendo assim, de tal período destacaremos apenas o seguinte testemunho de Sto. Epifânio (+403), bispo de Cipro:

Sondem as Escrituras. Nelas não encontrarão o relato da morte de Maria, nem a resposta às questões 'se ela morreu ou não morreu', 'se ela foi sepultada ou não'... A Escritura guardou a respeito do fim de Maria um silêncio completo por causa da magnitude do prodígio, a fim de não provocar excessiva surpresa no espírito dos homens. Quanto a mim, não ouso falar desse prodígio; guardo-o em minha mente, e calo-me. Não digo que Maria tenha permanecido imortal, mas também não afirmo haja morrido.
Se a Virgem santíssima morreu e foi sepultada, seu desenlace foi glorioso; a morte a encontrou pura, coroada pela virgindade. Se lhe tiraram violentamente a vida, em complemento ao que está escrito: 'Uma espada traspassará a tua alma' (Lc 2,35), ela refulge entre os mártires, e seu corpo santo é proclamado bem-aventurado. Por ela, com efeito, a Luz se levantou sobre as trevas do mundo. Também pode ter ela permanecido em vida, pois a Deus nada é impossível. Na verdade, ninguém sabe qual foi o fim da vida terrestre da Virgem» (Haer. 78. 11. 24)."

Este texto não deixa de ser significativo: atesta como entre os cristãos do séc. IV três opiniões eram professadas com referência ao fim de Maria: morte natural, martírio ou preservação da morte. O próprio Sto. Epifânio não ousava afirmar que a Mãe de Deus houvesse morrido, muito menos que houvesse conhecido a corrupção do sepulcro. Este santo bispo, que conhecia bem a Palestina e a Cidade Santa, não conseguira colher notícia certa sobre a morte e o lugar de sepultamento da Virgem Santíssima, e isto já no quarto quinto. Poucos anos após a produção deste documento, porém, – por volta do ano 550, – começou-se a apontar o local do túmulo de Maria em Jerusalém.


2.2. Concílio de Éfeso

Em 431, na cidade de Éfeso (Ásia Menor), realizou-se o 3o Concílio Ecumênico, o qual, para incutir que em Cristo só havia uma Pessoa (a Pessoa Divina), declarou ser Maria Santíssima a Theotokos (Mãe de Deus).

O concilio de Éfeso suscitou considerável incremento à linha mariana da Teologia e do culto à Santa Mãe de Deus. Daí por diante, no Oriente e no Ocidente foram-se multiplicando os testemunhos de escritores cristãos e a Liturgia a respeito da exaltação de Maria aos Céus. Esta, sem grande demora, veio a ser comumente professada pela Cristandade.


2.3. Explicitação da doutrina imutável

Note-se agora um fato importante: os bispos e fiéis, ao afirmarem após o Concilio de Éfeso o dogma da Assunção, procuravam justificá-lo, ou seja, baseá-lo sobre certos princípios dogmáticos. Ora, quem analisa esses princípios verifica que já eram reconhecidos pela Igreja antiga, de tal modo que a proposição da Assunção se apresenta qual mera explicitação de um depósito doutrinário sempre possuído pelos cristãos: a profissão de fé na Assunção não vem a ser mais que uma das facetas do desenvolvimento de um "embrião", ou daquele grão de mostarda com o qual Cristo compara o santo Evangelho (cf. Mt 13, 31s).

Em outros termos, diremos: afirmando outras proposições de fé, os cristãos dos primeiros séculos já afirmavam implicitamente a exaltação corporal de Maria Santíssima aos Céus. E quais seriam esses princípios básicos para a Teologia da Assunção? Podem-se reduzir aos três seguintes:

A) O principio da restauração. Maria e Eva se contrapõem na história sagrada: aquela restaura o que esta perdeu. Eva, pelo pecado, acarretou a morte para o gênero humano; Maria, por conseguinte, deve ter obtido (por Dom de Cristo) a vitória sobre a morte que se caracteriza por reduzir o corpo à poeira (cf. Gên 3,19);

B) O principio da Maternidade Divina. Maria e Jesus, na qualidade de Mãe e Filho, possuíam uma só carne, até porque não houve participação de homem na Concepção de Nosso Senhor. Não convinha, portanto, que a carne de Maria sofresse a dissolução no seio da terra, da qual fora isenta a carne do próprio Filho de Deus. Além disto, a comunhão entre Maria e Jesus era tão íntima que convinha concedesse Cristo à sua mãe a Redenção consumada antes de a dar às demais criaturas. Ora, a Redenção consumada implica a restauração do próprio corpo humano;

C) O principio da virgindade milagrosa. A virgindade, conforme os antigos, significa vitória sobre a corrupção da carne; vitória que no seu grau perfeito exclui a própria deterioração do corpo no sepulcro.

Os três princípios acima já eram formalmente enunciados pelos escritores e teólogos dos quatro primeiros séculos. Assim, no séc. II, por S. Justino (+165, aproximadamente) e Sto. Ireneu (+202, aproximadamente); no séc. III, por Tertuliano (+ depois de 220), Orígenes (+253/4), S. Gregório Taumaturgo (+270, aprox.); nos séc. IV e V, por Sto. Ambrósio (+397), Sto. Epifânio (+403), S. Jerônimo (+420), Sto. Agostinho (+430).

Esta observação, – insistimos, – permite concluir que o dogma da Assunção, em seus fundamentos, sempre pertenceu ao depósito da Revelação.


2. 4. Definição solene

Aconteceu que em meados do séc. XVIII os fiéis começaram a pedir à Santa Sé a definição solene desta verdade de fé. O primeiro a fazê-lo foi Pe. Shguanin (+1769), servita. As petições se foram tornando cada vez mais numerosas e significativas, até que Pio XII, atendendo aos desejos de 113 Cardeais, 2523 Patriarcas, Arcebispos e Bispos, 82000 sacerdotes e religiosos e de mais de oito milhões de fiéis, resolveu, a 1º de maio de 1946, escrever a todos os bispos uma carta circular em que lhes pedia o parecer sobre a "definibilidade" (possibilidade teológica de se definir) da Assunção de Maria. Finalmente, diante dos votos favoráveis da hierarquia e dos fiéis, após minuciosos estudos de história do dogma empreendidos por teólogos do mundo inteiro, e principalmente após haver invocado a assistência do Espírito Santo, Pio XII houve por bem declarar solenemente que pertence ao Depósito da Fé cristã o fato de que a Virgem Santa, "ao terminar o currículo desta vida, foi em corpo e alma elevada à glória celeste".

É, em última análise, a voz do Magistério (ordinário e extraordinário) da Igreja que funda a certeza do dogma da Assunção ou que garante a autenticidade da Tradição oral referente a este assunto. O Espírito Santo é a alma do Corpo Místico de Cristo ou da Santa Igreja; não permitiria que esta se enganasse unanimemente durante quinze séculos, professando a exaltação final de Maria, nem terá deixado que, confirmando tão antigo e respeitável testemunho do povo cristão, o Santo Padre Papa Pio XII tenha ensinado e imposto à fé da Cristandade uma proposição errônea.

Cristo não teria enviado o Espírito Santo sobre os Apóstolos nem lhes teria prometido a sua própria Assistência até o fim dos séculos (cf. Mt 28,20) se não fosse justamente a fim de que a hierarquia da Igreja soubesse devidamente discernir verdade e erro nas afirmações sucessivas do povo cristão através da História.

É, portanto, a voz oficial da Igreja, depositária do ensinamento oral de Cristo e dos Apóstolos, que o dogma da Assunção de Maria supra a sobriedade da Revelação escrita.

Por fim e não obstante, torna-se oportuno averiguar até que ponto o fato da exaltação corporal da Mãe do Senhor possa estar insinuado pela Escritura.



3. O testemunho bíblico

Os textos da Bíblia, interpretados unicamente segundo os critérios da linguística, não sugeririam conclusão segura a respeito da exaltação de Maria aos Céus. Guiado, porém, pela fé na Revelação total (a qual é expressa pelo Magistério da Igreja), o leitor autenticamente cristão pode descobrir na Sagrada Escritura os germens desse dogma, os quais ele de outro modo talvez não percebesse.

Segue a análise das quatro passagens bíblicas que mais costumam ser explanadas no tratado da Assunção: Gen 3,15; Lc 1,28; 1 Cor 15,20-23 e Apc 12,1s.


A) Gn 3,15: Disse o Senhor Deus à Serpente, após o pecado de Adão e Eva:

Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar."

No sentido pleno, a descendência da mulher aqui mencionada é o Redentor, Jesus Cristo, o único dentre os filhos de mulher que obteve perfeita vitória sobre o demônio (em Cristo, aliás, todo o gênero humano se achava recapitulado, como em um novo Adão). Por conseguinte, a mulher referida em Gênesis 3 vem a ser, no sentido pleno, Maria Santíssima, a mãe do Redentor (também Maria, na qualidade de nova Eva, – por ter sido a 'Porta do Céu', pela qual vem Deus ao mundo em corpo, alma e divindade, – recapitulava em si toda a humanidade).

