Bula Convocatória do Concílio de Trento no Pontificado de Paulo III

EM CONTINUIDADE À NOSSA série especial sobre o Concílio de Trento (leia a primeira parte aqui), publicamos abaixo a íntegra da Bula Convocatória de Sua Santidade o Papa Paulo III, um conteúdo de inestimável valor histórico e teológico. Segue abaixo:



Paulo Bispo, servo dos servos de Deus, para perpétua memória

CONSIDERANDO QUE DESDE os princípios de nosso Pontificado, – não por algum mérito de nossa parte, porém por Sua grande bondade, nos confiou a Providência de Deus Onipotente, – que em tempos tão revoltosos e que em circunstâncias tão mesquinhas de quase todos os negócios, foi eleita nossa solicitude e vigilância Pastoral; desejávamos por certo aplicar soluções aos males que há tanto tempo tem afligido, e quase oprimido a república cristã: mas nós, possuídos também, como homens, de nossa própria debilidade, compreendemos que eram insuficientes nossas forças para sustentar tão grave peso. Então, como entendêssemos que se necessitava de paz, para libertar e conservar a república de tantos perigos que a ameaçavam, achamos ao contrário que tudo estava cheio de ódios e contradições e em especial, opostos entre si aqueles príncipes aos quais Deus havia confiado todo o gerenciamento das coisas. 

Assim sendo, tomando-se por necessário que fosse apenas um o redil, e um só o pastor do rebanho do Senhor, para manter a unidade da religião cristã, e para confirmar entre os homens a esperança dos bens celestiais; se achava quase quebrada e despedaçada a unidade do nome cristão, com cismas, contradições e heresias. 

Desejando nós também que fosse prevenida e assegurada a república contra as armas e os feitos dos infiéis; pelos erros e culpas de todos nós, visto que ao descarregar a Ira divina sobre nossos pecados, foi perdida a ilha de Rodes, foi devastada a Hungria, e concebida e projetada a guerra por mar e por terra contra a Itália, contra a Áustria e contra a Escalavônia: porque, não sossegando em tempo algum nosso ímpio e feroz inimigo, os Turcos; julgava que os ódios e contradições que fomentavam os cristãos entre si, era a ocasião mais oportuna para executar de modo feliz seus desígnios. Sendo pois chamados, como dizíamos, em meio de tantas turbulências, de heresias, de contradições, de guerras, de tormentas tão revoltosas como se revoltaram para reger e governar a nave de São Pedro; e desconfiando de nossas próprias forças voltamos ante todas as coisas, nossos pensamentos a Deus, para que Ele mesmo nos vigorasse e armasse nosso ânimo de fortaleza e constância, e nosso entendimento do Dom de conselho e sabedoria. 

Depois disto, considerando que nossos antepassados, que tanto se distinguiram por sua admirável sabedoria e santidade, se valeram muitas vezes nos mais iminentes perigos da república cristã, dos concílios ecumênicos, e das juntas gerais dos Bispos, como do melhor e mais oportuno remédio; tomamos também a resolução de celebrar um concílio geral: e averiguados os pareceres dos príncipes, cujo consentimento em particular nos parecia útil e condizente para celebrá-lo; então, achando-os inclinados a tão santa obra, indicamos o concílio ecumênico e geral de aqueles Bispos, e a reunião de outros Padres, a quem tocasse concorrer para a cidade de Mantova. 

No ano da Encarnação do Senhor 1537, terceiro de nosso pontificado, como consta em nossas escrituras e monumentos, assinando sua abertura para o dia 23 de maio, com esperanças quase certas que quando estivermos ali congregados em nome do Senhor, sua Majestade estará no meio de nós, como prometeu, e dissipará, por sua bondade e misericórdia, todas as tempestades destes tempos, e todos os perigos com o alento de sua boca. Mas como sempre o inimigo arma laços de linhagem humana contra todas as obras piedosas; inicialmente nos foi recusada toda a esperança e expectativa sobre a cidade de Mantova, a não admitir algumas condições muito alheias à conduta de nossos superiores, das circunstâncias do tempo, de nossa dignidade e liberdade, e do nome e da honra eclesiástica desta Santa Sé, e as que temos expressados em outros documentos apostólicos.

Consequentemente precisamos procurar outro lugar e determinar outra cidade, a qual não nos ocorreu prontamente oportuna e nem proporcionada, nos vimos em necessidade de prorrogar a celebração do Concílio até o dia primeiro de novembro. Entretanto, nossos perpétuos e cruéis inimigos, os Turcos, invadiram a Itália com uma forte e numerosa esquadra, tomou, saqueou e destruiu alguns lugares na costa de Pulla, e levou muitas pessoas como escravos cativos. Nós estivemos ocupados, em meio do grande temor e perigo por que passavam todos, em reforçar nosso litoral e ajudar com nossos socorros, os cidadãos, sem deixar de aconselhar e exortar os Príncipes cristãos para que nos indicassem um lugar oportuno para celebrar o Concílio. Mas, sendo vários e duvidosos seus pareceres e crendo que o tempo corria mais rápido do que exigiam as circunstâncias, com bom senso e, a nosso ver, também com resoluções prudentes, elegemos Veneza, que era uma cidade grande, e também por Ter entrada franca, gozava de uma situação inteiramente livre e segura para todos, em virtude da probidade, crédito e poder dos Venezianos, que nos ofereciam a cidade. 

