Possessão demoníaca?

O RELATO ABAIXO É um testemunho compartilhado pelo revmo. padre Ricardo de Barros Marques, sacerdote exemplar e um querido incentivador do nosso apostolado. Assim como ele achou conveniente publicá-lo, também nós, já que o seu testemunho pode servir como um alerta para os nossos tempos, em que o demônio, furioso, anda muito ativo em nosso mundo e tem recebido grande poder.


São Francisco de Borja procede um exorcismo


A semana inteira li um livro de um padre do século XVIII sobre “discernimento do espírito”, baseado nos exercícios de Santo Inácio de Loyola. Achei exagerado como o autor falava do demônio. Pensei várias vezes: “que exagero, tudo é o demônio! Tudo!”. Cheguei a postar no facebook algo falando das ilusões que o demônio causa nas pessoas. Mas sempre achando exagerado o que o autor escreveu.

Hoje, domingo, na minha terceira missa, aconteceu algo impressionante. O que foi? Eu não sei, contudo relato aqui para vocês.

A celebração ocorreu em paz. Piedosamente em paz. Um casal de namorados estava sentado nos fundos da igreja. Dei a bênção final. Daí começamos a cantar a “Salve Regina”, como fazemos em todos os domingos na missa do meio-dia. Amigos, a jovem namorada, que estava nos fundos da igreja, começou a gritar “Maria não!!!!” e “Maria é puta!”. A jovem começou a querer jogar as cadeiras, e oito ou mais homens tentaram conte-la. A igreja inteira começou a rezar em voz alta a Ave Maria. Quanto mais se rezava mais a jovem se debatia e dizia que Maria é “puta”.

Fui pra sacristia, tirei a casula, mas não a túnica nem a estola e o cíngulo. Pedi que trouxessem a jovem até minha sala e pedi a água benta.

Oito homens levaram aquela pobre moça pra minha sala. Colocaram-na no chão segurada por seis pessoas. Ela gritava, tinha o rosto vermelho e os olhos virados. A sala estava cheia de gente. Umas mulheres choravam. Comecei a rezar e jogar água benta. A jovem gritava as mesmas frases que gritou no final da missa. Invoquei São Miguel Arcanjo. A jovem começou a gritar mais e parecia que seis homens não tinham mais força para segura-la. Ela tentou me morder duas ou três vezes. Cuspiu em mim várias vezes. Várias.

Num determinado momento a jovem que dizia que não deixaria ninguém em paz disse que já estava “boa”, em “paz”. Ela estava sossegada, se tivesse estado sozinha comigo na sala teria quebrado tudo. Então eu pedi que ela rezasse sozinha a Ave Maria. Quando fiz esse pedido a jovem se transformou de novo. Foi preciso que três homens sentassem em cima de suas pernas. Novamente começou uma chuva de cusparadas. O rosto de todos ali era de tremenda impressão. Começamos a rezar incessantemente a Ave Maria e eu a jogar mais água benta. O clima era tenso, mas me mantive calmo. Do nada, a jovem se recobra, acalma-se e levanta-se. Era ela, a jovem do início da missa. Ela disse que há quatro meses sofre disso.

Não sei o que foi. Sei que todos estamos impressionados. Durante o almoço, no restaurante, um menininho deu um grito e eu me assustei, parecia que todo o “horror” estava recomeçando.

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Evágrio Pôntico: uma brevíssima apresentação

O artigo abaixo é uma resenha do prof. Igor Andrade  (Fraternidade Laical São Prósperodo curso do Prof. Dr. Joel Gracioso (ibidem) sobre Evágrio Pôntico e as "Oito Doenças Espirituais". 



EVÁGRIO PÔNTICO ou Evágrio do Ponto foi um monge nascido por volta do ano 345, natural da Capadócia, Ibora, no Ponto. Passou dezesseis anos de sua vida no deserto do Egito, como anacoreta[1]. Foi discípulo e amigo de São Gregório Nazianzeno, o que lhe pôs em contato com a tradição filosófica. Evágrio conheceu bem cedo os Três Capadócios: São Basílio, São Gregório de Nissa e São Gregório de Nazianzo, sendo ordenado diácono por este último. Morreu por volta de 397, deixando inúmeras obras sobre a oração e a vida monástica e ascética.

    Evágrio Pôntico é um dos grandes autores da Tradição Cristã cuja importância e contribuição se foram perdendo de vista. Para conhecer sua influência e importância, é preciso conhecer o contexto no qual se encontra o mesmo autor; em seguida analisar os conteúdos propriamente ditos, a começar pela antropologia evagriana.


São Gregório Nazianzo, São Basílio e São Gregório de Nissa

    O modo que Evágrio Pôntico tem de ver o ser humano deriva do seu modo de ver o mundo e a Criação. Esta última é pensada pelo autor como feita em duas etapas: a criação primeira – onde Deus teria feito os entes racionais – que não deve ser entendida como anterior cronologicamente, mas ontologicamente, isto é: os entes constituídos na existência mais perfeitamente (em um grau hierarquicamente superior) são os primeiros; a segunda é quando os intelectos puros usaram mal seu livre arbítrio e decaíram – aí entra o problema da alma racional, que é uma alma (portanto, ligada a um corpo) cuja racionalidade não está ligada a um intelecto puro, mas a um decaído (que não está na condição primeira, de pureza).

    Fundamentado na tradição grega da “tripartição da alma”, Evágrio diz que Deus dispôs, na alma racional, três partes – uma parte sublime (racional) e duas partes inferiores (irascível e concupiscível).

    Assim, no dia a dia, o ser humano tem uma alma ligada a um corpo, mas é chamado a buscar aquela unidade originária, o que implica buscar uma saúde não só do corpo, mas da alma.

    Daí parte para a vida prática, que não consiste, necessariamente, em uma vida ativa exterior que se contrapõe à vida contemplativa, mas por “prática” ele entende um método espiritual que purifica a parte apaixonada da alma, porque esta parte (se não for purificada) desestabiliza a unidade da alma e a tira do rumo certo.

    As paixões são o caminho para a tentação, e quando não somos tentados pela presença de alguma coisa, somos tentados pela sua lembrança – que não é somente resultado de uma capacidade natural, mas também é investida demoníaca. Ressaltamos, porém, que Evágrio não propõe em momento algum a supressão das dimensões irascível e concupiscível, porque essas dimensões, quando bem ordenadas (isto é, submetidas à razão), são frutuosas.

    Sem sombra de dúvidas, àqueles que se propuserem a aprender com os ensinamentos de tão grandioso Padre da Igreja, muitos frutos espirituais aguardam colhimento nesta vida – e, com certeza, na outra.

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1. Os anacoretas eram monges ou eremitas que assumiram com radicalidade a pobreza evangélica, vivendo retirados e/ou enclausurados, dedicando-se à oração contínua e à produção de obras catequéticas e litúrgicas. Buscavam incessantemente o estado de graça e a pureza da alma por meio da Contemplação.


Protagonista de A Paixão de Cristo: 'Precisamos de católicos guerreiros que levem a fé ao mundo'


SEGUNDO A AGÊNCIA ACI Digital (8/1/2018), Jim Caviezel, ator que interpretou Jesus Cristo no filme "A Paixão de Cristo", sob uma direção inspiradíssima de Mel Gibson, declarou publicamente que, nestes nossos tempos, necessita-se de "católicos guerreiros" e que se arrisquem para levar a fé ao mundo.



Foi o que indicou, no dia 3 de janeiro, em um evento promovido pela missão FOCUS (Fellowship of Catholic University Students) que reuniu jovens universitários católicos em Chicago, Estados Unidos. Aos cerca de 8 mil estudantes reunidos, Caviezel disse que “alguns de nós agora, vocês os conhecem, abraçam um falso cristianismo, no qual tudo é felicidade, (mas) há muita dor e sofrimento antes da ressurreição”.