Pois bem; o texto promete ao Redentor e à mulher a vitória sobre a serpente, isto é, sobre o demônio. O triunfo sobre o Maligno compreende, de acordo com a doutrina de São Paulo (Rom 4,25; 5,12-21; 6,23; 8,19-23; 1 Cor 15,3.24s.54s), a vitória sobre o pecado e suas consequências, entre as quais está a morte. Por conseguinte, se Maria, por Desígnio da Providência, teve que passar pela morte, seu corpo terá permanecido isento da corrupção do sepulcro, pois esta nunca é honrosa e fecunda (ao passo que a morte é por vezes honrosa e fecunda).

O corpo virginal de Maria, do qual o Redentor tomou carne e sangue, não haverá sido presa dos vermes da terra como se fosse "carne de pecado" (Rm 8,3). Se Maria morreu, deve ter ressuscitado após breve intervalo, e sua ressurreição terá sido logicamente coroada pela exaltação, em alma e corpo, aos Céus. – É este o texto bíblico mais importante para o dogma da Assunção.

B) Lc 1,28: "Ave, cheia de Graça, o Senhor é contigo, bendita és entre as mulheres", diz o anjo a Maria no momento da Anunciação.

Maria é dita pelo emissário celeste "cheia de Graça", como se este título fora o seu próprio nome. A Graça de Deus Todo-Poderoso, por conseguinte, encheu-a sem limitação. Isto, entre outras coisas, quer dizer: encheu-a desde o primeiro instante da sua existência, fazendo-a imune de qualquer pecado e, por conseguinte, imune do domínio da morte, já que a morte domina os homens em consequência do pecado. Deste modo a Virgem Imaculada deve ter sido vitoriosa sobre a morte no fim de sua vida terrestre.

C) 1 Cor 16,20-23: "Eis que Cristo ressuscitou dentre os mortos, primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte, e é por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão, mas cada um em sua ordem: Cristo como primícias; depois os que forem de Cristo, por ocasião de sua vinda."

São Paulo, no texto acima, recorrendo a uma imagem agrícola, distingue duas categorias de justos que ressuscitam: as primícias (Cristo, já ressuscitado) e o restante da messe (os cristãos, que ressurgirão no fim dos tempos). Cristo constitui as "primícias" porque é principio da vida nova (em oposição a Adão, que foi principio de morte). Algo de análogo se pode dizer de Maria, pois a Virgem Santíssima por graça de Cristo se tornou, ao seu modo, principio de vida (em oposição a Eva, a qual foi principio de morte para todo o gênero humano). Por conseguinte, à semelhança de Cristo, também Maria deve ter ressuscitado ou vencido plenamente a morte antes dos demais justos.

D) Ap 12,1s: "Grande sinal apareceu no céu: uma mulher revestida do sol, tendo a lua debaixo dos pés, e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias do parto."

Essa mulher dá à luz um Filho que é o Messias. (pois São João lhe aplica os dizeres do Salmo 2, messiânico). Tal figura feminina, por conseguinte, há de ser Maria, a qual é Mãe do Cristo físico e do Cristo Místico (ou dos membros de Cristo reunidos na Igreja), ainda que possa representar, também e simultaneamente, a Igreja. Qual Mãe do Cristo físico, Ela está no Céu, fisicamente em corpo e alma, como sugere o versículo 1.

Qual mãe do Cristo Místico, porém, ela está misticamente sobre a Terra, sofrendo a hostilidade do demônio. Tal foi a interpretação dada a este texto pelo Santo Padre Pio X na sua encíclica "Ad Diem Illum"; trata-se de opinião particular, que não se apoia em exegese muito rígida do texto sagrado.

_______
1. Cf. revista "Pergunte e Responderemos" 7/1958, q. 2
2. Cf. revista "Pergunte e Responderemos" 23/1959, q. 4
_______
Ref. bibliográfica:
BETTENCOURT. Estevão. Rio de Janeiro: Mosteiro de São Bento, Pergunte e Responderemos n.35, 11/1960.

• Adaptado do artigo "A Assunção de Maria aos Céus", por Dom Estevão Bettencourt – a reprodução deste artigo é livre, desde que acompanhe o link para a fonte original: www.ofielcatolico.com.br
www.ofielcatolico.com.br

A Comunhão Eucarística na mão




SÍNTESE: A COMUNHÃO Eucarística foi ministrada nas mãos dos comungantes até o século IX. Verificaram-se, porém, abusos e irreverências que levaram a Igreja a preferir dar a Eucaristia na boca dos fiéis [o que comprovou-se, na prática, aumentar o senso de devoção pelo Senhor Sacramentado e a consciência da Presença Real na Eucaristia]. Em nossos dias, a antiga praxe antiga foi restaurada sob certas condições que visam a garantir o respeito ao Santíssimo Sacramento. A Santa Sé enfatiza o direito, dos fiéis, de receber a Comunhão na boca desde que o desejem.

Foi proposta à Congregação para o Culto Divino a seguinte pergunta: "Nas dioceses em que é permitido distribuir a Comunhão nas mãos dos fiéis, pode o sacerdote ou o ministro extraordinário da santa Eucaristia obrigar os comungantes a receber a Comunhão nas mãos e não sobre a língua?". – Eis a resposta publicada no boletim Notitiae, órgão oficial da Congregação para o Culto Divino:

Dos documentos da Santa Sé depreende-se claramente que nas dioceses em que o Pão eucarístico é depositado nas mãos dos fiéis, a estes fica absolutamente garantido o direito de o receber sobre a língua. Aqueles que obrigam os comungantes a receber a santa Comunhão unicamente nas mãos, como também aqueles que recusam aos fiéis a Comunhão nas mãos nas dioceses que utilizam tal indulto, procedem contrariamente às normas estabelecidas. Segundo as normas referentes à distribuição da santa Comunhão, estejam os ministros ordinários e extraordinários particularmente atentos a que os fiéis consumam imediatamente a partícula consagrada, de modo que ninguém se afaste com as espécies eucarísticas nas mãos.
Em todo caso, é para desejar que todos tenham presente que a Tradição secular consiste em receber a Comunhão sobre a língua. O sacerdote celebrante, caso exista perigo de sacrilégio, não dê a Comunhão nas mãos dos fiéis e exponha-lhes as razões por que assim procede."1

O texto citado nos dá a ocasião de percorrer as grandes linhas da história da Comunhão na mão, conforme veremos a partir deste ponto.


1. A Praxe mais antiga

Nos primeiros séculos, a Comunhão era colocada sobre a palma da mão dos fiéis para que a consumissem. Excetuavam-se apenas os casos de enfermidades, em que era frequentemente depositada sobre a língua do comungante [o que é particularmente importante de ser notado, já que quando há risco de contaminação ou dificuldades referentes à higiene, deve-se preferir receber a Comunhão na língua; lembremos que hoje a distribuição da Hóstia Consagrada ocorre imediatamente após a coleta econômica: o povo recebe a Comunhão nas mãos logo depois de manipular dinheiro, sabidamente uma das matérias mais contaminadas com as quais lidamos[1].

O mais antigo testemunho que se tem a tal respeito é uma inscrição encontrada na Ásia Menor, dita "de Pectório" e datada do século II. Eis os seus dizeres simbolistas:

Ó estirpe divina do Peixe Celeste... recebe o Alimento doce como o mel do Salvador dos santos; come segundo a tua fome; traze o Peixe nas mãos."

Nesta passagem, o "Peixe" designa simbolicamente o Senhor Jesus. O Peixe (em grego ICHTHYS) é antiquíssimo símbolo do Cristo, pois as cinco letras gregas que compõem este nome são as iniciais de uma profissão de fé em Cristo, como se vê abaixo:

  • I (esous) = Jesus
  • CH (ristós) = Cristo
  • TH (eou) = de Deus
  • Y (iós) = Filho
  • S (otér) = Salvador

No século III, o escritor cristão Tertuliano, no norte da África repreendia irmãos que tinham sacrificado aos deuses, dizendo que tais cristãos se atreviam a "estender ao Corpo do Senhor as mesmas mãos que haviam levado corpos (as carnes imoladas) aos demônios: "Ó, mãos dignas de serem amputadas!" (De idol. 7).