Porém, tendo se passado muito tempo, e sendo necessário avisar a todos sobre a eleição da nova cidade, e não sendo isso possível, devido à proximidade de primeiro de novembro, que se divulgasse a noticia que se havia assinado, e estando também próximo ao inverno, nos vimos outra vez obrigados a fazer nova prorrogação do início do Concílio até a próxima primavera, no dia primeiro de maio. Tomada e firmemente resolvida esta determinação, havendo-nos preparado, assim como preparado todas as coisas para realizar e celebrar o Concílio exatamente conforme a vontade de Deus, crendo que era muito condizente, tanto para sua celebração, como para toda a cristandade, que os príncipes cristãos tivessem entre si paz e concórdia, insistimos em rogar e suplicar a nossos caríssimos filhos em Cristo, Carlos, sempre augusto imperador dos Romanos, e Francisco, rei cristão, ambos colunas e apoios principais do nome cristão, que fizessem uma reunião entre si e conosco. Com efeito, com ambos havíamos trocado correspondência muitíssimas vezes, e tido contato por meio de Núncios e Delegados escolhidos entre nossos veneráveis irmãos Cardeais, para que se dignassem a esquecer as inimizades e discórdias, e que tivessem uma piedosa aliança e amizade, e prestassem seu auxílio aos interesses da cristandade que estavam em decadência, pois tendo eles o poder principal concedido por Deus, para conservá-lo teriam que dar rígida e severa conta dos mesmos a Deus se não fizessem assim, e nem dirigissem seus desígnios ao bem comum da cristandade. Por fim, sensibilizados os dois por nossas súplicas, ambos concorreram a Nice, para onde também fizemos uma viagem longa e muito penosa em nossa avançada idade, movidos pela necessidade da causa de Deus e do restabelecimento da paz. Entretanto, sem nos omitirmos, pois estava chegando o tempo assinalado para o início do Concílio, o primeiro de maio, enviamos a Veneza os Delegados de suma virtude e autoridade, escolhidos entre os mesmos irmãos Cardeais da Santa Igreja Romana, para que fizessem a abertura do Concílio, recebessem os Prelados que viriam de todas as partes e executassem e tratassem tudo que fosse necessário até que nós voltássemos da viagem e das conferências de paz e pudéssemos então fazer parte do mesmo com mais exatidão. Nesse meio tempo, nos dedicamos àquela santa e extremamente necessária obra de tratar da paz entre os Príncipes, o que fizemos com sumo cuidado e com toda a caridade e esmero de nossa parte. Nossa testemunha é Deus, em cuja clemência confiávamos, quando nos expusemos aos perigos de vida e do caminho. Nosso testemunho é nossa própria consciência, que em nada por certo tem que nos responder, ou por haver omitido, ou por não haver buscado os meios de conciliar a paz.

Testemunhos são também os mesmos príncipes aos quais tantas vezes e com tanta veemência suplicamos por meio dos Núncios, cartas, delegados, avisos, exortações e toda espécie de rogos para que esquecessem suas inimizades e se confederassem e concorressem unidos, com suas providências, a socorrer a república cristã, que estava em grande e iminente perigo. Finalmente, testemunhos são aquelas vigílias e cuidados, aqueles trabalhos que dia e noite afligiam nosso ânimo e aqueles graves e freqüentíssimos desvelos que temos tido por esta causa e objeto. Sem que, todavia hajam tocado a finalidade pretendida por nossos desígnios e disposições. Esta foi a vontade de Deus, de quem, sem dúvida, não perdemos a esperança de que olhara algumas vezes com benignidade os nossos desejos. Nós, por certo, de nossa parte, nada omitimos de tudo quanto pertencia ao nosso ofício pastoral. E se existe alguns que possam interpretar em sentido contrário estas nossas ações de paz, sentimos muito, mas no meio de nossa dor damos graças a Deus Onipotente, Quem por nos dar o exemplo de ensinamento e paciência, quis que seus apóstolos sofressem injúrias pelo nome de Jesus Cristo, que é a nossa paz. E ainda que naquele nosso congresso e colóquio que tivemos em Nice, não se pode, por nossos pecados, efetuar uma verdadeira e perpétua paz entre os príncipes, porém foi feita uma trégua por dez anos e nós ficamos esperançosos de que com esta oportunidade se poderia celebrar mais comodamente o sagrado Concílio, e também, além disso, efetivar-se a paz com a autoridade do mesmo, insistimos com os príncipes que se chegassem pessoalmente ao Concílio, conduzissem os Prelados que tinham consigo e chamassem os ausentes.

Os príncipes se escusaram por ter na ocasião, necessidade de voltar a seus reinos e também porque os prelados que haviam vindo consigo, cansados da viagem e preocupados com os gastos, pudessem descansar e se restabelecer, e então nos exortaram a prorrogar a celebração do Concílio. Como tivéssemos a dificuldade em conceder essa prorrogação, recebemos nesse meio tempo, cartas de nossos delegados que estavam em Veneza, nas quais nos diziam que passados já muitos dias da data marcada para o início do Concílio, haviam chegado àquela cidade apenas um ou outro prelado das nações estrangeiras. Com estas novidades, e vendo que de nenhum modo se poderia celebrar o Concílio naquela ocasião, concedemos aos príncipes que a data de início fosse prorrogada para o santo dia de Páscoa, festa próxima à Ressurreição do Senhor. As bulas de nosso decreto sobre a alteração da data foram expedidas e publicadas em Gênova, em 28 de junho do ano da Encarnação do Senhor de 1538. Tivemos um maior gosto com esta prorrogação, pois os príncipes nos prometeram que enviariam suas embaixadas a Roma para que negociassem ali, juntamente conosco, e mais comodamente, os pontos que faltavam para resolver para a conclusão do tratado de paz e que não tiveram tempo de ser tratados em Nice.