“Seu caminho” – continuou o ator – “não será diferente. Assim, abracem sua cruz e corram para sua meta. Quero que saiam por este mundo pagão e tenham a coragem de expressar lá, sem vergonha, sua fé em público”.

O protagonista de A Paixão de Cristo sublinhou ainda que “o mundo necessita de guerreiros orgulhosos, animados por sua fé. Guerreiros como São Paulo ou São Lucas, que arriscaram seus nomes, suas reputações, para levar ao mundo sua fé e seu amor por Jesus”.

Deus está chamando cada um de nós – cada um de vocês –a fazer coisas grandes. Mas, primeiro, devem assumir o compromisso de rezar, ajudar, meditar as Sagradas Escrituras e receber seriamente os santos Sacramentos.

Mais além, disse o ator disse que deseja que os jovens sejam livres, “que possam se libertar de suas fragilidades e da escravidão do pecado. Essa é a liberdade pela qual vale a pena morrer (...). Cada um de nós deve carregar sua própria cruz. Esse é o preço de nossa liberdade”, assegurou.

Caviezel compartilhou com os jovens que sentiu o desejo de ser ator aos 19 anos. Ao recordar que um de seus primeiros papéis principais foi o de Edmond Dante, na filmagem do clássico romance "O Conde de Monte Cristo", um homem que é preso injustamente, o ator ressaltou que “Deus nos ama a cada um pessoalmente. Está ali para nós, também nos momentos de desesperança”. Pouco depois, prosseguiu, “Mel Gibson me chamou, queria que eu fizesse o papel de Jesus Cristo, aos 33 anos. Era uma coincidência? Acredito que não. Tua vida é uma coincidência? Acho que não”.

Em seguida, narrou que o papel de Nosso Senhor Jesus significou sofrimento físico concreto: ele deslocou o ombro na cruz, sofreu um corte real de 35 cm nas costas foi atingido por um raio quando estava nela (saiba mais) e teve que passar por uma operação do coração depois de cinco meses de sofrer uma hipotermia. Tudo isso, disse, considerou como “uma penitência pessoal”.

Quando estive na cruz, compreendi que o seu sofrimento foi a nossa redenção. Lembrem-se que nenhum servo é maior do que o Mestre. 

Caviezel há alguns anos disse que ter interpretado Cristo teria arruinado sua carreira, porque a partir dali as portas de Hollywood, cada vez mais materialista e avessa aos valores cristãos, “foram-se fechando, uma atrás da outra”, para ele: “Fui rechaçado por muitos em minha própria indústria, mas não me arrependo; (...) essa experiência (ter interpretado Jesus Cristo) me jogou nos braços de Deus”. Assim, o ator ressaltou em seu discurso aos jovens, que, em nossos tempos, “alguns de vocês podem se sentir miseráveis agora, confusos, com dúvidas sobre o futuro. Este não é o momento para retroceder nem para se render”.

Para chegar a Deus, temos que viver tendo o Espírito Santo como Escudo e Cristo como sua Espada. Que assim possam se unir a São Miguel e todos os anjos para mandar Lúcifer e seu bando diretamente para o inferno ao qual pertencem!


O vídeo com o pronunciamento do ator

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Fonte:

ACI Digital, em:

http://www.acidigital.com/noticias/protagonista-de-a-paixao-de-cristo-precisamos-de-guerreiros-que-levem-a-fe-ao-mundo-41697/
Acesso 10/1/018


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Heresia é retirada da nova edição do livro 'Aparecida', de Rodrigo Alvarez


HÁ MAIS DE TRÊS anos, publicamos um alerta (veja aqui) quanto a uma heresia contida no best seller do jornalista Rodrigo Alvarez, intitulado “Aparecida – a biografia da Santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil” (Globo, 2014). À época do lançamento, este livro foi amplamente divulgado na grande mídia, e promovido também em ambientes católicos.

    O problema ainda maior, de fato, não estava no erro doutrinal fundamental contido no livro, já que não se trata de uma obra catequética ou teológica, mas sim no fato de o autor apresentar este erro – esta grave heresia –, como se fosse um "dogma católico", aprovado e reconhecido pelo Vaticano.

    Em meados do ano passado (2017), houve um relançamento do mesmo livro "em edição revista e ampliada", e eu pude constatar que o mesmo e gritante absurdo continuava constando, à sua página 81, capítulo 10 ('Maria da Conceição'). Reproduzo abaixo o trecho em questão:


Clique sobre a imagem para vê-la ampliada

    O texto destacado na imagem, em amarelo, diz:
...um dogma que o Vaticano só reconheceria em definitivo mais de duzentos anos depois: a Imaculada Conceição de Maria, a suposição de que a mãe de Jesus teria sido concebida por um desejo divino, sem que sua mãe tivesse relações sexuais com seu pai.

    Sim, um tremendo absurdo teológico; uma informação completamente falsa e, insisto, para os católicos, herética. Se o jornalista não tinha conhecimento a respeito do dogma, deveria silenciar ou, melhor, procurar informar-se corretamente. O dogma da Imaculada Conceição diz algo bem diferente, que já vimos por aqui:

A Santíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, foi, por singular Graça e Privilégio de Deus Onipotente, em previsão dos Méritos de Cristo Jesus, Salvador do gênero humano, preservada imune de toda mancha de culpa original (...) (veja o texto integral).

    Antes de publicar o artigo, eu havia já tentado contato com o autor e enviado mensagens para a editora Globo, por diversas vias, sem obter resposta alguma. Depois de insistir por duas vezes e aguardar algumas semanas por um retorno, resolvi tornar público o erro contido na obra e também mandei alertas a autoridades da Igreja no  Rio e em São Paulo, pedindo que fossem tomadas providências, como a publicação de uma nota pública de esclarecimento ao povo católico, já que o livro alcançou grande sucesso e certamente desinformou muita gente a respeito da verdadeira fé da Igreja.

    Como esse tipo de coisa costuma demorar muito a acontecer, aguardávamos ainda uma resposta, quando tomei conhecimento de que foi lançada uma terceira edição do mesmo livro, desta vez pela Leya. Nesta nova versão, finalmente (Deo gratias!), o disparate foi corrigido. No lugar da afirmação herética, o que se lê agora é:



...um dogma que o Vaticano só reconheceria em definitivo mais de duzentos anos depois: a Imaculada Conceição de Maria, a suposição de que desde o primeiro instante de sua existência, a filha de Ana e Joaquim foi preservada de qualquer pecado, porque já estaria tomada pela graça divina.

    Muito bem. A heresia foi removida. Eu e membros de nossa fraternidade pesquisamos muito, e nada encontramos a respeito deste assunto em nenhuma outra fonte. Tudo leva a crer, portanto, que foi por meio de nossa ação que a correção finalmente aconteceu. Ficamos felizes em saber que, mais uma vez, recebemos a imerecida graça de colaborar para que venha a existir um bem (a disseminação da autêntica Sã Doutrina cristã e católica) onde antes havia uma informação falsa.

    Nossa satisfação, todavia, não é completa, já que não há, nesta nova edição, a necessária, justa e honesta errata pelas impressões anteriores; não há nenhuma nota, nenhum esclarecimento quanto ao erro –, insisto, gravíssimo –, contido nas edições anteriores, que tiveram tão grande alcance. O autor se limita a dizer, numa introdução, que os comentários que recebeu após a publicação do livro fizeram com que ele notasse "algum detalhe(sic) novo, ou uma visão diferente da que eu tinha, e me fazendo conhecer Aparecida ainda mais profundamente". Diz ainda que "essa troca me fez ir aos poucos incorporando detalhes, fatos e percepções a esta biografia (...)".

    O que diz, basicamente, é que novos "detalhes", que ele conheceu somente após a primeira edição, o levaram a "conhecer Aparecida ainda mais profundamente"... 