Um dos mais belos depoimentos sobre o rito de Comunhão na Antiguidade é o de São Cirilo de Jerusalém (+381), do qual vai transcrita aqui uma passagem dirigida a cristãos adultos, que se preparavam para participar pela primeira vez do Mistério eucarístico:

Quando te aproximares, não caminhes com as mãos estendidas ou os dedos separados, mas faze com a esquerda um trono para a direita, que está para receber o Rei; e logo, com a palma da mão, forma um recipiente; recolhe o Corpo do Senhor, e dize 'Amém'. A seguir, santifica com todo o cuidado teus olhos pelo contato do Corpo Sagrado, e toma-o. Contudo, cuida de que nada caia por terra, pois, o que caísse, tu o perderias como se fossem teus próprios membros. Responde-me: se alguém te houvesse dado ouro em pó, não o guardarias com todo o esmero e não tomarias cuidado para que não te caísse das mãos e para que nada se perdesse? Sendo assim, não deves com muito esmero cuidar de que não caia nem uma migalha d'Aquilo que é mais precioso do que o ouro e as pedras preciosas?" (Catequese Mistagógica V,21s)

Esta instrução do santo Bispo de Jerusalém dá-nos a saber que no século IV os fiéis recebiam a santa Eucaristia na palma da mão e passavam a partícula sagrada sobre os olhos, a fim de os santificar.

Outros depoimentos mais ou menos contemporâneos ao de S. Cirilo confirmam o uso de se entregar a Comunhão na palma da mão direita do comungante, ficando a esquerda por baixo desta. Em vista disso, havia uma bacia no adro das grandes basílicas para que os fiéis lavassem as mãos ao entrar no recinto litúrgico.

Em muitos lugares, era prescrito que os comungantes colocassem sobre a palma da mão uma pequena toalha branca (dominicale) a fim de receber aí o Corpo do Senhor.

O uso de passar a Eucaristia sobre os olhos parece ter tido origem entre os sírios. Foi provavelmente inspirado pelo texto de Ex 12,7, em que Moisés, propondo o ritual da Páscoa judaica, mandava ungir com o Sangue do Cordeiro pascal as ombreiras e barras das portas das casas dos israelitas. Estes dizeres, interpretados alegoricamente, terão sugerido a praxe de consagrar os sentidos dos comungantes mediante o Pão eucarístico. Em certos lugares, ainda, os fiéis beijavam a partícula sagrada recebida em suas mãos.


2. Os Desvios

A partir do século IV, aconteceu que a devoção popular se foi tornando cada vez mais exuberante no uso da Santíssima Eucaristia depositada nas mãos dos comungantes.

Segundo um costume antigo, os cristãos, com a devida autorização dos bispos, levavam o Pão consagrado para casa a fim de comungar nos dias da semana em que não houvesse Missa. Todavia, de posse da Sagrada Eucaristia em suas residências, os fiéis cediam à tendência de utilizar o Sacramento para finalidades várias, nem sempre consentâneas com o autêntico espírito cristão. Do século V, por exemplo, Sto. Agostinho testemunha que uma mulher costumava fazer, com a Eucaristia, compressas para seu filho cego (cf. Opus Imperfectum contra Iulianum III,162)1.

Quem partia em viagem frequentemente levava consigo uma partícula da Sagrada Eucaristia como penhor de proteção e boa viagem. Isto se dava principalmente nos casos de travessia marítima. Sto. Ambrósio (+397), por exemplo, refere o seguinte episódio ocorrido no século IV:

Seu irmão Sátiro, ainda catecúmeno, viajava da África setentrional para a Itália, quando foi vitima de tremenda tempestade em alto mar. Vendo-se em perigo iminente de morte, dirigiu-se aos companheiros de viagem que ele sabia cristãos, e pediu-lhes colocassem numa pequena toalha um fragmento da S. Eucaristia, atassem entre si as quatro pontas da toalha e lhe prendessem ao pescoço esse precioso depósito. Assim munido, atirou-se ao mar, sem mesmo cuidar de levar consigo uma tábua de salvação; julgava-se suficientemente protegido pela S. Eucaristia, podendo dispensar qualquer socorro humano. A coragem de Sátiro não foi frustrada: enquanto os marujos perdiam ânimo, ele conseguiu escapar do naufrágio e sobreviver." (cf. S. Ambrósio, De excessu fratris sui Satyri I,44)

Este episódio atesta claramente o uso de se levar a santa Eucaristia em viagem; Sátiro, com toda a boa fé, utilizou-a para se livrar do perigo de morte; os cristãos que com ele viajavam atenderam com presteza ao seu pedido, como se julgassem muito compreensível o plano do companheiro catecúmeno.

Documentos posteriores atestam que a Partícula sagrada era não raro pendurada ao pescoço dos fiéis, aos leitos, às paredes de casa, aos cofres, como se fora amuleto dotado de poderes "mágicos" ou um motivo de profilaxia contra doenças, desgraças, inimigos, etc. A função da Eucaristia enquanto Alimento para a vida eterna ia sendo esquecida.

Esses fenômenos se devem, em grande parte, ao fato de que, no século IV, tendo os Imperadores Romanos concedido paz e liberdade à Igreja, as conversões ao Cristianismo se efetuavam em grande escala e de maneira por vezes brusca; consequentemente, os novos cristãos ainda guardavam consigo traços da sua antiga mentalidade, muito dada à superstição. Não era fácil às autoridades da Igreja extirpar o uso popular de amuletos e símbolos semelhantes.

Em vista dos abusos cometidos contra a Santa Eucaristia, os Concílios regionais, desde o século IV, foram admoestando os fiéis. Tenham-se em vista, por exemplo, o Concílio de Saragoça (Espanha) em 380 (Cân. 3) e o I de Toledo (Espanha), que em 400 assim legislava: "Se alguém não consumir realmente a Eucaristia recebida do sacerdote, seja expulso como um sacrílego" (Cân. 14).

Pouco tempo depois, no Oriente o historiador Sozômeno consignava um curioso abuso. Em Constantinopla, o bispo São João Crisóstomo (+407) pregava com grande êxito a vultosas multidões. Havia na cidade uma facção de hereges ditos "Macedonianos" (adeptos de Macedônio, que negava a Divindade do Espírito Santo).

Certa vez, um membro dessa facção viu-se de tal modo impressionado pelos sermões de São João Crisóstomo que, ao voltar à casa, intimou sua esposa a se fazer católica com ele. A mulher, porém, não lhe deu ouvidos, pois o círculo de suas amigas a detinha no grupo herético. Declarou então o marido: "Se não receberes, juntamente comigo, os divinos Mistérios, já não poderás continuar a ser minha consorte". Receber a Eucaristia era, segundo a mentalidade da época, o sinal mais expressivo de adesão à santa Igreja. Consta que a mulher, intimidada pela ameaça do marido, prometeu satisfazer-lhe.

Concebeu ela então um plano, que comunicou a uma serva de confiança, e dirigiram-se as duas com o esposo para a igreja. Na hora da Comunhão, aproximaram-se do Altar. A mulher, tendo recebido na mão a partícula eucarística, baixou a cabeça como se a quisesse adorar e consumir. Nesse momento, porém, a serva, previamente instruída, passou-lhe às mãos outra partícula de pão, que em anterior ocasião lhe fora distribuído na assembléia de culto dos macedonianos e que ela havia secretamente levado de casa para a igreja. Assim a esposa macedoniana julgou poder evitar rixas com seu marido, sem contudo violentar a sua própria consciência.

Tal episódio é expressão das circunstâncias da vida cristã nos séculos IV/V. Outros casos análogos poderiam ser colhidos na literatura cristã da Antiguidade e do início da Idade Média. O que nos interessa aí é realçar o desvirtuamento da santa Eucaristia entregue às mãos da pessoa comungante.

Conscientes dos abusos, as autoridades eclesiásticas foram recomendando que nas assembleias eucarísticas se desse a sagrada Comunhão na boca dos fiéis, à semelhança do que se fazia na administração do Sacramento aos enfermos. Em consequência, no século IX já devia ser quase geral o costume de se depositar a santa Eucaristia não sobre a mão, mas sobre a língua dos fiéis. O Concílio de Ruão (França, +878), por exemplo, baixava a seguinte norma geral:

A nenhum homem leigo e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre na boca." (Cân. 2)

Nos séculos X/XI, o Ordo VI (Cerimonial para Missas pontificais) guardava um vestígio do antigo uso, estipulando que aos presbíteros e diáconos fosse dada a Eucaristia nas mãos; aos subdiáconos, porém, na boca. Em breve, porém, tal exceção também caiu em desuso.

A nova prescrição se generalizou justamente na mesma época (século IX), em que também se difundiu no Ocidente o uso do pão ázimo como matéria do Sacramento, em lugar do pão fermentado: o pão ázimo aderia mais facilmente à língua do que os fragmentos (em geral, grandes) de pão fermentado, que anteriormente se usava para a Comunhão.

O emprego do pão ázimo prevaleceu no Ocidente por razões diversas: o respeito cada vez maior ao Santíssimo Sacramento, e o conseqüente desejo de diferenciar o Pão eucarístico do pão profano; o intuito de usar o pão mais branco e belo possível; os textos bíblicos (os relatos da Última Ceia do Senhor, a passagem de S. Paulo em 1Cor 5,7s; os costumes do Antigo Testamento formulados em Lv 2,4.11; 6,9; Ml 1,11).