Ambos os soberanos também nos haviam pedido, por esta razão, que a pacificação precedesse à celebração do Concílio, pois se restabelecida a paz, o concílio seria sem dúvida muito mais útil e saudável para a república Cristã. Sempre, por certo, tiveram muita força sobre nossa vontade, as esperanças que os príncipes nos davam de seus desejos de paz, o que facilitou nossa decisão em favor de seus apelos. Estas esperanças de paz aumentaram muito devido à amistosa e benévola conferencia de ambos soberanos entre si, depois de nos termos retirado de Nice, e essas conferências era entendida por nós com extraordinário júbilo, e nos confirmou na justa confiança de que chegássemos a crer que finalmente Deus havia ouvido nossas orações, e aceitado a nossos desejos de paz, pois nós, pretendendo e estreitando a conclusão dessa conferência, e sendo de ditame, não só dos príncipes mencionados, mas também nosso caríssimo filho em Cristo, Ferdinando, rei dos romanos, o qual também achava que não deveria se realizar o Concílio antes de estar concluída a paz, empenhando-nos, todos nós, por meio de cartas e embaixadores, para que concedêssemos novas prorrogações, e insistindo com especialidade o sereníssimo César, demonstrando que havia prometido aos que estivessem separados da unidade católica, que interporia conosco sua mediação para que se encontrasse algum meio de concórdia, o que se poderia fazer comodamente antes de sua viagem à Alemanha. Nós, persuadidos com a mesma esperança de paz que sempre, e por desejos de tão grandes príncipes, vendo principalmente que nem para o dia assinalado da festa da Ressurreição, haviam chegado a Veneza mais prelados, informados já com o nome de prorrogação, que tantas vezes havia sido repetida em vão, achamos melhor suspender a celebração do Concílio geral, e a nosso critério e da Sé apostólica. Tomamos assim, nossas resoluções e despachamos nossas cartas a cada um dos mencionados príncipes, feitas em 10 de junho de 1539, como claramente se pode nelas ver. Feita pois, por nós e por motivos de força maior aquela suspensão, enquanto esperávamos um tempo mais oportuno, e algum tratado de paz que contribuísse depois, a dar autoridade e militância de padres ao Concílio, e assim, mais recursos saudáveis à república Cristã, pois de um dia para o outro caíram muito as ocupações da cristandade para um estado deplorável, pois os Húngaros, depois de morto seu rei, chamaram os Turcos.

O rei Ferdinando declarou-lhes guerra, uma parte dos Flamengos se tumultuou, rebelando-se contra o César, que passou a subjugá-los em Flandes, pela França, porém, amistosamente e com grande harmonia do rei cristianíssimo, e com grandes indícios de benevolência entre os dois, e dali até a Alemanha, começou a celebrar as remunerações de seus príncipes e cidades com o objetivo de tratar a concórdia que havia oferecido. Frustadas, porém, todas as esperanças de paz, e parecendo também que aquele meio de procurar e tratar a concórdia das remunerações seria a mais eficaz para suscitar maiores turbulências do que para apaziguá-las, nós resolvemos voltar a adotar o antigo remédio de celebrar o Concílio geral, e oferecemos essa decisão ao César, por intermédio de nossos delegados e Cardeais da Santa Igreja Romana, e o mesmo tratamos com Ratisbona, chamando a ela nosso amado filho em Cristo, Gaspar Contareno, Cardeal de Santa Praxedes, nosso delegado e pessoa de suma doutrina e integridade, para que pudéssemos pelo mesmo juízo daquela região, o mesmo que havíamos receado antes o que haveria de suceder, a saber, que declarássemos que tolerassem certos artigos dos que estão apartados da Igreja, até que se examinassem e decidissem pelo concílio geral, não permitindo a fé católica Cristã, nem nossa dignidade, nem a da Sé Apostólica, que os concedêssemos. Mandamos que o melhor fosse proposto abertamente ao Concílio para que fosse celebrado o quanto antes. Nem jamais tivemos, na verdade, outro parecer nem desejo de que ele se congregasse na primeira ocasião o concílio ecumênico e geral. Esperávamos por certo que se poderia restabelecer com ele a paz do povo cristão e a unidade da religião de Jesus Cristo, mas não obstante, desejávamos celebrá-lo com a aprovação e gosto dos príncipes cristãos. Enquanto esperávamos sua vontade, enquanto observávamos esse tempo decorrido , esse tempo de Tua aprovação, ó Deus! 

Nos vimos, ultimamente, necessitados de resolver que todos os tempos são do divino Beneplácito, quando se tomam resoluções de coisas santas e da piedade cristã. Portanto, vendo com gravíssima dor de nosso coração, que pioravam de dia a dia os assuntos da cristandade, pois a Hungria estava oprimida pelos Turcos, os Alemães em grande perigo, e todas as demais províncias cheias de medo, tristeza e aflição, determinamos não aguardar mais o consentimento de nenhum príncipe, senão atender unicamente à vontade de Deus Onipotente, e os interesses da república Cristã. Em conseqüência, então, não podendo mais dispor de Veneza, e desejando atender assim o bem estar eterno de todos os Cristãos, bem como a comodidade da nação alemã, na eleição do lugar em que haveríamos de fazer realizar o Concílio, ainda que houvessem sido propostos outros lugares, sabíamos que os alemães desejavam que se elegesse a cidade de Trento, ainda que nós julgássemos que poderiam ser tratados mais comodamente todas as resoluções na Itália, ajustamos, movidos por nosso amor paternal, nossas determinações a suas petições, e em conseqüência elegemos a cidade de Trento para que fosse sede do Concílio Ecumênico no dia primeiro do próximo mês de novembro, determinando aquele lugar como próprio para que pudessem ali chegar os Bispos e Prelados da Alemanha e de outras nações próximas com bastante facilidade, e os de Espanha, França e outras províncias também chegariam sem muitas dificuldades. Dilatamos a abertura até aquele dia assinalado, para dar tempo de serem publicadas as notas deste nosso decreto, por todas as nações Cristãs de modo que todos os prelados tivessem tempo de chegar a tempo.