    Perdoe-me, Rodrigo, mas preciso dizer, com todo o respeito, que na realidade os seus conhecimentos sobre Nossa Senhora eram bastante superficiais, para ter publicado tão grande bobagem em forma de livro e, ainda pior, afirmando que tal era dogma da Igreja. Além disso, ignorar solenemente os avisos de quem queria simplesmente alertá-lo não me parece a atitude de um humilde buscador da verdade, que é como você costuma se apresentar. Em todo caso, parabéns por ter corrigido o erro, ainda que tardia e insuficientemente.

Prefácio de Bento XVI para 'A Força do Silêncio'

Nota: "A Força do Silêncio" é um livro do Cardeal Robert Sarah, que tenta nos mostrar quão importante é o silêncio, principalmente para a vida espiritual e ainda mais nos tempos atuais, em que vivemos em uma verdadeira "ditadura do barulho". Abaixo, reproduzimos o belo prefácio que Bento XVI fez para a obra.
DESDE QUANDO, NOS ANOS de 1950, pela primeira vez eu li as cartas de Santo Inácio de Antioquia, ficou-me especialmente gravada uma passagem de sua Carta aos Efésios:

É melhor permanecer em silêncio e ser do que falar e não ser. É belo ensinar quando se faz o que se diz. Um só é o Mestre que disse e fez, e o que Ele fez, permanecendo em silêncio, é digno do Pai. Quem realmente possui a palavra de Jesus pode ouvir também o seu silêncio, de modo a ser perfeito, de modo a agir por sua palavra e ser conhecido por sua permanência no silêncio.”
(15,1s)

O que significa "ouvir o silêncio" de Jesus e reconhecê-lo por seu silêncio? Sabemos, pelos Evangelhos, que Jesus costumava passar as noites a orar a sós, "sobre o monte", em diálogo com o Pai. Sabemos que o seu falar, que a sua palavra provém da permanência no silêncio e que só no silêncio poderia amadurecer. É revelador, portanto, o fato de que a sua palavra só possa ser compreendida de modo justo quando se adentra também em seu silêncio; só se aprende a escutá-la a partir dessa sua permanência no silêncio.

É claro que, para interpretar as palavras de Jesus, é necessária uma competência histórica que nos ensine a compreender o tempo e a linguagem da época. Mas isso por si só não basta para colher verdadeiramente, em toda a sua profundidade, a mensagem do Senhor. Quem lê os comentários aos Evangelhos, cada vez mais volumosos, que são feitos atualmente fica desapontado no final. Aprende muitas coisas úteis sobre o passado e defronta-se com muitas hipóteses que, no final, em nada favorecem a compreensão do texto.

No final, tem-se a sensação de que aquele excesso de palavras falta alguma coisa essencial: entrar no silêncio de Jesus, silêncio do qual nasce a sua palavra. Se não conseguirmos entrar nesse silêncio, sempre ouviremos a palavra de modo superficial e assim não a compreenderemos verdadeiramente. Todos esses pensamentos atravessaram-me de novo a alma ao ler o novo livro do cardeal Robert Sarah, que nos ensina o silêncio: permanecer em silêncio com Jesus, o verdadeiro silêncio interior.

Ao nos propor justamente isso, ele também nos ajuda a compreender de um modo novo a palavra do Senhor. Naturalmente, ele fala pouco ou nada de si, mas mesmo assim nos permite entrever algo da sua vida interior. Quando Nicolas Diat lhe pergunta: "Ao longo da sua vida, o senhor se deu conta algumas vezes de que as palavras foram se tornando demasiadamente inoportunas, pesadas e ruidosas?". Ele responde: "Em minhas orações e em minha vida interior, sempre senti a necessidade de um silêncio mais profundo e completo [...].

Os dias de solidão, de silêncio e de jejum absoluto foram um grande alento, uma graça incrível, uma lenta purificação e um encontro pessoal com Deus [...]. Os dias de solidão, de silêncio e jejum, alimentado apenas pela Palavra de Deus, permitem ao homem estabelecer sua vida sobre o essencial" (Pensamento 134). Nessas linhas revela-se a fonte de vida do cardeal, fonte que confere à sua palavra uma profundidade interior. Essa é a base que lhe permite reconhecer os perigos que continuamente ameaçam a vida espiritual, especialmente a de padres e bispos, ameaçando assim a própria Igreja, na qual, com não pouca frequência, em lugar da Palavra introduz-se uma verbosidade em que se dissolve a grandeza da Palavra.

Gostaria de citar uma frase que pode servir de começo para o exame de consciência de qualquer bispo: "Pode suceder que um sacerdote bom e piedoso, uma vez elevado à dignidade episcopal, descambe rapidamente na mediocridade e no desejo de ser bem-sucedido nos negócios mundanos. Sobrecarregado pelo peso de seus encargos, agitado pela vontade de agradar, preocupado com seu poder, autoridade e as necessidades materiais de seu ofício, gradualmente ele se esgota" (Pensamento 15). O cardeal Sarah é um mestre espiritual que fala a partir da sua profunda permanência silenciosa junto ao Senhor, fala a partir da sua profunda unidade com Ele, e, assim, tem realmente algo a dizer a cada um de nós.

 Devemos ser gratos ao papa Francisco por ter posto tal mestre espiritual à frente da Congregação que é responsável pela celebração da liturgia na Igreja. Na liturgia, como na interpretação da Sagrada Escritura, também é necessária uma competência específica. No entanto, também na liturgia pode acontecer que o conhecimento especializado acabe por ignorar o essencial, caso não se fundamente numa profunda unidade interior com a Igreja orante, que aprende sempre de novo, com o próprio Senhor, o que é a adoração. Com o cardeal Sarah, um mestre de silêncio e de oração interior, a liturgia está em boas mãos. Bento XVI, Papa Emérito Cidade do Vaticano, Semana da Páscoa de 2017.

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Bento XVI e a Comunhão na língua, de joelhos

[Nota do editor: essa postagem tem por objetivo incentivar os fiéis católicos a realizarem cada vez mais comunhões dignas e permeadas de autêntica adoração. É, claro, de nosso conhecimento, que a administração da Comunhão na mão é aceita pela Igreja, ainda que esse não seja o modo ideal de se receber a Nosso Senhor.]



EM 2010, SENDO BENTO XVI o Papa reinante, o Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice emitiu um documento no qual defende a Comunhão seja recebida sempre de joelhos e na boca. Elencamos, a seguir, algumas das partes mais relevantes desse texto. 

Desde o tempo dos Padres da Igreja, existiu uma tendência que foi sendo consolidada: a preferência de distribuir a Sagrada Comunhão na língua ao invés de distribui-la na mão. São duas as motivações para esta prática: 

1) para evitar, tanto quanto possível, que partículas Eucarísticas possam perder-se (por ex: ficarem na mão depois de comungar, e até mesmo caírem no chão); 

2) aumentar a devoção entre os fiéis na Presença Real de Nosso Senhor no Sacramento da Eucaristia. 

Sto. Tomás de Aquino também se refere à prática de receber a Sagrada Comunhão apenas na língua. Ele afirma que tocar no Corpo do Senhor é próprio, apenas, para o sacerdote ordenado. Portanto, por vários motivos, entre os quais o Doutor Angélico cita o respeito pelo sacramento, escreve: 
...como forma de reverência para com este Sacramento, nada o toque, apenas o que é consagrado (o sacerdote), uma vez que o corpo e o cálice são consagrados, também as mãos do sacerdote (o foram) para que tocasse nesse Sacramento. Por isso, não é lícito a ninguém tocá-lo, excepto por necessidade, por exemplo, se fosse cair sobre o chão, ou então em algum outro caso de urgência."
(Summa Theologiae, III, 82, 3) 

Ao longo dos séculos, o momento da Santa Comunhão sempre foi marcado com sacralidade e profundo respeito, esforçando-se os bispos para constantemente desenvolver os melhores sinais externos que poderiam promover a compreensão deste grande Mistério sacramental.