Na Alta Idade Média e em épocas posteriores, ainda se encontram testemunhos de que os fiéis esporadicamente, ou em raras ocasiões, recebiam a Comunhão nas mãos.


3. A Legislação vigente

Por muitos séculos, portanto, foi ilícito aos leigos tocarem o Santíssimo Sacramento com as mãos, até que a pretendida renovação litúrgica do Concílio do Vaticano II levou a restaurar o uso da Comunhão na mão; – porém dentro de circunstâncias adequadas para se evitarem os inconvenientes registrados no decorrer da história. – No dia 5 de março de 1975 a Santa Sé concedeu aos Bispos do Brasil a faculdade de permitirem a Comunhão na mão em suas respectivas dioceses, desde que sejam observadas as seguintes normas:

1. Cada bispo deve decidir se autoriza ou não em sua diocese a introdução do novo rito, e isso com a condição de que haja preparação adequada dos fiéis e se afaste todo perigo de irreverência.

2. A nova maneira de comungar não deve ser imposta, mas cada fiel conserve o direito de receber a Comunhão na boca, sempre que preferir.

3. Convém que o novo rito seja introduzido aos poucos, começando por pequenos grupos, e precedido por uma adequada catequese. Esta visará a que não diminua a fé na Presença eucarística, e que se evite qualquer perigo de profanação.

4. A nova maneira de comungar não deve levar o fiel a menosprezar a Comunhão, mas a valorizar o sentido de sua dignidade de membro do Corpo Místico de Cristo.

5. A Hóstia deverá ser colocada sobre a palma da mão do fiel, que a levará à boca antes de se movimentar para voltar ao lugar ou então, embora por várias razões isto nos pareça menos aconselhável, o fiel apanhará a Hóstia na patena ou no cibório, que lhe é apresentado pelo ministro que distribui a Comunhão, e que assinala seu ministério dizendo a cada um a fórmula: "O Corpo de Cristo". É, pois, reprovado o costume de deixar a patena ou o cibório sobre o Altar para que os fiéis retirem do mesmo a hóstia, sem apresentação por parte do ministro. É também inconveniente que os fiéis tomem a Hóstia com os dedos em pinça e, andando, a coloquem na boca.

6. É mister tomar cuidado com os fragmentos, para que não se percam, e instruir o povo a seu respeito. É preciso, também, recomendar aos fiéis que tenham as mãos limpas [norma no mínimo muito difícil de cumprir, já que o rito da Comunhão se segue imediatamente o ofertório, no qual os fiéis manipulam dinheiro].

7. Nunca é permitido colocar na mão do fiel a Hóstia já molhada no cálice.

As normas relacionadas acima se acham na carta datada de 25 de março de 975, pela qual a Presidência da Conferência Nacional dos Bispos transmitia a cada bispo as instruções da Santa Sé. A mesma carta ainda observava o seguinte:

Só mediante o respeito destas sábias condições poderemos aguardar os frutos que todos desejam desta medida. A experiência da distribuição da Comunhão na mão, em vários pontos do país, revelou pontos negativos, que deverão ser cuidadosamente eliminados. Assim, alguns ministros deram na mão do fiel a hóstia já molhada no cálice, enquanto outros, para ganhar tempo, colocaram na própria mão várias hóstias, fazendo-as escorregar rapidamente, uma a uma, nas mãos dos fiéis, como quem distribui balas às crianças."

Vê-se que a Santa Sé enfatiza o máximo cuidado para que não haja profanação da santa Eucaristia nem ocorram irreverências. Entre outras diretrizes, merecem especial atenção as seguintes: não se deve comungar andando, mas quem recebeu na mão a partícula sagrada, afaste-se para o lado (a fim de deixar a pessoa seguinte aproximar-se) e, parado, comungue. Cada comungante trate de verificar se não ficou na palma da mão ou entre os dedos alguma parcela de pão consagrado (em caso positivo, deve consumi-la).

É lícito comungar duas vezes no mesmo dia se, em ambos os casos, o fiel participar da santa Missa (Cânon 917).

O Pão eucarístico levado para casa tinha, em grego, o nome de Hygieia, "Pão da Saúde"; "Broa da Saúde". Notemos que em muitos lugares, tanto no Oriente como no Ocidente, se consagrava pão fermentado, igual ao pão de mesa, e não pão ázimo. Um e outro tipo de pão são matéria válida para o sacramento.

______

____
Fonte:
BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e Responderemos n.457. Rio de Janeiro: Mosteiro de São Bento, jun/2000.

Frei Galvão: histórias do ainda desconhecido santo brasileiro


GRATA SURPRESA terá quem ler o singelo livro da jornalista e pesquisadora Marleine Cohen, lançado no ano 2013 pela editora Benvirá, intitulado "Frei Galvão: a história do primeiro santo brasileiro".

Com simplicidade (mas sem perder a necessária profundidade) e correção, a autora nos leva a conhecer a vida e a obra deste grande personagem da Igreja de Nosso Senhor no Brasil. Com uma linguagem envolvente e leve, que faz com que não se queira largar o livro antes de concluir a leitura, a obra me deu a nítida impressão de conhecer pessoalmente o queridíssimo frei, de ter presenciado algumas passagens de sua impressionante vida de santidade (confesso que determinado trecho me levou às lágrimas, eu que não sou nem nunca fui 'chorão'). A pesquisa foi bem feita e merece respeito. Recomendo a leitura a todos os leitores fiéis católicos. Abaixo, reproduzo pequeno trecho da obra:

Coroando a figura de frei Galvão, os dons que manifestou ao longo da vida – e que orbitaram em torno dele,m aonde quer que fosse, como que para confirmar sua santidade – transformaram-no no mítico sacerdote das mil e uma graças que nenhum fiel jamais esquece.

 – Ué, senhor padre, então "vossemecê" anda sem pisar no chão?

A curiosa observação, feita por uma senhora idosa que vinha caminhando em sentido contrário quando a vistou o frade todo recolhido, como que... voando, encontra eco em numerosos testemunhos, guardados a sete chaves no Mosteiro da Luz, acerca da capacidade que ele tinha de levitar.

Essa fama de “levitador” deu origem ao seguinte refrão, identificado pelo historiador Afonso d’Escragnolle Taunay em Limeira:

"Nas minhas aflições
dai-me consolação
senhor meu frei Galvão
que não pisais no chão"

A quadrinha varreu cidades e foi se instalar em Araras, não sem antes amedrontar, fato comprovado, um bando de meninos que brincava numa fazenda no interior paulista. Certa feita, tarde da noite, assim que o frei se recolheu, as crianças pararam com suas brincadeiras para dedicar-se a uma em especial: descobrir o que o padre estaria fazendo no quarto. Amontoados debaixo da janela, um deles se acocorou sobe os demais e arriscou uma espiadinha para dentro do aposento. Arregalando os olhos, antes de sair em disparada, pôs-se a gritar: ‘Frei Galvão está voando! Frei Galvão está voando pelo ar!”. E pernas para que vos quero!

Nem sempre, porém as fantásticas habilidades de frei Galvão assustaram os fiéis. Ao contrário. Certa vez, no distrito de Potunduva (Airosa Galvão), município de Jaú, o seu dom de bilocação, longe de mantê-lo à distancia, resultou em que, poucas vezes, sua presença fosse tão suplicada.

Aconteceu na Fazenda Santa Cruz, nos idos de 1810, às margens do rio Tietê, na orla do sertão.

Naquela época, conta Afonso Taunay,

"no bairro de Potunduva, todos os moradores viviam do tráfego das monções1. Ali residiam algumas famílias de caboclos, cujos homens se empregavam como proeiros, remeiros e varejeiros dos canoões das flotilhas a trafegarem entre Porto Feliz e Cuiabá.
Entre os mestres das monções, era particularmente prestigioso Manuel Portes, graças à ordem que sabia manter entre as tripulações, o cuidado, ou antes, o rigor com que executava as encomendas e escrupulosa fidelidade na entrega de dinheiro e mercadorias. Era um mameluco de prodigiosa energia, hercúleo e violento, sobremodo propenso a deixar-se arrebatar pela cólera. Seus subordinados o temiam imenso, pois não trepidava em castiga-los do modo mais rude. 
Os negociantes de São Paulo e Mato Grosso nele depositavam grande confiança. E muitos esperavam ansiosos a sua presença de capataz de monção reiuna2 para lhe entregarem a mercadoria.
Vinha este sertanista conduzindo a monção reiuna que subia o Tietê rumo a Porto Feliz. Tinha queixas da desídia de um de seus homens (...), um certo Apolinário, caboclo indolente e pouco afeito à disciplina férrea do mestre. Já o repreendera este várias vezes e o ameaçara, e o homem se humilhara, mas não se emendara. Abicados os canoões à barranca do Tietê e desembarcadas as equipagens, para o jantar, pusera-se Manuel Portes à fazer a costumeira revista e ronda diária. E aí apanhara novamente o caboclo em falta.
Deixara-se então levar a uma das frequentes cóleras furibundas. Tomando uma açoiteira, chibateara rijamente o remeiro, que, aliás, não se defendera.
Pouco depois, estava Portes conversando com um de seus homens quando inesperadamente sentiu um forte murro às costas. Voltando-se, viu Apolinário que fugia a correr, empunhando enorme facão. Terrível fora a punhalada, não tardando que o apunhalado caísse prostrado por enorme hemorragia.
Sentindo que a vida o abandonava, no auge do desespero, Manuel Portes se pôs a gritar: ‘Meu Deus, eu morro sem confissão! Virgem Mãe de Deus, perdão! Perdão! Senhor Santo Antônio, pedi por mim! Dai-me confessor! Vinde, frei Galvão, assistir-me!'."