E para ter deixado de assinalar nesta ocasião o término de um ano na mudança do lugar do concílio, como tínhamos prescrito em outras ocasiões e bulas, o motivo foi de nós não termos querido diferenciar a esperança de sanar de algum modo a república Cristã que tem sofrido tantas perdas e calamidades. Não obstante as circunstâncias de tempo, conhecemos as dificuldades, compreendemos que é incerto quanto se pode esperar de nossa resolução, mas sabendo que está escrito: Mostre ao Senhor tuas resoluções e espera Nele que Ele as cumprirá, decidimos que o mais acertado colocar nossa esperança na clemência e na misericórdia deste mesmo Deus Onipotente, Pai, Filho e Espirito Santo, e de Seus bem aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, as quais gozamos na terra, e além disso, com o conselho e consenso de nossas veneráveis irmãos cardeais da Santa Igreja Romana.

Quitada e resolvida a suspensão acima mencionada, a mesma que removemos e quitamos pela presente Bula, indicamos, anunciamos, convocamos, estabelecemos e decretamos que o santo, ecumênico e Geral Concílio, haverá de ter início, prosseguir e finalizar com o auxílio do mesmo Senhor, para sua honra e glória, e em benefício do povo cristão, na cidade de Trento, lugar confortável, livre e oportuno para todas as nações, no dia primeiro do próximo mês de novembro do presente ano da encarnação do Senhor 1542, requerendo, exortando, advertindo e além disso, ordenando com todo rigor e preceito em força do juramento que fizeram a nós e a esta Santa Sé, e em virtude de santa obediência e sob as demais penas que tem por costume intimar e propor contra os que não concordem quando se celebram Concílios, que tanto nossos veneráveis irmãos de todos os lugares, os Patriarcas, os Arcebispos, Bispos e nossos amados filhos, os Abades, como todos os demais a quem por direito ou por privilégio é permitido tomar assento nos Concílios Gerais, e dar seu voto, que todos devam absolutamente vir e assistir esse Sagrado Concílio, a menos que se achem legitimamente impedidos, circunstância na qual estão obrigados a avisar com fidedigno testemunho, ou assistir pelo menos por seus procuradores e enviados com legítimos poderes. Pedindo e também suplicando pelas entranhas da misericórdia de Deus e nosso Senhor Jesus Cristo, cuja religião e verdades de fé se combatem por dentro e por fora tão gravemente, aos mencionados Imperador e Rei Cristão, assim como os demais reis, duques e príncipes, cuja presença se em algum tempo tenha sido necessária à santíssima fé de Jesus Cristo, e à salvação de todos os Cristãos, é principalmente neste tempo que se desejam ver salva a república Cristã, se compreendem que tem estreita obrigação para com Deus, por todos os benefícios que tem recebido de Suas mãos, não abandonem a causa, nem os interesses desse mesmo Deus, colaborem por si mesmos à celebração do Concílio, onde será muito proveitosa sua piedade e virtude para a utilidade comum e sua salvação, e também de outros, tanto na vida temporal como na eterna. Mas se (o que não quereríamos) não puderem participar eles próprios, que enviem seus embaixadores autorizados que possam representar no Concílio, cada um a pessoa de seu príncipe, com prudência e dignidade. 

Ante todas essas coisas, que se ponham a caminho, o que lhes é extremamente fácil, sem evasivas nem atrasos, para vir ao Concílio, os Bispos e Prelados de seus respectivos reinos e províncias. Circunstância que em particular é absolutamente de conformidade com a justiça que o mesmo Deus e nós alcancemos dos Prelados e príncipes da Alemanha. É sabido que iniciado o Concílio, principalmente por sua causa e desejos, e na mesma cidade que eles haviam pretendido, que todos o celebrem perfeitamente e lhe dêem o esplendor com sua presença para que melhor e com maior comodidade, se possa quanto antes, e do melhor modo possível, tratar no mesmo Sagrado e Ecumênico Concílio, consultar, expor, resolver e levar até o final, desejando todas as coisas que sejam necessárias na integridade e verdade da Religião Cristã, ao recebimento dos bons costumes à cura dos males, à paz, unidade e concórdia dos cristãos entre si, tanto dos príncipes como das populações, assim como rechaçar o ímpeto com que maquinam os Bárbaros e infiéis para oprimir toda a cristandade, sendo Deus quem guie nossas deliberações e quem leve à frente de nossas almas, a luz de Sua sabedoria e verdade. E para que cheguem a estas novas escrituras, e quanto existe nelas, como notícia que todos devem Ter, e nenhum deles possa alegar ignorância, principalmente por não ser eventualmente livre o caminho para que cheguem a todas as pessoas a quem determinadamente se deveria intimar, queremos e ordenamos que quando houver reuniões de pessoas na basílica do Vaticano do Príncipe dos Apóstolos, e na igreja de Latrão, a ouvir a missa, sejam lidas publicamente e com vós clara e alta, pelos cursores de nossa Cúria, ou por alguns notários públicos, e lidas, sejam fixadas nas portas das ditas igrejas, também nas portas da Chancelaria Apostólica, e no lugar de costume no campo de Flora, e aonde possam estar expostas por algum tempo para que possam ser lidas e suas notícias cheguem a todos, e quando as tirarem dali, sejam colocadas cópias nos mesmos lugares. Nossa vontade determinada é que todas a quaisquer pessoas mencionadas mesta Bula, estejam obrigadas e compelidas por sua leitura, publicação e fixação durante dois meses depois de fixada, contados desde o dia de sua publicação e fixação, como se tivesse lido e intimado a suas próprias pessoas. 