Na sua solicitude amorosa e pastoral, a Igreja tem a certeza de que os fiéis recebem a Santa Comunhão tendo no seu interior corretas disposições, entre as quais se destacam a disposição e a necessidade de compreenderem a Presença Real d'Aquele que estão para receber. (vide Catecismo do Papa Pio X, nn. 628 e 636).

A Igreja no Ocidente estabeleceu o ato de ajoelhar-se como um dos sinais de devoção adequado para os que vão comungar. Um ditado célebre de Sto. Agostinho, citado pelo Papa Bento XVI no n. 66 da sua Encíclica Sacramentum Caritatis, ('Sacramento de Amor'), ensina: "Ninguém come desta Carne sem primeiro adorá-la, podemos pecar se não a adoramos" (Enarrationes in Psalmos 98, 9).

Ajoelhar-se, neste caso, mostra e promove a adoração necessárias antes de receber Cristo Eucarístico. A partir desta perspectiva, o então Cardeal Ratzinger assegurou que "a comunhão só atinge a sua verdadeira profundidade quando é apoiada e rodeada por adoração" ['The Spirit of the Liturgy', Ignatius Press, 2000, p. 90]. Por esta razão, afirmou ainda que "a prática de se ajoelhar para a Santa Comunhão tem em seu favor uma tradição já antiga, e é um sinal particularmente expressivo de adoração, completamente apropriado, à luz da Presença verdadeira, real e substancial de Nosso Senhor Jesus Cristo sob as espécies consagradas" [carta 'This Congregation' of the Congregation for Divine Worship and the Discipline of the Sacraments, 1 de Julho de 2002]. 

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Ref.:

Senza Pagare, disp. em:
http://senzapagare.blogspot.com.br/2017/12/o-papa-bento-apenas-distribuia-comunhao.html?m=1

Acesso 6/1/018
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Doroteu de Gaza – Ensinamentos Espirituais

O artigo abaixo é uma resenha de Igor de Andrade que pretende servir de apresentação do curso online do Prof. Dr. Joel Gracioso* (Fraternidade Laical São Próspero) sobre Doroteu de Gaza e seus "Ensinamentos Espirituais". A relação completa dos cursos oferecidos pelo professor está disponível aqui.



NATURAL DE ANTIOQUIA, São Doroteu foi um monge cristão que viveu em Gaza durante o Século VI dC. Suas conferências mostram e, ao mesmo tempo, possibilitam adentrar a sabedoria dos Padres do Deserto, tratando de questões como renúncia, humildade, consciência, temor de Deus, vigilância, paixões, vida virtuosa, como lidar com as tentações e outros assuntos pertinentes à espiritualidade cristã.

Este curso expõe ensinamentos espirituais que levam o aluno a uma reflexão profunda de si e do mundo – isto porque Doroteu de Gaza nos mostra os desígnios de Deus para o homem, o caminho a percorrer para atingir a santidade, a perigosa manifestação do inimigo comum da humanidade, além de toda uma riqueza sobre a necessidade da ascese.

No decorrer da obra, Doroteu fala sobre o hábito monástico, o Pecado Original e suas consequências (como a perda da consciência da lei natural, a idolatria, o politeísmo, a magia e a feitiçaria), diferencia as paixões da alma dos pecados: as primeiras são as que estão no interior do homem (inclinações naturais), enquanto os segundos são os atos motivados por essas paixões. Não basta somente dizer “não” às paixões, se não arrancarmos a causa do fluir da paixão.

Como de costume, o Prof. Joel inicia o curso localizando o autor no seu período, para melhor entendermos o conteúdo de sua mensagem. Fala da querela do Cânon Bíblico – desde o crivo da Igreja para selecionar os Livros Sagrados até o questionamento da validade dos mesmos textos canônicos. Tudo isso para frisar a doutrina e a identidade cristã estabelecida nos primeiros séculos, contexto no qual surgiu um “estilo de vida cristão diferente”, o Monaquismo Cristão, do qual o autor estava inserido.

Em suma, São Doroteu foi herdeiro de um cristianismo razoavelmente estabelecido e de uma filosofia estoica – de onde, por exemplo, recebeu a noção de apateia (paz de espírito). Mas deixa claro que o autor não só repetiu o que já fora dito, como sempre fizeram os grandes pensadores cristãos, mas desenvolveu um pensamento próprio, adaptando a filosofia grega ao cristianismo (o que caracteriza toda a Patrística) e deixando prevalecer a ortodoxia da doutrina.

Além de elucidar a descrição de São Doroteu acerca da realidade humana (paixões, mazelas, pecados, etc.), o Professor traça vínculos entre a realidade cristã da época e a nossa realidade cristã atual, apresentando as soluções de Doroteu, de modo que possamos pô-las em prática na nossa vida quotidiana.

Os Ensinamentos Espirituais de São Doroteu de Gaza, apresentados pelo Profº Dr. Joel Gracioso, produzem, sem dúvidas, muitos frutos na alma, pois o curso é ministrado por alguém que não só possui formação especializada na área de Filosofia Patrística e uma vasta experiência no ensino de Teologia e Religião, mas também possui profunda e verdadeira fé.



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O Prof. Joel é autor de diversos livros e referência absoluta em Patrística nos países de língua portuguesa, com ênfase em Santo Agostinho, disciplina a qual eu, Henrique Sebastião, juntamente com Igor Andrade, tive a honra e o privilégio de concluir sob sua tutela pela faculdade de São Bento de São Paulo. Brindando-nos com uma oportunidade realmente imperdível, o professor elaborou uma série de cursos bastante didáticos, em áudio, especialmente pensados para os leigos que iniciam os seus estudos nas temáticas discriminadas.
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‘Talvez tenhamos chegado ao Fim dos Tempos’: entrevista com Cardeal Burke

Cardeal Raymond Burke fala sobre divisão, o fim dos tempos e o que ele faria se fosse eleito Papa

Por Paolo Gambi 
Tradução: Fraternidade Laical São Próspero 


O CARDEAL RAYMOND BURKE tem estado presente em muitas notícias desde o ano passado. Em novembro de 2016, ele e outros três cardeais presentearam o Papa Francisco com o famoso documento Dubia – contendo cinco questões a respeito da exortação apostólica de Francisco sobre a Família, a Amoris Laetitia

Desde então, o Cardeal norte-americano viu-se envolvido em uma luta pelo poder dentro da Ordem de Malta, da qual é patrono. Isso foi seguido por sua nomeação surpresa para membro do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica, o tribunal mais elevado da Igreja. Ele foi prefeito da mesma Signatura de 2008 a 2014, quando foi removido pelo Papa Francisco. 

Cardeal Burke tem falado frequentemente contra o que ele vê como uma crescente confusão dentro da Igreja em relação à Liturgia, à identidade Católica e até mesmo a Fé em si. Eu o encontrei um pouco antes do primeiro aniversário do Dubia, em uma celebração na Basílica de Sto. Apolinário em Classe, em Ravenna, organizado pelo Coordinamento Nazionale del Summorum Pontificum e pela associação cultural São Miguel Arcanjo [Segue a entrevista concedida por Sua Eminência Revma. ao jornalista Paolo Gambi, pelo noticioso Catholic Herald].


Paolo Gambi
Paolo Gambi – Sua Eminência, recentemente o senhor se referiu aos nossos tempos como “realisticamente apocalípticos”. E o senhor adicionou que a “confusão, divisão e erro” dentro da Igreja Católica, vindo dos “pastores” que se encontram até mesmo nas mais altas posições indica que nós “talvez” estejamos no Fim dos Tempos. O senhor nos ajudaria a compreender o que quis dizer com isso?

Cardeal Burke – No momento atual há confusão e erro sobre os mais fundamentais ensinamentos da Igreja, por exemplo em relação ao casamento e à família. Exemplifico com o seguinte, a ideia de que as pessoas que estão vivendo em uma união irregular podem receber Sacramentos é uma violação da verdade quanto à indissolubilidade do Matrimônio e a santidade da Eucaristia. S. Paulo nos diz em sua Primeira Carta aos Coríntios que antes de nos aproximarmos para receber o Corpo de Cristo, nós temos que nos examinar, ou então comeremos da nossa própria condenação, por recebermos a Eucaristia de modo indigno.