E Afonso de Taunay continua a descrição:

"De todos os lados acudiram os comandados, e dentro em breve estava ele por terra moribundo, já com voz sumida, a pedir a presença de um padre, a clamar por Nossa Senhora e os santos de sua devoção. Cercavam-no os homens da monção, impressionados com aquele desespero piedoso.
Mas onde, naquela selva, arranjar confessor que confortasse o moribundo?
Subitamente, gritou um dos circunstantes 'Aí vem um padre!'. E todos de olhos esbugalhados, absolutamente estarrecidos, viram um franciscano que se adiantava para o agonizante. Nele reconheceram frei Galvão, cuja figura lhes era familiar (...)."

Assim relataram as testemunhas:

"Aproximou-se o querido sacerdote, afastou com um gesto os espectadores da trágica cena, abaixou-se, sentou-se, pôs a cabeça de Portes sobre o colo em falou-lhe em voz baixa, encostando-lhe depois o ouvido aos lábios. Ficou assim alguns instantes, findos os quais abençoou o expirante. Levantou-se, então, fez um gesto de adeus e afastou-se de modo tão misterioso quanto aparecera, deixando estáticos os presenciadores de tão estranha ocorrência, certos de haverem presenciado um milagre."

Altar-Mor da Igreja do Mosteiro da Luz

Mas como pode? Reza o consenso popular que naquele instante frei Galvão se encontrava em São Paulo, pregando. Pois fato é que ele interrompeu a pregação pediu que se rezasse uma Ave-Maria pela salvação de um moribundo em lugar distante e, acabada a oração, levantou-se e prosseguiu com o seu sermão.

No Porto de Potunduva, sepultaram Manuel Portes sob um tosco cruzeiro. Mais tarde , no mesmo local onde uma tabuleta sustentava uma pirogravura representando o frade menor ouvindo a confusão de um moribundo, em alusão ao fato, foi erguida a Capelinha de Frei Galvão, que as águas de uma enchente arrastaram em 1950.

Essa tabuleta desapareceu – não se sabe como nem quando. Uns dizem que foi consumida pelo fogo dos círios acesos pelos devotos; outros sustentam que se perdeu porque os canoeiros do Tietê tinham o costume de leva-la consigo em suas viagens, à guisa de proteção. Seja como for, não faltou quem levantasse outra capela, sólida e definitiva, em local mais seguro. Em torno dela ainda ondeia a devoção popular, com sua festa estabelecida em 3 de maio.

Mas frei Galvão não só levitava e aparecia em dois lugares ao mesmo tempo: tinha o dom da telepatia e se comunicava à distância, por transmissão de pensamento e sensações. Sua premonição e telepercepção, isto é, a faculdade de prever o que vai acontecer e de tomar conhecimento de fatos ocorridos em regiões afastadas, também eram bastante apuradas. Além disso, era clarividente. Conta-se que, certo dia, os sinos do Mosteiro da Luz tocaram insistentemente fora de hora. Sempre que acontecia, a população atendia à convocação, temerosa: era como um alerta de que algo inusitado estava em curso.

Já bem idoso, frei Galvão tomou a palavra para anunciar: 

 – Rebentou uma revolução em Portugal – e pôs-se a descrever os detalhes do conflito, como se os estivesse vendo diante dos olhos.

Semanas depois, notícias do além-mar davam conta do fato: no dia 24 de agosto de 1820, eclodira no Porto um movimento com o objetivo de convocar as cortes e dotar Portugal de uma constituição.

Levitações, (bilocação) telepercepções, clarividência: tão preciosa lavra espiritual teria se perdido no tempo, não tivesse ela sido revestida de um húmus especial: as chamadas pílulas de frei Galvão, que deram perenidade às suas graças e ainda hoje o mantém quase vivo entre seus numerosos devotos em todo o mundo.

† † †


** Para adquirir as célebres pílulas de Santo Antônio de Sant'Ana Galvão, use este link: SaoFreiGalvao.Com ou procure o Mosteiro da Luz: Av. Tiradentes, 676 - Luz, CEP.: 01102-000 - São Paulo - SP / Tel.: (11) 3311-8745 (9 às 11h30 e 14h30 às 17h).

_____
Notas:
1. Antigas bandeiras ou expedições que partiam em exploração pelo interior, descendo e subindo rios das capitanias de São Paulo e Mato Grosso, nos séculos XVIII e XIX, pondo-as em comunicação. – Dicionário MICHAELIS, Melhoramentos, 2013.
2. Diz-se de certa espingarda ou fuzil de cano curto (hoje em desuso) – Idem.
_____
 Fonte:
COHEN, Marleine. Frei Galvão: a história do primeiro santo brasileiro. São Paulo: Benvirá, 2013, pp. 80-86.
www.ofielcatolico.com.br

Publicações de inspiração católica vivem crise na Itália


UMA REVISTA DE INSPIRAÇÃO católica, que já foi líder entre as publicações de opinião nas discussões da Igreja, vai deixar de ser publicada até o fim de 2015, – mais uma evidência da crise que tem assolado as publicações católicas durante as últimas décadas.

A "Il Regno", uma revista bimestral que começou sua publicação em 1956 (antes do Concílio Vaticano II), vai deixar de ser publicada depois de uma decisão da Província Setentrional italiana dos padres Dehonianos, os editores da revista. Em comunicado, os padres ressaltaram que a decisão de terminar a publicação foi “sofrida”, pois enfraquece a presença de uma “protagonista da vida eclesial e da reflexão civil”, mas foi uma escolha inevitável devido a problemas econômicos.

Além do desaparecimento da "Il Regno" do cenário da mídia italiana, é preciso salientar que a maioria das outras revistas de inspiração católica do país também vivem hoje uma crise financeira. Algumas tiveram que se renovar, enquanto outras foram completamente extintas.

Em 2012, a "Trenta Giorni", publicação mensal do movimento Comunhão e Libertação, lançada em 1983, encerrou suas publicações. Principalmente focada na vida da Igreja, na diplomacia e na análise em profundidade, a revista mensal também era entregue gratuitamente para as missões católicas em quatro idiomas diferentes.

Em 2014, a revista "Ad Gentes", a única na Itália completamente dedicada às missões, encerrou também suas atividades porque não conseguia atrair assinaturas suficientes.

O padre Piero Gheddo, um antigo missionário, comentou sobre o encerramento da "Il Regno", dizendo que:

Em décadas anteriores “havia a clara afirmação da nossa identidade [católica]: ir ao encontro dos povos não cristãos, aonde a Santa Sé nos mandava, anunciar e testemunhar o Cristo e seu Evangelho, do qual todos precisam. Sim, também se falava das obras de caridade, educação, saúde, de promoção de direitos e obras de justiça pelos pobres e explorados. Mas, acima de tudo, estava emergia e o entusiasmo de sermos chamados por Jesus para levá-Lo a povos que vivem sem conhecer o Deus do amor e do perdão.

E hoje? Uma falta de identidade missionária atual poderia ser uma das razões pelas quais as revistas católicas estão enfrentando dificuldades agora. Junto com a "Il Regno", os padres dehonianos também decidiram descontinuar outra publicação, a "Settimana", revista mensal repleta de reflexões teológicas de alto nível, que era leitura obrigatória entre os sacerdotes, especialmente na Cúria vaticana.

Olhando para a frente, o fechamento da "Il Regno" levanta muitas questões: ainda há espaço para as informações de inspiração católica em um mundo saturado de mídia materialista e anticristã?

Encerramos reiterando nossos pedidos aos nossos leitores para que nos auxiliem, como puderem, na manutenção de nossa própria singelíssima publicação, que apesar das muitas dificuldades e de nossas limitações, já serviu como auxílio a muita gente. – Veja aqui como nos ajudar.

__
Ref.:
Artigo homônimo de Andrea Gagliarducci para a Catholic News Agency (CNA)
www.ofielcatolico.com.br

São Filipe Neri, o apóstolo da santa alegria


NO DIA 21 DE JULHO do ano do Se 2015 celebramos o quinto centenário de nascimento de um dos santos mais marcantes da história da Igreja: o grande São Filipe Neri, nascido a 21 de junho de 1515.