Ordenamos também e decretamos que se de indubitável e correta fé aos seus exemplares que estejam escritos ou firmados por mãos de algum notário público, e referendados com o selo de alguma pessoa eclesiástica constituída em dignidade. Não seja, pois, licito a pessoa alguma, quebrar ou contradizer temerariamente a esta nossa Bula de invicção, aviso, convocação, estatuto, decreto, mandamento, preceito e rogo. E se algum presunçoso atentar contra ela, saiba que incorrerá na indignação de Deus Onipotente, e também na de seus bem aventurados apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma, em São Pedro, aos 22 de maio do ano da Encarnação do Senhor de 1542 e oitavo de nosso Pontificado

Paulo III PP

** Leia a continuação: Abertura do Sacrossanto Concílio de Trento

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Fonte:
• NABETO, Carlos Martins, portal Agnus Dei, disp. em:
http://agnusdei.50webs.com/
Acesso 11/12/015
• Tradução: Dercio Antonio Paganini
www.ofielcatolico.com.br

É recomendável (ou lícito) fazer promessas a Deus?


UM LEITOR E ASSINANTE de nossa revista, cujo nome não fomos autorizados a divulgar, enviou-nos por e-mail a pergunta que reproduzimos abaixo:

Sou católico praticante (...). Tenho uma duvida: É correto fazer promessas? Não consigo ver sentido nessa pratica, prometer algo a Deus ou a um santo em troca de uma benção, de um milagre isso não é querer comprar Deus? Gostaria que vcs me esclarecessem esta duvida. Desde já obrigado!"

Em primeiro lugar, agradecemos pela confiança em nosso apostolado. Quanto à sua pergunta, sim, a Igreja aprova a prática das promessas ou votos feitos perante Deus, – mas, sem dúvida, existe muita confusão e muita dificuldade para se compreender o assunto. – O problema é que há muita ignorância quanto a esta matéria, e o fato de vivermos em um país de maioria ainda inculta piora muito a situação. Reproduzo abaixo o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre o assunto:

2101. Em várias circunstâncias, o cristão é convidado a fazer promessas a Deus. O Batismo e a Confirmação, o Matrimônio e a Ordenação sempre as contêm. Por devoção pessoal, o cristão pode também prometer a Deus este ou aquele ato, oração, esmola, peregrinação etc. A fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à Majestade divina e do amor para com o Deus fiel.
2102. "O voto, isto é, a promessa deliberada e livre de um bem possível e melhor feita a Deus, deve ser cumprido a título da virtude de religião." O voto é um ato de devoção no qual o cristão se consagra a Deus ou lhe promete uma obra boa. Pelo cumprimento de seus votos, o homem dá a Deus o que lhe prometeu e consagrou. Os Atos dos Apóstolos nos mostram S. Paulo preocupado em cumprir os votos que fizera.
2103. A Igreja atribui um valor exemplar aos votos de praticar os conselhos evangélicos: A Mãe Igreja alegra-se ao encontrar em seu seio muitos homens e mulheres que seguem mais estreitamente o despojamento do Salvador e mais claramente o demonstram, aceitando a pobreza na liberdade dos filhos de Deus e renunciando às próprias vontades; submetem-se eles aos homens por causa de Deus, em matéria de perfeição, além da medida do preceito, para que mais plenamente se conformem a Cristo obediente. Em certos casos a Igreja pode, por motivos adequados, dispensar dos votos e das promessas."


O voto de Jacó (Gn 28)
Desde os tempos do Antigo Testamento há o costume de se fazer votos a Deus, mas sempre houve também sérias recomendações a esse respeito: "Mais vale não fazer voto, que prometer a não ser fiel à promessa" (Ecl 5,4), adverte-nos o Livro Sagrado, que mostra também como São Paulo Apóstolo quis se submeter às obrigações do voto do nazireato: “"Paulo permaneceu ali (em Corinto) ainda algum tempo. Depois se despediu dos irmãos e navegou para a Síria e com ele Priscila e Áquila. Antes, porém, cortara o cabelo em Cêncris, porque terminara um voto" (At 18,18).

Oferece a Deus um sacrifício de louvor e cumpre teus votos para com o Altíssimo."
(Sl 50,14)

É fundamental lembrar que as promessas não obrigam Deus a nos dar o que Ele não quer dar, pois sabe o que é melhor para cada um de nós (mesmo que não pareça e não possamos compreendê-lo em certos momentos), mas estas podem obter do Senhor, muitas vezes através da intercessão dos santos, graças de que necessitamos. Lembremo-nos de que Nosso Senhor Jesus Cristo nos mandou pedir, e pedir e com insistência. Mas não nos esqueçamos de que estes pedidos, segundo as exortações do Senhor, devem ter sempre como foco principal os bens espirituais e a salvação de nossas almas

Outro ponto essencial é saber muito bem que as promessas nada têm de "mágico" ou de mecânico, nem podem ser encaradas como uma espécie de barganha com Deus, pois não se destinam a “dobrar a Vontade do Senhor. Às vezes alguns fiéis prometem coisas que não podem cumprir, – seja por falta de condições físicas, psíquicas ou financeiras, – e depois amedrontam-se pelo castigo divino. Pior ainda é quando alguém faz uma promessa para que outro a cumpra, sem o seu consentimento. Os pais, por exemplo, não devem fazer promessas para os filhos cumprirem.