Agora, a confusão na Igreja vai ainda mais longe que isso, porque existe hoje uma confusão sobre se existem atos que são intrinsecamente maus e isso, é claro, é o próprio fundamento da lei moral!

Quando este fundamento começa a ser questionado dentro da Igreja, então toda a ordem da vida humana e a ordem da própria Igreja estão em perigo. Então, há um sentimento de que no mundo de hoje, que é baseado no secularismo com uma aproximação completamente antropocêntrica, pelo qual pensamos ser capazes de criar os nossos próprios significados da vida e o significado da família, e assim por diante, a própria Igreja parece estar confusa. Neste sentido, alguém pode ter a sensação de que a Igreja nos dá a aparência de não querer obedecer aos Mandatos de Nosso Senhor. Então, talvez tenhamos mesmo chegado ao Fim dos Tempos.


Paolo Gambi – O senhor poderia, por favor, nos dar uma atualização sobre a “correção formal” [de Amoris Laetitia]?

Cardeal Burke – Eu não posso dizer muito. Em 14 de novembro, completará um ano desde que o Dubia foi publicado. Toda a questão ainda está por ser determinada sobre como proceder, visto que não recebemos nenhuma resposta, nem mesmo um reconhecimento do Dubia, que são questões muito sérias. Penso que não posso dizer mais nada além disso no momento.


Paolo Gambi – Qual é a correta interpretação de sua recente nomeação para a Signatura Apostólica?

Cardeal Burke – Como cardeal, eu tenho servido muitos dicastérios da Cúria Romana. Como questão de fato, eu estou agora servindo somente dois dicastérios, a Congregação para as Causas dos Santos e o Concelho Pontifício para Textos Legislativos. Certamente, eu tenho preparo em Lei Canônica e especialmente em Jurisprudência, então, de algum modo, minha nova nomeação é algo lógico. Além disso, eu não gostaria de especular sobre o que isso significa.


Paolo Gambi – O secretário-geral da Conferência Episcopal dos Bispos Italianos, Bispo Nunzio Galantino, recentemente declarou que a "Reforma" [ou revolução protestante] foi “um evento do Espírito Santo”[!], e todo dia nós lemos sobre prelados lançando piscadelas de olho [em sentido de aprovação] para o mundo protestante. Enquanto isso, nós lemos sobre uma comissão que está trabalhando com a hipótese de uma interpretação sacramental comum da Eucaristia [um rumor posteriormente negado pelo Vaticano]. Todos nós morreremos protestantes?

Cardeal Burke – Bem, eu não vejo como alguém pode dizer que a divisão da Igreja foi uma ação do Espírito Santo. Isso simplesmente não faz sentido. E eu não conheço qual é a natureza dessa comissão, mas não é possível ter uma celebração Eucarística comum com os luteranos, porque eles não creem na Eucaristia como a Igreja Católica ensina, e, muito significantemente, eles não creem na doutrina da Transubstanciação, que diz que a substância do pão e do vinho, no momento da Consagração da Missa, é modificada na Substância do Corpo e Sangue de Cristo.

Para os católicos se empenharem em algum tipo de "Eucaristia ecumênica" seria necessário abandonar a Fé Católica! Isso é um ecumenismo profundamente falso, que faria graves danos à Fé e às almas.


Paolo Gambi – Em uma homilia o senhor pontuou: “A natureza da reforma do Rito da Missa escureceu significativamente em certo sentido; a Ação divina na Santa Missa, que é a união do Céu e da Terra, tem levado alguns a erroneamente pensarem que a Santa Liturgia é uma ação que nós temos fabricado de certo modo e com a qual podemos, portanto, fazer experiências”. É verdade, como muitas pessoas pensam e dizem, que essa nova maneira de celebrar a Missa é uma consequência necessária do Vaticano II?

Cardeal Burke – A forma precisa do Rito da Missa revisado não é necessariamente uma consequência do Segundo Concílio Vaticano (CVII). De fato, a reforma do Rito da Missa como foi realizada não seguiu tão fielmente quanto deveria ter seguido aquilo que o CVII nos ensinou e queria. É por isso que estamos falando hoje em dia sobre a “reforma da reforma”: em outras palavras, nós devemos examinar de novo como o Rito da Missa deve ser mais fielmente reformado de acordo com o Concílio.

Certamente, o Concílio ordenou alguma reforma do Rito da Missa. Entretanto, alguns condenaram a reforma por ter sido feita de modo muito violento, de certa forma, em termos de remover muitos aspectos do rito, o que fez com que ficasse muito difícil de enxergar a continuidade entre os ritos antes e depois do Concílio.

É claro que a continuidade é essencial, porque o Rito da Missa veio até nós desde os primeiros séculos cristãos, como uma realidade organicamente viva; você não pode simplesmente ter uma Missa "nova", no sentido de um Rito da Missa totalmente novo. De alguma forma, nós devemos expressar a Tradição Apostólica como ela veio até nós.


Paolo Gambi – É possível, hoje em dia, pedir pela Liturgia tradicional e não ser considerado, por essa razão, um “inimigo” do Papa Francisco e talvez até mesmo da Igreja inteira?

Cardeal Burke – Sim. De fato, as celebrações de ambas as formas do Rito Romano – a forma mais antiga ou tradicional e a forma ordinária – devem ser consideradas normais na Igreja. Desde o motu proprio Summorum Pontificum de Bento XVI em 2007, os padres são livres para celebrar a forma extraordinária do Rito Romano. Portanto, não deve haver razão para acreditar que celebrá-la é sinal de ser, de algum modo, um manifestante ou um inimigo do Papa.


Paolo Gambi – Mas como podemos usar a palavra “católico” para descrever um cardeal que celebra a antiga Missa e defende os valores da família e, por exemplo, um bispo como François Fonlupt de Rodez et Vabres, que recentemente ordenou um padre seguindo um rito com elementos do hinduísmo? O que pode manter a todos nós juntos?

Cardeal Burke – Melhor do que “o que” é “quem”. Quem nos mantém juntos é Jesus Cristo, que vem a nós na inquebrável Tradição da Igreja, em seu Ensinamento, em sua Oração sagrada, em seus discípulos e em seu Governo. Eu não ouvi sobre o episódio que você mencionou, mas um bispo que finge ordenar um padre de acordo com um rito estranho rompeu a comunhão com a Igreja.


Paolo Gambi – O senhor, como patrono da Ordem de Malta, tem alguma novidade sobre a situação incomum da ordem?

Cardeal Burke – Não. O Papa anunciou que seu único representante na ordem é o Arcebispo Becciu [da Secretaria de Estado do Vaticano]. Ele me deixou com o título de “Cardeal Patrono”, mas eu não tenho nenhuma função no momento. Portanto, não recebo nenhuma comunicação da Ordem de Malta ou do Papa.


Paolo Gambi – Perdoe-me uma última pergunta tola: o que o senhor faria, como primeiro ato, se fosse eleito papa?

Cardeal Burke – Não creio que haja algum risco de isso acontecer. Penso que, não me referindo a mim mesmo, a primeira coisa que qualquer Papa deve fazer é simplesmente a profissão de fé junto com toda a Igreja, como Vigário de Cristo na Terra [algo que Francisco não fez, optando por um secular 'boa noite' e, logo a seguir, um pedido pelas orações do povo]. A maioria dos Papas fez isso, geralmente por uma primeira Carta Encíclica, como o Papa S. Pio X com sua encíclica E Supremi. Também, a Redemptor Hominis, do Papa S. João Paulo II, é uma espécie de profissão de fé, lembrando novamente que a Igreja é o Corpo de Cristo, que a Igreja pertence a Cristo e que somos todos obedientes em seu serviço. 