Os santos são modelos para nós. Pelo modelo de suas vidas, nos ensinam de modo concreto como servir a Deus e praticar a virtude. Que lição especial nos dá Filipe Neri? Esse amável Santo italiano nos ensina a “servir o Senhor com alegria” (Salmo 99,2). Por seu caráter jovial, foi chamado “santo da alegria” ou “o jogral de Deus”. Ele é o padroeiro da santa alegria. Assim, pode ser um poderoso intercessor quando estivermos acabrunhados com o peso da vida ou em nossos períodos de tristeza ou depressão, infelizmente tão frequentes nos dias difíceis que vivemos.

Filippo Romolo Neri, segundo filho de Francisco Neri e Lucrecia da Mosciano, nasceu na bela cidade de Florença, Toscana, Itália. O casal tinha já uma filha, Catarina, nascida dois anos antes, e teria, três anos depois, Elizabetta (ou Isabel). Outro filho, Antônio, morreria em tenra idade.

Filipe foi batizado na igreja São Pedro Gattolino no dia seguinte ao do seu nascimento. O pai, modesto tabelião, era um bom católico. Sua família havia sido nobilitada no serviço do Estado por ter exercido, durante gerações, funções de relevo na cidade.

Menino de apenas cinco anos, Filipe perdeu a mãe. Encontrou na madrasta, Alexandra de Michele Lensi, uma digna sucessora, que o amou como a um filho. Era criança tão amável que logo era chamado “Pippo Buono”, o “bom Filipinho”. Essa bondade de coração e amabilidade contagiantes, permeadas pela Graça divina, seriam no futuro o grande segredo das conquistas do seu apostolado.

Sua irmã Isabel, testemunha no processo de beatificação, diz: “Ele jamais deu desgosto a seu pai, nem fez algo pelo qual o repreendesse (exceto uma zanga feita uma vez à irmã). (...) Pacífico, jamais se zangou; alegre [ou ‘brincalhão’], máxime com a madrasta, manso e paciente” (Cistellini, p.19).

Filipe aprendeu as primeiras letras com um professor chamado Clemente, que lhe ensinou a ler, escrever, contar. Da primeira infância restam-nos dois episódios narrados por seus primeiros biógrafos. Pippo tinha por volta de oito anos quando, num dia em que queria silêncio para refletir, sua irmã o perturbava. Estavam eles no alto de uma escada. O menino não teve dúvidas: aplicou-lhe um empurrão, e ela rolou escada abaixo. O outro fato é visto como a primeira intervenção visível da Providência divina em sua vida: mais ou menos com a mesma idade, Filipe foi brincar num terreiro perto da casa. Vendo uma mula carregada de frutas, de algum vendedor, não hesitou: pulou-lhe no lombo para cavalgá-la. A besta, assustada, desequilibrou-se e caiu. Mula, carga e menino rolaram pelo chão, caindo num profundo porão. Quando os pais e vizinhos acorreram pensando encontrar o menino morto, viram-no ileso e rindo da aventura.

Filipe estudou depois no convento dominicano de São Marcos, de sua cidade natal. Mais tarde dirá que devia muito do seu progresso intelectual a dois professores daquele convento, Frei Zenóbio de Medici e Frei Servanzio Mini.


O comércio ou o divino

Aos 18 anos, Pippo foi enviado para a Vila São Germano, aos pés do Monte Cassino, para a casa do tio (primo-irmão do pai) Bartolomeu Romolo, para ser iniciado na carreira de comerciante. Ganhou a confiança e afeição do tio, mas, apesar de se empenhar no negócio, suas cogitações estavam muito acima das mercadorias com que lidava. Logo se viu que não tinha tino comercial. Apenas terminado o trabalho do dia, retirava-se para alguma igreja ou oratório, abundantes na Itália. Servia-se também do emprego para fazer apostolado, perguntando aos fregueses se sabiam rezar, ou se haviam feito a Páscoa. O tio dizia: “Filipe nunca será bom comerciante. Eu lhe deixaria toda a minha herança, se não fosse a mania de rezar”. Para Filipe, a “mania” era uma necessidade. “Nada ajuda mais o homem do que a oração”, diria mais tarde.

Um local para onde Filipe se retirava com frequência era uma capela de montanha dos Beneditinos de Monte Cassino, construída sobre a Baía de Gaeta, na fenda de uma rocha que, segundo uma tradição, fendera-se na hora da Morte de Nosso Senhor.


Na Cidade Eterna

Em 1534, com 20 anos incompletos, movido por um impulso sobrenatural, sem avisar seus pais ou qualquer parente, Filipe partiu para Roma como peregrino, na mais completa pobreza.

Na Cidade Eterna, procurou Galeotto Del Caccia, aristocrata seu conterrâneo, aduaneiro; em troca de aulas para seus dois filhos, passou a receber pousada e uma renda de farinha, que transformava em pão para seu sustento. Seu quarto na casa do aristocrata era um verdadeiro cubículo, com apenas um leito, uma mesinha e uma corda presa à parede para pendurar suas roupas.

Filipe destinava quase todo seu tempo livre à oração. Sua vida era tão pura e edificante que logo chamou atenção: começou a se espalhar a sua fama de santidade, – fama que chegou até Florença. – Quando falaram dele à sua irmã Isabel, ela disse: “Não me surpreende. Desde seus primeiros anos, vendo suas virtudes, eu podia já conjeturar que se tornaria um grande santo”.


Estudos

Depois de dois anos de vida reclusa, Filipe resolveu recomeçar seus estudos, cursando Filosofia no Estudo Geral dos agostinianos. – Alguns de seus mestres participaram ativamente no Concílio de Trento. – Cursou ainda Teologia na Universidade La Sapienza. Esses estudos foram de pouca duração. Explica seu discípulo, Cardeal César Barônio: “Toda a organização acadêmica do tempo, o sistema escolástico, era-lhe áspero: as disciplinas filosóficas eram para ele verdadeiras cadeias, das quais logo se decidiu livrar... Dir-se-á, em seguida, que o fato de abandonar o estudo se dera pelo quotidiano encontro, nas aulas, de um grande crucifixo, que o comovia às lágrimas” (Cistellini, pp. 27-8).

Algumas fontes mostram que, em 1538, quando julgou ter aprendido bastante, Filipe vendeu seus livros para socorrer os pobres. Assim ajudou um jovem sacerdote calabrês em dificuldades, Guilherme Sirleto, que depois seria cardeal. Todavia, embora não tenha mais estudado com regularidade, sempre que chamado a dar seu parecer, apesar da habitual reticência, surpreendia os eruditos pela profundidade e clareza de seus conhecimentos teológicos. De fato, “até seus últimos anos discutia as questões mais elevadas e sutis com tanta facilidade e erudição como os que consagram a vida ao estudo. Não se esqueceu mesmo das controvérsias mais importantes, e espantava ouvi-lo repetir com exatidão, os sentimentos dos doutos sobre tais questões, e os raciocínios nos quais se apoiavam”(Guérin, p.217). Despojando-se dos livros, Filipe manteve dois: a Suma Teológica e a Bíblia. Considerava Santo Tomás o teólogo por excelência, e sempre, nos debates, apoiava-se no Doutor Angélico.

Foi provavelmente durante o ano em que servia como tutor dos filhos de Caccia que Filipe escreveu a maior parte de suas poesias, em latim e italiano, que, infelizmente, não passaram à posteridade, pois Filipe, antes de morrer, queimou todos os seus escritos, restando apenas alguns sonetos. Isso explica o pouco que temos de material de seu próprio punho.


Cristo no próximo

Por dezessete anos Filipe viveu como leigo, sem pensar em tornar-se sacerdote. Tendo conseguido juntar um pequeno pecúlio para atender às suas parcas necessidades, entregou-se totalmente ao apostolado com os doentes e pobres, o que lhe valerá mais tarde o título “Apóstolo de Roma”. Passou a frequentar os hospitais da cidade, e se inscreveu na confraria de Santa Maria da Purificação para assistência dos enfermos no Hospital São Tiago dos Incuráveis. Mesmo leigo, em harmonia com a assistência material Filipe pregava a todos a Palavra divina. O Santo passou a fazer, ainda, a visitação das “sete igrejas” (S. Pedro, S. Paulo extra-muros, S. Sebastião, S. João de Latrão, S. Lourenço extra-muros, Sta. Maria Maior e Sta. Cruz de Jerusalém) antiga devoção popular que depois legou ao Oratório.


Filipe e Inácio

Por aquele tempo, Filipe frequentava a igreja Santa Maria da Estrada, dos primeiros jesuítas; assim conheceu Santo Inácio de Loyola. Consta que esse Santo quis Filipe entre os seus, para enviá-lo às Índias, mas este preferiu aguardar os desígnios de Deus. Entretanto, enviou muitos recrutas para a recém-fundada Companhia de Jesus. Santo Inácio dizia que Filipe era como um sino, que chama os demais para entrar (na igreja), ficando do lado de fora...