No fim, as melhores promessas que podemos fazer diante de Deus, – e que já fazemos em todas as Santas Missas e sempre que recebemos os Sacramentos, – são aquelas que o próprio Cristo nos ordena: a oração, o auxílio aos necessitados e o jejum (cf. Mt 6,1-18), que são reflexo das Virtudes teologais, que são as mais perfeitas virtudes que podemos ter e cultivar: fé, esperança e amor/caridade. Assim, a Santa Missa é o centro e o alimento por excelência da vida cristã. A esmola “encobre uma multidão de pecados” (cf. 1Pd 4,8; Tg 5,20; Pr 10,12); o jejum e a mortificação purificam e libertam das paixões o ser humano. O Salvador disse ainda que certos males só podem ser eliminados pelo jejum e pela oração (Mt 17,21).

Se a prática das promessas levar o cristão católico ao exercício dessas boas obras, então é salutar. Se de algum modo visarem o egoísmo e a vaidade, envolverem a crença de manipulação de energias espirituais ou ainda camuflarem sentimentos incompatíveis com a autêntica fé cristã, então são condenáveis. Aqui vale lembrar que as promessas ou votos católicos nada têm a ver com as “as ditas obrigações” de certos cultos afro-brasileiros, que visam o comércio e a manipulação de realidades invisíveis, mas são expressões do mais puro amor filial ao Deus Uno e Trino.

http://www.ofielcatolico.com.br/2000/01/assine-revista-o-fiel-catolico-digital.html

Heresias, tão antigas e tão novas: o macedonianismo


Ler a primeira parte desta série

APÓS AS POLÊMICAS em torno do arianismo e de suas vertentes, que negavam a igualdade de natureza entre o Pai e o Filho, surge, a partir da segunda metade do século V, uma corrente de pensamento que negava a divindade do Espírito Santo. Tal heresia recebeu o nome de Macedonianismo ou Pneumatomaquismo.

O mentor de tal corrente foi o Patriarca de Constantinopla Macedônio, seguidor do pensamento ariano. Se de fato já havia uma dificuldade em aceitar a plena divindade do Filho, subordinado ao Pai, a Pessoa do Espírito Santo será ainda mais posta dentro de uma relação de subordinação ao pai e ao Filho.

Assim, o Espírito Santo seria superior aos anjos, por exemplo, e o grande canal de todas as graças, mas inferior ao Pai. Os macedonianos ou pneumatômacos, como gostava de se referir a eles Santo Atanásio, – pois combatiam a divindade do Espírito Santo ('pneumatômaco', no grego, quer dizer 'adversário do Espírito'), – foram condenados em vários momentos pela Igreja. No ano 362, por exemplo, um Sínodo em Alexandria considerou tal doutrina herética.

Mesmo morrendo em 362, Macedônio deixou vários adeptos de seu pensamento. Desta maneira, a condenação mais veemente veio no I Concílio de Constantinopla em 381. Os Padres conciliares reafirmaram a fé professada no I Concílio de Niceia declarando o "Cremos no Espírito Santo", porém acrescentando: "Senhor que dá a vida e procede do Pai, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, Ele que falou pelos Profetas".


Santo Atanásio de Alexandria deu aos
macedonianos o título 'pneumatômacos'

Nesta afirmação conciliar vemos claramente a defesa da igualdade entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo do ponto de vista da natureza e da dignidade. É condenado, portanto, qualquer tipo de subordinação na Trindade. Em Deus Uno e Trino não há inferior e superior, nem mais ou menos. Em Deus temos Três Pessoas e uma Natureza ou Substância.

Tanto na Igreja Oriental como na Tradição ocidental, vários Padres da Igreja combateram o macedonianismo por intermédio de várias obras. No Ocidente temos a figura dos Padres Capadócios, ou seja: São Basílio, o Grande, São Gregório Nazianzo e São Gregório de Nissa. No mundo latino temos Santo Ambrósio e Santo Hilário de Poitiers.

Enfim, como diria São Basílio no Tratado sobre o Espírito Santo (6,15):

Que defesa adequada temos perante o terrível e comum Tribunal onde comparecerão todas as  criaturas, se apesar de ter o Senhor manifestamente prometido vir na Glória do Pai, e de Estevão ter visto Jesus de pé à Direita de Deus, e de Paulo ter atestado no Espírito, acerca de Cristo, que Ele está à Direita de Deus, e embora tenha dito o Pai: 'Assenta-te à minha Direita", e o Espírito Santo ter testemunhado que Ele está assentado à Direita da Majestade de Deus, procuremos colocar numa posição inferior àqu'Ele que possui igual Trono, igual honra, devido à igualdade com o Pai e o Filho?"


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Esta é a sexta parte de uma série de postagens relacionadas entre si, adaptadas do conteúdo do recém-lançado (e precioso) opúsculo do Prof. Dr. Joel Gracioso, “Heresias: tão antigas e tão novas” (Kenosis/DDM, 2015), que divulgamos, pedindo a Nosso Senhor que renove, nos corações dos homens, o amor sincero pela Verdade eterna.

** O opúsculo pode ser adquirido por e-mail:
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Fonte:
GRACIOSO, Joel, Heresias: tão antigas e tão novas. São Paulo: Kenosis; DDM, 2015, pp. 15-17.
* O texto deste artigo contém excertos de Henrique Sebastião, autor/editor de 'O Fiel Católico'
www.ofielcatolico.com.br

Introdução à Bíblia ou às Sagradas Escrituras

Iniciamos com esta uma série de postagens que pretendem aprofundar a disciplina Sagrada Escritura, no decorrer da qual abordaremos, entre outros temas: a formação e o conjunto dos livros canônicos, – e o processo próprio de canonização; – a Septuaginta; os textos massoréticos; as Escrituras utilizadas pelos Apóstolos, pela Igreja nascente e primitiva e pelo próprio Cristo; o cânon de Jâmnia; a origem e relação entre os livros canônicos e protocanônicos; etc. Em mais esta empresa, rezamos a Nosso Senhor para que nos conceda que nossos esforços sejam úteis ao maior número de interessados, para a Sua Glória em primeiro lugar.