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Fonte:
Catholic Herald, ‘Perhaps we have arrived at the End Times’: an interview with Cardinal Burke, em: 
http://catholicherald.co.uk/issues/december-1st-2017/perhaps-we-have-arrived-at-the-end-times-an-interview-with-cardinal-burke/
Acesso: 4/12/2017
www.ofielcatolico.com.br

Provas teológicas da existência do Inferno


DE TEMPOS EM TEMPOS ressurge uma corrente teológica que procura rediscutir/reinterpretar o tema (difícil, reconhecemos) do Inferno. Alguns outros procuram lidar com o problema desdenhando, porque o consideram inoportuno ou mesmo inadmissível para a sensibilidade das pessoas dos nossos tempos. Alguns "católicos do IBGE" (chamados também, especialmente pelos jovens, 'católicos-jububa'), chegam a dizer abertamente que não creem na existência do Inferno.

As Sagradas Escrituras, a Tradição da Igreja e o santo Magistério, porém, não deixam restar dúvida de que o Inferno, sim, existe[1], como confirmaremos no decorrer deste estudo. Não crer neste dado revelado, portanto, é afastar-se da Fé católica.

Saber que existe é um ponto de partida. Outro ponto fundamental é saber que o Inferno existe, mas não é uma criação de Deus, e sim uma invenção diabólica. Os seres humanos podem entrar nele, e dali não há mais saída, mas os que o fizerem o farão usando de sua total liberdade e escolha. Saber disto facilita bastante a compreensão do problema todo.

Na encíclica Spe Salvi, o Papa Bento XVI faz alusão a recentes episódios da história do mundo em que ficou evidente como o uso abusivo da liberdade pode levar, já neste mundo, a uma opção irremediável pelo mal:

Pode haver pessoas que destruíram totalmente em si próprias o desejo da verdade e a disponibilidade para o amor; pessoas nas quais tudo se tornou mentira; pessoas que viveram para o ódio e espezinharam o amor em si mesmas. Trata-se de uma perspectiva terrível, mas algumas figuras da nossa mesma história deixam entrever, de forma assustadora, perfis deste gênero. Em tais indivíduos, não haveria nada de remediável e a destruição do bem seria irrevogável: é já isto que se indica com a palavra 'inferno'.[2]

O Inferno não é, pois, uma mera hipótese, mas uma constatação teológica, cuja possibilidade se torna muito concreta se o ser humano olhar com sinceridade o seu próprio coração. Fatalmente, a criatura tem, sim, o poder de se afastar definitivamente de seu Criador plenamente amoroso.

Na verdade, são justamente as pessoas que deixam de crer no inferno as que terminam cometendo –, por causa disso –, as maiores atrocidades. Como creem que não haverá castigo, sentem-se "para além do bem e do mal", e assim tudo lhes parece permitido.

Mas, na expressão de São Bernardo de Claraval, "impassibilis est Deus, sed non incompassibilis" – "Deus é impassível, mas não incompassível"[3]: embora não possa padecer, Deus Se compadece dos fracos e oprimidos neste mundo. Sua graça, adverte-nos mais uma vez o Papa Bento XVI, "não exclui a justiça", nem "muda a injustiça em direito".

Os que não creem no Inferno imaginam que tudo quanto se fez ou se omitiu nesta Terra –, de bem e de mal, de sacrifício e de prazer, de esforço e de indolência, por amor e por rancor, por altruísmo ou por pura maldade, com coragem heroica ou por covardia –,  termine por ter o mesmo valor, sendo recompensado de maneira exatamente igual. Contra um "Céu" e uma "Graça" deste tipo, protestou com razão, por exemplo, Dostoiévski, em seu romance Os irmãos Karamázov: "Ao final, no Banquete Eterno, não se assentarão à mesa indistintamente os malvados junto com as vítimas, como se nada tivesse acontecido."[4]

Mesmo diante de tantas razões, perguntarão pesquisadores do cristianismo e das religiões: "Quais são, especificamente, as bases bíblicas para se crer no Inferno?". De igual modo, questionarão outros, os racionais e os isentos: "Será ainda conveniente falar sobre o inferno ao homem de hoje?". Algumas respostas a estas questões veremos no correr deste artigo.


Sagradas Escrituras

As Escrituras claramente atestam um lugar de condenação eterna denominado Inferno, às vezes referido como Geena. Os exemplos são diversos: o Cristo disse que o homem que desprezar seu irmão “será condenado ao fogo da Geena” (Mt 5,22). Nosso Senhor também advertiu: “Não temais os que matam o corpo mas não podem matar a alma. Antes, temei Quem pode destruir tanto corpo como alma na Geena” (Mt 10,28).

Jesus disse ainda: “Se a tua mão te faz cair, corta-a. Melhor entrar na vida com uma só mão do que, mantendo ambas as mãos, ir para a Geena de fogo inextinguível” (Mc 9,43). Usando a parábola do joio e do trigo para descrever o Julgamento final, disse ainda: “Os anjos os lançarão [os malfeitores] na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13,42).

Semelhantemente, em outra ocasião Cristo falou do Julgamento final, em que ovelhas serão separadas dos lobos, Ele dirá ao mau: “Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo perpétuo preparado para o demônio e seus anjos” (Mt 25,41). Também vemos, no Livro da Revelação, cada pessoa sendo julgada individualmente, e os malfeitores sendo lançados em um “fosso de fogo, que é a segunda morte” (20,13-14).

Geena ('Gehenna') era o nome dado a um vale ao sul de Jerusalém, que era utilizado para sacrifícios pagãos de crianças pelo fogo. O profeta Jeremias amaldiçoou o lugar e predisse que seriam um lugar de morte e corrupção. Na literatura rabínica tardia, o termo identificava o lugar de castigo eterno com torturas e fogo inextinguível para os maus.

A partir das provas bíblicas, a Igreja consistentemente ensinou, desde sempre, que de fato o Inferno existe. Que as almas dos que morrem em um estado de pecado mortal imediatamente vão para o castigo eterno no Inferno. O castigo do Inferno é, principalmente, a separação eterna de Deus. Lá, se sofre um sentido de perda incomensurável, a perda do Amor de Deus, que para nós é a própria vida, a perda da vida em Deus que é a Fonte de todos os bens dos quais somos capazes de desfrutar nesta vida. Esta é a perda de qualquer possibilidade de felicidade, amor verdadeiro, plenitude, consolação ou paz, pois todas estas coisas estão relacionadas a Deus, e d'Ele dependem diretamente para existir. Só em Deus o homem encontrará realização (cf. CCE 1035).

As descrições dadas sobre o “fogo do Inferno” pela Constituição Apostólica Benedictus Deus (1336), do Papa Benedito XII, disseram que as almas “sofreriam a dor do Inferno”, e o Concílio de Florença (1439) decretou que as almas “seriam punidas com castigos diferentes”. Diversos santos tiveram visões de inferno. Ir. Faustina o descreveu como

um lugar de grande tortura; é terrivelmente grande e extenso! (...) A primeira tortura que constitui o Inferno é a perda de Deus; a segunda é o remorso perpétuo da consciência; a terceira é que aquela condição nunca mudará; a quarta é o fogo que penetrará na alma sem destruí-la, um sofrimento terrível, como é um fogo puramente espiritual, aceso pela Ira de Deus; a quinta tortura é a escuridão ininterrupta e um terrível e sufocante odor. Apesar da escuridão, os demônios e as almas dos condenados vêem todos os males, os próprios e dos outros; a sexta tortura é a companhia constante de Satanás; a tortura sétima é o horrível desespero, aversão de Deus, palavras vis, maldições e blasfêmias. Estas são as torturas sofridas por todos os condenados, mas isto não é o fim dos sofrimentos. Há torturas especiais dos sentidos. Cada alma sofre sofrimentos indescritíveis, terríveis, relacionados à maneira com que se pecou. Há cavernas e fossas de tortura onde uma forma de agonia difere da outra. Teria eu morrido na visão destas torturas se a onipotência de Deus não tivesse me apoiado. Escrevo isto no comando de Deus, de modo que nenhuma alma pode achar uma desculpa para dizer que não há inferno, nem que ninguém jamais esteve lá e por isso não se pode dizer como ele é.”