O Pentecostes de São Filipe Neri

No ano 1544, – no qual Filipe dizia que tivera início a sua “conversão”, – Filipe estava na Catacumba de São Sebastião rezando ao Espírito Santo, quando se deu o grande milagre que ele próprio narrou ao cardeal Federico Borromeu.

Pouco antes da Festa de Pentecostes daquele ano, após a aparição de São João Batista, “golpeou-o um ímpeto de ardor, uma irrupção do Espírito Santo que o fez cair por terra e marcou seu corpo” (Cistellini, pp.30-31). Sobre tal, afirmou Vittori, seu médico: “Dizia-me que, aos trinta anos, tinha grande fervor e pedia ao Espírito Santo que lhe desse um cúmulo de espírito; disse-me que lhe fora dado tanto que o lançou por terra. Ao se levantar, sentiu elevado o peito e uma contusão por dentro, a qual durou enquanto viveu” (Cistellini,p.31).

Seu biógrafo Pietro Giacomo Bacci descreve assim o que sucedeu: “Quando ele estava com o maior empenho pedindo os Dons do Espírito Santo, apareceu-lhe um globo de fogo que entrou por sua boca e se alojou em seu peito; em seguida, ele ficou tomado por tal fogo de amor que, incapaz de suportá-lo, atirou-se ao solo; como alguém que tenta se refrescar, despiu seu peito para de algum modo moderar a chama que sentia. Após permanecer assim por algum tempo e recuperar-se um pouco, levantou-se cheio de inusitada alegria, e imediatamente todo seu corpo começou a tremer violentamente; pondo a mão no peito, sentiu no lado do coração um inchaço grande como o punho de um homem; mas, nem então nem depois, isso provocou a mais leve dor ou ferida” (Ritchie, op.cit).

Quando, depois da morte, os médicos examinaram seu corpo, constataram que o coração estava dilatado e que, para que houvesse espaço suficiente em seu peito para mover-se, haviam se quebrado duas costelas, que tomaram a forma de arco. Um dos médicos que fez a autópsia, Andrea Cesalpino, declarou: “Percebi que as costelas estavam rompidas naquele ponto, isto é, separadas da cartilagem. Só dessa maneira era possível que o coração tivesse espaço suficiente para levantar e abaixar. Cheguei à conclusão de que se tratava de algo sobrenatural, de uma providência de Deus para que o coração, batendo tão fortemente como batia, não se ferisse contra as duras costelas”.



Devorado pelo fogo divino

A partir desse milagre, seu coração palpitava violentamente a cada ação espiritual que praticava. “Crescia esta palpitação (...) estando em oração, e às vezes 6 o fazia tremer, bem como a cadeira ou cama onde se achava, e até mesmo o aposento, como se fosse um terremoto. Sentia ele também, naquela parte, um calor tão excessivo que, por mais frio que fizesse, e sendo já muito velho, era obrigado a desabrigar o peito e, às vezes, sendo inverno, abrir as portas e janelas do aposento para compensar o fogo que se espalhava por todo seu corpo” (Ribadeneira, pp.332).


O berço do Oratório

Por volta de 1547, Filipe passou a frequentar a igreja da Arquiconfraria de São Jerônimo da Caridade. Ali vivia um grupo de sacerdotes seculares de vida exemplar, constituindo pequena comunidade. Cada um vivia livremente das próprias rendas, a serviço do templo e da Confraria, tendo mesa em comum. Não se obrigavam a votos. Foi este o berço do Oratório de São Filipe Neri.

Por sua boa fama, tal igreja passou a ser o ponto de referência para eclesiásticos chegados a Roma, entre os quais estarão alguns dos filhos mais queridos de Filipe. Foi ali que o Santo encontrou seu primeiro confessor (primeiro de que se têm notícia), padre Persiano Rosa, a quem se afeiçoou pelo ânimo alegre e espírito sereno. Nesse tempo Filipe começou suas conquistas entre seus jovens conterrâneos, aprendizes e empregados de banco. Sentia-se atraído especialmente a cuidar dos jovens. Para pô-los em guarda contra as seduções da idade e conservar o frescor da virtude, dizia-lhes que se lembrassem sempre das palavras do Profeta: “Bem-aventurado o homem que leva o jugo do Senhor desde a juventude”; e os exortava à mudança de vida. Sua voz e suas maneiras eram tão atratentes que muitos, cedendo ao seu exemplo e benigna influência, renunciavam às frivolidades do mundo e se entregavam totalmente a Deus. Consta que, numa só ocasião, converteu trinta jovens dissolutos.


Confraria da Santíssima Trindade

Em 1548 Filipe fundou, com Persiano Rosa, a Confraria da Santíssima Trindade. Sua finalidade era totalmente devocional, com preeminência ao culto eucarístico. Os confrades se reuniam na igreja de São Salvador in Campo para a Comunhão e exercícios de piedade. Aí o Santo introduziu pela primeira vez em Roma a exposição do Santíssimo Sacramento, na devoção das 40 Horas. Durante o ano jubilar de 1550, o Vicariato de Roma conferiu à Confraria uma nova e estável finalidade: a assistência aos peregrinos e convalescentes que, saindo do hospital, necessitavam ainda cuidados. Crescendo a associação, “as obras que os confrades exercitavam com os peregrinos e convalescentes causaram tanta edificação que muitos quiseram imitá-los, vindo pessoas de grande qualidade e prelados eclesiásticos servir aos pobres; até o papa Clemente VIII vinha lavar-lhes os pés, abençoando-lhes muitas vezes a mesa, e servindo-lhes nela” (Ribadeneira, p.333).

Não contente com a visita a hospitais, Filipe se punha também a percorrer ruas e praças, falando às pessoas sobre a religião e as coisas de Deus, de maneira comovedora e cativante. A um perguntava: “Então, meu irmão, quando é que começamos a amar a Deus?”; a outro: “É hoje que nos decidimos nos comportar bem?” Era, sobretudo, um semeador da santa alegria dos filhos de Deus.


Costumes angélicos

Como um ímã, Filipe continuava a atrair gente para seu grupo. Era todo fervor e alegria; entretinha o crescente núcleo de discípulos com fervorosos sermões. Atingia o auge da maturidade, sendo assim descrito por um conterrâneo: “Era de belíssimas feições (...) e sempre foi tido como de grande bondade e de costumes angélicos”. Sua natureza “sempre alegre e prazenteira”, seu rosto “alegre e jovial”, sua “hilaridade” (atributo que se nomeia com frequência) concorrem até agora para explicar o fascínio que vai exercendo, e sua crescente popularidade” (Cistellini, pp.36-37).

Seus discípulos o admiravam profundamente e testemunharam: “Com todos se familiarizava: crianças, grandes, medianos, mulheres, senhores, cardeais, prelados. Todas as pessoas que falavam com o Padre uma vez, regressavam, e não podiam se separar dele” (Cistellini, p.73). O Cardeal Panfili afirma: “Era afável, agradável e carinhoso com todos, de modo que, com grandíssima facilidade e alegria, atraía para o caminho de Deus qualquer pessoa que com ele tratasse, e eram raros os que escapavam de suas mãos” (idem).



Amor à Eucaristia e à Santíssima Virgem

Outra nota marcante na vida de Filipe Neri foi o amor pela Eucaristia. Era tão grande seu fervor que, em vez de se concentrar na celebração da Missa, tinha que procurar deliberadamente uma distração, para ser capaz de prestar atenção no rito externo do Sacrifício.

“Deus o gratificou com extraordinários carismas: êxtases, levitações (especialmente durante a Celebração eucarística), discernimento dos espíritos, predições, intuição das profundidades do
coração, intervenções prodigiosas para os enfermos” (Cistellini, p.66).

Também “junto com o culto eucarístico, na experiência e na direção, tem notória relevância a devoção à Virgem, que Filipe recomenda como elemento indispensável no progresso da virtude. Sua experiência (...) de uma devoção mariana terna, afetiva, quase infantil, o leva a sugerir aos seus uma singela e compendiada jaculatória repetida como um rosário: ‘Virgem Maria, Mãe de Deus, roga a Jesus por mim’”(Cistellini, p.122-123).


Sacerdote para a Eternidade

Quando Filipe tinha 36 anos, o Pe. Rosa ordenou-lhe, em nome de Deus, que se ordenasse sacerdote. Somente assim, depois de mais estudos, foi-lhe conferido o sacerdócio, a 29 de maio de 1551.

Como sacerdote, o Santo dedicou-se especialmente ao confessionário, onde passava grande parte do dia. “Dedicou-se ao exercício da confissão, no qual consumiu o resto de seus dias”, dirá um de seus discípulos. “O título ideal, que o qualificará para sempre, será o de confessor, conselheiro, guia e mestre das almas” (Cistellini, p.40). Muitos de seus penitentes, levados pelo desejo de recolher a doutrina do pai espiritual, passaram a visitá-lo diariamente. “Pouco a pouco os discípulos se tornaram tão numerosos que foi preciso se reunirem numa igreja; por fim, a concorrência
cresceu tanto que foi necessário distribuir grupos, à frente dos quais o mestre punha seus discípulos mais capazes. Assim nasceu o instituto do Oratório, sem mais regras que os cânones, sem mais
votos que os compromissos do batismo e da ordenação, sem mais vínculos que a caridade”(Urbel, p.457).