OS PRIMEIROS CRISTÃOS, incumbidos pelo próprio Cristo Salvador de manter a Fé e proclamar a autêntica verdade dos Evangelhos, cumpriram esta missão e continuam a cumpri-la em seus legítimos sucessores. A Igreja, por meio do seu sagrado Magistério, proclama a Verdade plena sobre Deus e a Salvação através das Escrituras e da Tradição (cf. Mt 28,20; Rm 10,17; 2Ts 2,15). A Igreja, Corpo Místico de Cristo (cf. Ef 1,22-23), enquanto fiel depositária da Palavra de Deus (segundo 1Timóteo 3,15, a Igreja é 'a coluna e o sustentáculo da Verdade') dá-nos a conhecer a infinita Sabedoria de Deus (Ef. 3,10) e seus caminhos.

O discernimento dos livros que autenticamente representam o registro por escrito das Verdades de Fé reveladas não se deu de modo miraculosamente instantâneo. Nenhum anjo desceu dos Céus para assoprar aos ouvidos de algum ser humano que livros deveriam compor as Sagradas Escrituras dos cristãos. A Bíblia Sagrada pronta e encadernada da qual dispomos hoje é o resultado de um gradual e longo processo de anos, décadas e, de fato, séculos, assim como testemunhou o evangelista São Lucas:

Visto que muitos já empreenderam compor uma narração dos fatos que se cumpriram entre nós, – conforme no-los transmitiram aqueles que desde o princípio foram testemunhas oculares e ministros da Palavra. – Também a mim me pareceu conveniente, após acurada investigação de tudo, desde o princípio, escrevê-los (...) de modo ordenado..."
(Lc 1,1-36)1

O Cânon e as origens

"Cânon" é uma palavra derivada do grego (canonikανόνι), que significa, literalmente, "cana", com o sentido de régua. A cana era utilizada, na antiguidade, como régua para medir dimensões e profundidades. Deste modo, em sentido espiritual, o cânon é a medida usada para se definir o que é correto, legítimo e verdadeiro do que é enganoso, falso e não autêntico. O Cânon bíblico, portanto, é a lista dos livros que, segundo a Igreja divinamente autorizada, – aquela que guarda, portanto, a Tradição católica (universal; para todos os povos) e apostólica, – compõem a Biblioteca sagrada dos cristãos, isto é, a Bíblia.

Também a palavra "Bíblia" vem do grego (biblos: βίβλος), que significa, literalmente, "biblioteca". Chamamos a Bíblia justamente de Bíblia porque não é propriamente um livro, e sim uma coleção ou conjunto de livros (uma biblioteca) selecionados e autenticados pela Igreja como divinamente inspirados para a nossa condução enquanto cristãos. Por esta razão é que alguns autores preferem referir-se às Sagradas Escrituras, no plural, ao invés de dizer Sagrada Escritura, com a intenção de evitar que se tenha a impressão de se tratar de um livro único, feito de uma só vez e que nos chegou pronto.

O início da redação dos livros sagrados que compõem a Bíblia teve seu início, aproximadamente, no século XV aC. Sua conclusão, – com a terceira Epístola de S. João, – deu-se apenas na segunda metade do século I dC. Mais de 1500 anos, portanto, entre o início e a conclusão do conjunto da obra. 

A Bíblia que conhecemos hoje, organizada como está, num único volume (e assim podemos chamá-la de Livro Sagrado, mesmo não sendo um único livro e sim uma biblioteca) não nos foi dada pronta pelos Apóstolos. Assim, evidentemente, antes de se reunir os livros que eram usados pelas comunidades da Igreja, era preciso definir quais livros deveriam de fato compor uma lista autêntica e oficial, que verdadeiramente pregasse as Verdades Reveladas. 



Ainda que alguns pesquisadores acreditem na possibilidade de ter existido uma espécie de cânon bíblico judaico, que teria sido definido após a época de Esdras (15º Livro da Bíblia)2. Ainda assim, é fato que não existia nos primeiros séculos da era cristã o consenso sobre quais livros deveriam ser considerados canônicos, tanto do Antigo Testamento (AT) quanto do Novo Testamento (NT). Nos primeiros tempos, alguns livros eram aceitos por toda a Igreja, enquanto que outros tinham sua inspiração contestada e posta em dúvida. Como é fácil se deduzir, alguns livros foram canonizados antes de outros.

Deste modo, os livros canônicos que compõem as Sagradas Escrituras foram classificados segundo a ordem do reconhecimento de sua canonicidade (leia mais a respeito neste estudo específico). São os chamados protocanônicos (proto, do grego πρώτο, significa 'primeiro') e deuterocanônicos (deutero, também do grego Δευτεριο, significa 'posterior' ou 'segundo'). Protocanônicos, portanto, são os livros que tiveram sua canonicidade reconhecida em primeiro lugar. Deuterocanônicos são aqueles que tiveram sua canonicidade reconhecida posteriormente.

Existem livros proto e deuterocanônicos tanto no AT quanto no NT. A lista dos livros deuterocanônicos do AT é a seguinte: Tobias; Judite; Sabedoria; Eclesiástico; Baruc; 1 e 2 Macabeus, além de acréscimos do Ester (10,4 a 16,24) e Daniel (3,24-90; 13; 14).

A lista dos livros deuterocanônicos do NT é: 2Pedro; 2João; 3João; Tiago; Judas; Hebreus e Apocalipse.

Há controvérsia quanto à inclusão, nesta lista, dos Livros de  Baruc e de Ester.