Teologia da Tradição e do Magistério

O papa S. João Paulo II, em "Cruzando o Limiar da Esperança" (pp. 185-6), lançou a pergunta: “Pode Deus, que tanto amou o homem, permitir que o homem que O rejeita seja condenado a tormento eterno?”. Citando as Escrituras Sagradas, nas passagens que vimos mais acima, respondeu repetindo o ensino inequívoco de Nosso Senhor. Lembrou-nos também que a Igreja nunca condenou uma pessoa particular ao Inferno, nem mesmo Judas; antes, a Igreja deixa todo julgamento nas mãos de Deus. Entretanto, o Papa, por uma série de perguntas, afirma que o Deus Amor é também o Deus Justiça, que nos faz responsáveis por nossos pecados e assim, por justiça, poderá nos punir.

Devemos suplicar pela Graça de resistir às tentações e seguir o caminho do Senhor, ao mesmo tempo procurando o perdão para qualquer queda em que venhamos a incorrer. Falando sobre a jornada da Igreja Peregrina, a Constituição Dogmática sobre a Igreja do CVII (n. 48) diz que “desde que não se sabe nem o dia nem a hora, devemos seguir o conselho do Senhor e vigiar constantemente, de modo que, quando o único curso de nossa vida terrena for completada, possamos merecer entrar com Ele na Festa das Bodas e sermos numerados entre os abençoados, e não com os serventes maus e preguiçosos, sermos enviados ao fogo eterno, na escuridão exterior onde ‘haverá pranto e ranger de dentes'.”. Por esta mesma razão, rezamos na primeira Oração Eucarística da Missa, “Pai aceitai esta oferenda de toda a vossa família. Concedei-nos vossa paz nesta vida, poupai-nos da condenação final, e contai-nos entre os escolhidos”.

Retomando a questão posta no início, será ainda conveniente falar sobre o inferno ao homem de hoje?  Tal assunto não poderia traumatizar as almas dos nossos tempos, óbvia e visivelmente mais sensíveis que as de tempos passados? A pedagogia divina, expressa na vida dos santos e místicos da Igreja, demonstra que não. Sta. Teresa de Ávila relata, em sua autobiografia, como a visão que teve do Inferno foi "uma das maiores graças" que o Senhor lhe concedeu[5]. Tal experiência, ao contrário de traumatizá-la ou afastá-la do fervor divino, fê-la inflamar-se de tal amor por Nosso Senhor que – como diz ela em seu "Caminho de Perfeição"[6] – estaria disposta a dar mil vidas pela salvação de uma só das almas que se precipitam no horrendo abismo eterno.

Em 1917, em Portugal, Nossa Senhora, nossa Mãe do Céu e a grande mestra da Igreja, também não hesitou em mostrar o Inferno aos pastorinhos de Fátima. "Algumas pessoas, mesmo piedosas" – disse Ir, Lúcia em suas memórias[7] –, "não querem falar às crianças do Inferno, para não as assustar. Mas Deus não hesitou em mostrá-lo a três crianças, e uma de 6 anos apenas, a qual Ele sabia que se havia de horrorizar a ponto de, quase me atrevia a dizer, definhar-se de susto".

Por que permitiu Deus que aquelas frágeis crianças tivessem, diante de si, realidade tão aterradora? Certamente podemos considerar que sua Graça as fortaleceu sobrenaturalmente, mas a razão é que, segundo a própria vidente, Deus quis excitar-lhes o temor. Não uma espécie de temor servil, como o medo que o escravo tinha de seu dono, mas o temor filial, o respeito e a reverência de um filho. De fato, depois de contemplarem o Inferno, Francisco, Jacinta e Lúcia, ao contrário de definharem de pavor, sentiram-se inflamados por um grande amor a Deus, uma disposição nunca experimentada e também uma serenidade absolutamente inexplicável em crianças tão pequenas, mesmo diante de grandes tribulações que viveram. Passaram, a partir daí, a se penitenciar e rezar continuamente pela salvação das almas da condenação eterna. É o que devemos fazer, também nós.


Estará vazio o Inferno?

Mais recentemente, o reconhecido teólogo Hans Urs von Balthasar, considerado um dos pensadores cristãos mais importantes do século XX, aventou uma interessante possibilidade: o Inferno, embora exista, talvez estivesse vazio ('l'inferno vuoto'). 

Será? Este seria, não podemos negar, um pensamento consolador para muita gente. Mesmo os grandes monstros da humanidade, como Judas, Nero e Calígula, Hitler ou Stalin, teriam se arrependido de todas as suas maldades em seus últimos suspiros e, assim, escapado da condenação eterna, resvalando para o Purgatório de purificação – que no caso destes, evidentemente, seria duríssimo.

Ainda que possamos ter esta hipótese teológica como esperança, o fato inescapável é que a Tradição da Igreja não pode corroborar esse pensamento, por várias razões. Primeiro porque Satanás e seus anjos rebeldes já estão condenados no inferno[8]; depois porque Cristo, ao encerrar o seu "sermão escatológico", não deixa dúvidas ao afirmar que os maus "irão para o castigo eterno" (Mt 25, 46).

Devemos lembrar que Deus não deseja que ninguém seja condenado, mas nos confere a Graça atual, que ilumina o intelecto e fortalece a vontade de modo que possamos fazer o bem e nos desviar do mal. Entretanto, uma pessoa, com o consentimento do seu intelecto, pode escolher praticar o mal e, com essa escolha, cometer pecado mortal, e assim rejeitar Deus. Se uma pessoa não se arrepende do pecado mortal, não tem qualquer remorso e persiste por vontade própria neste estado, então esta rejeição consciente e voluntária de Deus continuará para a eternidade. Em resumo: as pessoas não são condenadas, mas condenam-se, elas mesmas, ao Inferno.

Permanecer na fé da Igreja, portanto, é o caminho seguro, a única garantia que temos. Os pregadores da Palavra deveriam voltar a falar do Inferno, e dizer o que e como é, não para aterrorizar o povo, mas para fazer as pessoas crescerem no zelo e na caridade. A caridade não pode ser levada a sério se não se tem uma verdadeira repulsa pelo mal e pelo eterno afastamento do Sumo Bem, que é Deus.

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1. Cf. Catecismo da Igreja Católica, 1033.
2. Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi (30 de novembro de 2007), III, 45.
3. Sermones in Cantica Canticorum, 26, 5 (PL 183, 906).
4. Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi (30 de novembro de 2007), III, 44.
5. Livro da Vida, 32, 4.
6. Cf. Caminho de Perfeição, 1, 2; Livro da Vida, 32, 6.
7. ALONSO, Joaquín María; KONDOR, Luigi; CRISTINO, Luciano Coelho. Memórias da Irmã Lúcia. 13. ed. Fátima, 2007, p. 123.
8. Cf. Papa João Paulo II, Audiência Geral (28 de julho de 1999), n. 4.

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Ref.:
• Padre Paulo Ricardo. O inferno existe?, disp. em:
https://padrepauloricardo.org/episodios/o-inferno-existe

Acesso 30/11/2017
• Veritatis Splendor. Sim, existe um Inferno,  disp. em:
http://www.veritatis.com.br/sim-existe-um-inferno/

Acesso 30/11/2017
www.ofielcatolico.com.br

Papa Francisco toca em um assunto quase proibido – a mídia fingiu que nem ouviu


O PAPA FRANCISCO recordou, no último domingo (26/11/2017), as cerca de 3,5 milhões de vítimas da fome provocada deliberadamente nos campos da Ucrânia pelas políticas comunistas perpetradas pelo ditador Joseph Stalin, da antiga União Soviética, entre 1932 e 1933, para "coletivizar" fazendas de gado e terras agrícolas. 