O número de seguidores crescia. Um sapateiro, um miniaturista, um notário, outros que convertera quando leigo... As reuniões com o grupo eram informais. “No princípio, liam-se páginas
edificantes e interessantes, de fácil compreensão; seguia-se um comentário do Padre. (...) Alguém tomava a palavra, dialogava-se e se continuava discorrendo durante longo período, sem um programa determinado” (Cistellini, p.42).

Entre seus discípulos estavam Francisco Maria Tarugi, nobre de Montepulciano aparentado com o Papa, depois Arcebispo de Avinhão e cardeal; o célebre historiador da Igreja Cesar Barônio,
doutor em leis, admitido ao grupo em 1557 e que seria dos primeiros a receber o sacerdócio, e depois o sucessor de Filipe na direção do Oratório, e que também se tornou cardeal.


O sonho das Índias

Ouvindo contar as maravilhas operadas por São Francisco Xavier na Índia, e de outros missionários no Novo Mundo, Filipe e seus discípulos pensavam muito em ir também ao Oriente. Entretanto,
querendo conhecer a Vontade de Deus, São Filipe procurou outro Santo: Agostinho Ghettini, religioso cisterciense, seu conterrâneo muito favorecido por Deus, pedindo-lhe que consultasse o Senhor sobre esse seu projeto. A resposta divina foi: “Filipe não deve buscar as Índias, mas Roma, onde o destina Deus, assim como a seus filhos, para salvar almas”. Mais tarde, Filipe diria aos discípulos: “Quem faz o bem em Roma, o faz a todo o mundo”.


Os fidelíssimos padres da Congregação do Oratório de São Paulo, a única em
atividade no Brasil atualmente. Sentados, a partir da esquerda na imagem,
Padre. Fabiano Micali, Padre Paulo Sampaio Sandes e Ir. Danilo

A singular Congregação

O Oratório surgiu, como vimos, muito modestamente. Sua denominação veio da extensão da palavra, que no princípio se referia a um pequeno edifício, a um sinônimo de confraria. “Foi desde
o princípio uma experiência de agrupamento totalmente singular, nem sequer poderia chamar-se de associação, porque era de participação livre, sem estatutos e elenco de inscritos; uma acolhida
espontânea, regulamentando-se necessariamente na prática”.

“Ao longo de todo o processo de restauração que se construía na Igreja [no século XVI], o aporte de Filipe foi, sem dúvida, o de modelar e propor – com sua esplêndida vida e através de
sua restringida família presbiterial – a singela figura do sacerdote secular, em sua expressão original e genuína”.

“Exatamente por suas características singulares, esta família sacerdotal é absolutamente um unicum na Igreja: não existem instituições, entre inumeráveis, afins a esta. Afirmava-o com autoridade o primeiro sucessor de São Filipe, o padre (depois cardeal) César Barônio, apresentando o texto das Constituições revistas por ele. A Igreja, recordava ele, é a rainha das vestes de jaspe celebrada pelo salmo Circumdata Varietate (Sl 44). A Congregação do Oratório se preza por representar, em sua humilde particularidade, um dos tantos vestidos reais da santa Igreja de Cristo” (Cistellini, p.42).

“O exercício quotidiano da palavra de Deus ‘de modo fácil, familiar, frutífero’ representava a essência particular do Oratório... Neste sistema oratoriano não há nada de escolástico, de retórico, de difícil compreensão: falar ao coração era o método: ‘exortações e fervores mais afetivos que intelectuais’ eram os assim chamados ‘arrazoados’. Filipe não quis jamais que o oratório ‘entrasse
em coisas escolásticas’, para as quais não faltavam escolas ou cátedras em Roma” (Cistellini, p.53).

Em 1564 Filipe também ficou encarregado da igreja de São João dos Florentinos, para lá mandando alguns de seus discípulos. E, em 1575, o papa Gregório XIII concede ao querido filho Filipe Neri, sacerdote florentino e preposto de alguns sacerdotes e clérigos, a igreja de Santa Maria in Vallicella, dedicada à Natividade de Maria (bula Copiosus in Misericordia). Esta bula “ficará como o documento solene de fundação da sociedade oratoriana. A agrupação designada expressamente com esta locução pela bula de Oratorio Nuncupandam, define a congregação por antonomásia:
‘Congregação do Oratório’... Nas Constituições aprovadas pelo papa Paulo V em 1612, o Pontífice declara expressamente que tal convivência presbiterial (mais tarde se agregarão irmãos leigos), ‘instituída por divina inspiração pelo santo Padre Filipe’, estava cimentada só pelo vínculo da caridade, fora de todo vínculo por voto, juramento ou promessa, e assim devesse perseverar na igreja santa ‘de vestiduras variadas’ (Sl 44)” (Cistellini, pp.142-143).


História, apologética e música

Para combater o protestantismo, São Filipe encarregou o discípulo César Barônio de escrever uma verdadeira e documentada História da Igreja, refutando as falsas versões dos heréticos.

O futuro Cardeal levou trinta anos para produzir os seus monumentais Annales Ecclesiatici, que se tornaram paradigma de historiografia católica e mereceram ao seu autor o título de Pai da História Eclesiástica.

Também a música tinha papel importante no apostolado de São Filipe. Ele introduziu, entre os sermões e no final, o cântico de motetes latinos e italianos. E, como ao Oratório acorreram muitos com talento musical, a música ficou nele incorporada como parte importante de sua espiritualidade.

São Filipe era o “Santo da Alegria” mas nunca olvidou sua dignidade e responsabilidade. Exigia dos membros e hóspedes do nascente Oratório obediência total, sob pena de expulsão. Ao morrer, deixou um documento no qual fazia severo juízo sobre vários membros da Congregação, não os querendo como sucessores. Chegou a denunciar ao Santo Ofício como herege a um dos seus mais antigos discípulos. Este, mantido na prisão por um ano, foi depois absolvido. Entretanto Filipe não quis recebê-lo de volta na comunidade, apesar das súplicas de autorizados intercessores.


São Filipe e o Papa

Apesar de ardoroso defensor do Papado, houve um momento em que Filipe discordou do Soberano Pontífice. Foi quando se tratou de aceitar a conversão, e consequente habilitação, do uguenote, futuro Henrique IV, para o trono da França. “Clemente VIII mostrou-se indeciso e vacilante. Filipe mostrou-se desde o primeiro momento partidário da reconciliação, e aconselhou ao Papa nesse sentido, mas sem lograr dele uma decisão eficaz. Filipe atuou através de Barônio, confessor do Papa. Deu-lhe instruções no sentido de que, inclusive, lhe negasse absolvição enquanto não aceitasse um conselho reconciliatório. Barônio triunfou nesta empresa tão delicada. A França contará mais adiante a Filipe entre seus santos protetores”.


A máscara mortuária de São Filipe Neri,
que preservou para a posteridade os
contornos da face do grande Santo

Calúnias e incompreensões

Como todos os santos, Filipe enfrentou muitas calúnias. O próprio Cardeal-Vigário de Roma, levado por algum preconceito e pelos rumores de que o santo mantinha assembleias perigosas e semeava novidades entre o povo, chegou a repreendê-lo severamente, retirando-lhe a licença para atender confissões durante quinze dias. Mas, tendo o purpurado adoecido repentinamente,
o papa Paulo IV, chamado a julgar o caso, não só absolveu como recomendou-se às orações de Filipe.

O “Santo da Alegria” entregou sua alma a Deus em 26 de maio de 1595, sendo canonizado apenas 27 anos depois, juntamente com Santo Isidoro Lavrador, Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e Santa Teresa de Ávila.


Por Plínio Mario Solineo (revista ‘Catolicismo’) e Henrique Sebastião
para o informativo 'A Voz do Oratório' dos padres da Congregação do Oratório

____
Fontes:
• CISTELINI, Antonio, San Filippo Neri: Breve storia di una grande vita. Torino: San Paolo, 2014
• RIBADENEIRA, Pedro de. Flos Sanctorum, in D. Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro, Barcelona: L. González y Compañia, tomo II, 1896, p. 332.
• GUÉRIN, Paul. L’Oratoire de Rome: la vie, les vertus et l’esprit de saint Philippe
de Néri, son fondateur. Paris: L. de P. Frères, 1852
• RITCHIE, Charles Sebastian, Philip Néri, The Catholic Encyclopedia, ed online
• URBEL, Justo Perez, O.S.B., Año Cristiano, Madri: Ed. Fax, 1945, vol. II, p. 457

www.ofielcatolico.com.br
Subir