Por algum motivo, sempre que se quer mencionar um ditador terrível, um regime político execrável ou mesmo uma pessoa que seja símbolo da maldade humana, cita-se Adolf Hitler. São dúzias de documentários lançados em redes de TV, livros e artigos escritos, todos os anos, esmiuçando em detalhes o que foi regime nazista e a vida do seu fundador. Entretanto, a maioria dos piores crimes da história da humanidade –, muitos até piores do que os perpetrados pelo nazismo –, foram cometidos por regimes comunistas ao redor do globo terrestre. O abominável episódio lembrado pelo Papa, denominado hoje Holodomor, foi, dentre muitos outros, apenas um dos mais vultosos: neste, foram 1 milhão e meio de pessoas no Cazaquistão e aproximadamente outro milhão de habitantes do norte do Cáucaso e regiões ao longo dos rios Don e Volgam, que sofreram o bárbaro suplício da morte pela fome –, entre homens, mulheres e crianças –, causada propositalmente pelo governo comunista.






Quando você se deparar com um militante esquerdista relativizando os bárbaros crimes cometidos pelo regime que ele defende, lembre-se destas cenas tão pouco divulgadas

Em mensagem ao povo ucraniano, o Papa Francisco mencionou “a tragédia do Holodomor, a morte por fome provocada que deixou milhões de vítimas. "Rezo pela Ucrânia, para que a força da paz possa curar as feridas do passado", disse, em seu tom caracteristicamente pacificador.

O genocídio ucraniano começou devido à resistência de camponeses do país à coletivização forçada, uma das bases do regime comunista, que vê a riqueza não como como valor gerado pelo indivíduo que trabalha e produz, por direito seu, mas como um grande "bolo" que deve ser igualmente dividido entre todos, suprimindo, junto com a liberdade de empreender, os talentos e capacidades individuais, assim como a propriedade privada, que passa a ser vista  como "roubo"[1].

Os soviéticos, sem mais, confiscaram à força, impiedosa e maciçamente, o gado, as terras e as fazendas dos ucranianos, e lhes impuseram punições que iam dos trabalhos forçados ao simples assassinato sumário, passando por brutais deslocamentos impostos a comunidades inteiras. Apesar de ter sido o extermínio sistemático de um povo, por pressões ideológicas ainda não há, até os nossos dias, um reconhecimento amplo e claro do genocídio ucraniano pela assim chamada “comunidade internacional”.

Certas correntes ideológicas organizadas e altamente atuantes evitam o termo "genocídio" para tratar o caso, alegando que o Holodomor teria sido a mera consequência de "problemas logísticos" associados às radicais alterações econômicas da União Soviética. De fato, para os vermelhos, uma coisa deixaria de ser o que é por ter sido efeito colateral de alegadas "boas intenções". É interessante observar que, recorrente e teimosamente, são elaboradas teorias suavizantes e condescendências "técnicas" para tentar disfarçar a verdade nua e crua sobre o comunismo: aqui está a explicação para o fato de sermos o tempo todo lembrados dos crimes do odioso nazismo, mas não existir a mesma firmeza quanto aos crimes igualmente odiosos, e em muitos casos até mais graves (especialmente em quantidade), do comunismo.

Não se trata, aqui, de comparar horrores, mas de questionar o relativo silêncio em torno a um em comparação com a ampla divulgação que se dá a outro. Só há relativização moral do extermínio humano, afinal, na mente de quem o instrumentaliza. É fato que praticamente todo o mundo que tem acesso à mídia já ouviu dizer que Hitler matou 6 milhões de judeus nos campos nazistas de concentração entre 1933 e 1945 (embora se dê menos atenção ao fato de que esse extermínio também se estendeu a outras minorias, como ciganos, poloneses, prisioneiros de guerra soviéticos, deficientes físicos e mentais, homossexuais, além de minorias clamorosamente 'esquecidas', como as vítimas católicas – São Maximiliano Kolbe e Santa Teresa Benedita da Cruz são exemplos ilustres dentre muitíssimos outros, ignorados, que bastam para questionar a campanha de desinformação orquestrada por quem acusa a Igreja de ter sido 'cúmplice' daquela carnificina).

Sem que se diminua em nada, portanto, a necessidade imperiosa de reconhecer o horror a que foram submetidos covardemente o povo judeu e as outras minorias perseguidas pelo nazismo, é preciso observar igualmente que, em comparação, muitíssimo menos gente já ouviu dizer que Stalin matou, pouco antes, 6 milhões de ucranianos, cazaques e outras minorias soviéticas mediante a imposição da fome massiva. Do mesmo modo são pouquíssimos os que sabem dos outros 14 milhões de pessoas assassinadas pelo comunismo apenas na União Soviética, sem falar do restante de vítimas em uma lista estarrecedora de seres humanos exterminados no mundo todo ao longo do século passado: foram 65 milhões na República Popular da China; 1 milhão no Vietnã; 2 milhões na Coreia do Norte; 2 milhões no Camboja; 1 milhão nos países comunistas do Leste Europeu; 1,7 milhão na África; 1,5 milhão no Afeganistão; 150 mil na América Latina; 10 mil como resultado das ações do movimento internacional comunista e de partidos comunistas fora do poder.

Esta soma petrificante de quase 100 milhões de seres humanos exterminados pelos regimes comunistas é estimada, com fundamento e propriedade, pelos respeitados autores de "O Livro Negro do Comunismo: crimes, terror, repressão", obra coletiva encabeçada por Stéphane Courtois, em 1997. De lá para cá, nas regiões que continuaram sujeitas ao regime comunista e seus métodos intrinsecamente opressivos (comunismo e ditadura são irmãos gêmeos, já que a almejada 'igualdade' precisa sempre, necessariamente, ser imposta à força), como a China, a Coreia do Norte e outras nações que retrocederam em sua trajetória democrática para reeditar essa aberração histórica, como é o caso da Venezuela de Chávez, Maduro e seus parceiros do Foro de São Paulo, uma multidão de novos cadáveres veio aumentar a cifra já assustadora.

Numa época em que as farsas de viés socialista desgraçadamente voltam a ganhar força, apresentando-se ao mundo como "libertadoras do povo" ou as eternas "salvadoras dos pobres" (novamente, vide Venezuela, e regimes de 'fatiamento da riqueza' praticado por governos de ideologia socialista em países como Cuba, Argentina e Brasil), a verdade sobre o comunismo costuma ser "evitada" nos noticiosos de TVs e nos grandes jornais e revistas a serviço desse mesmo projeto de poder (que perfazem a quase totalidade). Este poder, desnecessário seria dizer, não é nunca, exatamente, o poder "do proletariado", como prega a propaganda, mas sim dos partícipes do governo, que invariavelmente vivem no luxo enquanto a população é nivelada por baixo. A este propósito, nunca é demais recordar o magistral resumo feito por George Orwell sobre a 'igualdade' realizada pelo comunismo, em sua obra genial "A Revolução dos Bichos": "Todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros".

Dentro desse contexto ideológico e da tergiversação dos fatos que é uma sua característica indissociável, é digno de aplausos que o Papa Francisco tenha dado nome aos bois – assim como já deu a outro genocídio amplamente “esquecido” pelo mundo até recentemente: aquele que a Turquia otomana perpetrou contra a Armênia cristã em 1915.

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1. No dizer de Pierre Joseph Proudhon (1809 – 1865), pensador revolucionário francês autoproclamado anarquista e tido como um dos mais influentes teóricos e autores do chamado socialismo utópico.
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Adaptado de:
VÊNETO. Francisco. Papa Francisco toca em um assunto quase proibido – a mídia fingiu que nem ouviu, Aleteia, disp. em:
pt.aleteia.org/2017/11/28/papa-francisco-tocou-em-assunto-quase-proibido-e-a-midia-fingiu-que-nem-ouviu/
Acesso 29/11/2017
www.ofielcatolico.com.br
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