Além das listas dos livros proto e deuterocanônicos, temos uma lista de livros que circulavam entre as primeiras comunidades da Igreja primitiva (via de regra de redação mais recente que os demais) que não foram jamais canonizados, e que formam o conjunto dos livros chamados apócrifos. Quanto a estes, apesar de seus conteúdos não serem confiáveis (não podem ser consultados com intenção de se compreender a Sã Doutrina da Igreja), muitas vezes apresentam fontes inestimáveis para o estudo e compreensão do contexto cultural, histórico e filosófico da época e do lugar em que se desenvolveram os textos do NT.


** Leia a próxima parte desta série: 'Sobre a seleção dos Livros Canônicos'




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Notas:
1. A tradução da Bíblia utilizada nesta série de postagens é a da Bíblia de Jerusalém revista e ampliada (Paulus, 2002).
2. O Livro de Esdras teria sido escrito entre  350 e 250 aC, sendo que suas narrativas se situam no V século aC, – época da conquista da Babilônia por Ciro, isto é, outono de 539; o primeiro ano do seu reinado sobre o império babilônico começa em Nisan (março/abril) do ano 538 (BÍBLIA DE JERUSALÉM revista e ampliada, Livro de Esdras, São Paulo: Paulus, 2002, p. 628 nota a).

Fontes e ref. bibliográfica:
• BÍBLIA DE JERUSALÉM revista e ampliada, Livro de Esdras, São Paulo: Paulus, 2002.
• LIMA. Alessandro Ricardo. O Cânon Bíblico: a origem da Lista dos Livros Sagrados, Brasília: ComDeus, 2007.
• MORUJÃO, Geraldo. O que são os Evangelhos? São Paulo: Quadrante, 1992.
• PÉREZ, Félix Garrondo. Itinerário bíblico para ler e entender a Sagrada Escritura, São Paulo: Loyola, 1998

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O Concílio ecumênico de Trento: um marco na história da Igreja

A PARTIR DESTA, passamos a publicar uma série de postagens que visam o esclarecimento daquele que foi, possivelmente, o mais importante dos Concílios Ecumênicos promovidos pela Igreja Católica: o de Trento, o Concílio da Contrarreforma. Dado que muitas aberrações são ditas a respeito deste assunto, e um grande número de pessoas que jamais o estudaram emitem opinião sobre ele, consideramos de grande importância trazê-lo ao conhecimento de nossos leitores. Nesta primeira parte, trataremos do Concílio, suas causas e consequências, e a partir daí publicaremos todos os seus documentos, na íntegra, acrescidos de comentários. Nosso Senhor nos conceda, uma vez mais, que este nosso trabalho, para a Sua Glória, seja útil.




O que foi o Concílio Ecumênico de Trento?

Martinho Lutero publicara, em 31 de outubro de 1517, suas 95 teses sobre a indulgência. Em 15 de junho de 1520, o papa Leão X assinou a Bula de advertência de excomunhão contra Lutero. Excomunhão esta que veio a ser efetivada no dia 3 de janeiro do ano 1521. Com isto, selava-se definitivamente a divisão religiosa, – com evidentes consequências políticas, – da Alemanha.

No Parlamento de Nuremberg, os representantes do Reino alemão exigiam a convocação de um concílio ecumênico. O imperador Carlos V queria que Trento, situada no Reino alemão, fosse o local do Concílio. O papa Clemente VII, lembrado dos Concílios de Constança e Basileia, evitava a convocação. Em 1527, o imperador voltou à tentativa de dispor o Papa em favor da ideia do Concílio. Pretendia este a convocação de um concílio ecumênico, a reforma da Igreja e a superação da divisão. – Aqui abrimos um espaço para esclarecer que a designação 'concílio ecumênico' significa uma reunião de representantes do conjunto dos bispos católicos do mundo todo (somente no final do século passado a palavra 'ecumenismo' passou a ser utilizada para definir um movimento surgido nos meios protestantes, buscando a reunião de todas as comunidades protestantes e, mais adiante, de todos os cristãos). O lmperador Carlos V queria, entretanto, que o Concilio se realizasse em território alemão para facilitar a participação dos luteranos, que queria trazer de novo à unidade da Igreja; o Papa, porém, preferia uma cidade da Itália; em suma, Imperador, Papado, protestantes, Espanha e França tinham algo a dizer sobre a convocação do Concilio, mas em termos divergentes.

Todavia, o encontro entre o Papa e o Imperador, aos 5 de novembro de 1529, não demoveu o primeiro de sua recusa. Carlos V acreditava que a não convocação poderia acarretar danos maiores do que as consequências temidas pelo Pontífice, mas na Assembléia Geral do Reino, em Augsburgo, em 1530, os esforços do Imperador pela unidade foram frustrados ('Confissão de Augsburgo'). 


Carlos IV

Bem outra foi a reação do sucessor de Clemente VII, Paulo III (1534-1549): tão logo tomou posse de suas funções, posicionou-se favoravelmente à ideia do concílio e procurou, desde o início de 1535, concretizar seus planos nesse sentido. Inicialmente foi convocado o Concílio, primeiro para Mântua, em 1536, e, posteriormente, em 1537, para Vicenza, não chegando, porém, a acontecer, devido a uma série de dificuldades políticas e de cunho prático. Além disso, numa e noutra oportunidade, foi impedida a sua abertura pela ausência de participantes. Em 1539, foi adiado o concílio por tempo indeterminado.

No ano 1541, num encontro pessoal com o Papa, voltou o Imperador a propor a cidade de Trento para sediar o Concílio. Afinal, efetivamente, convocou Paulo III o Concílio para ser ali realizado, a partir de 1º de novembro de 1542. Como, no entanto, no verão de 1542, irrompera uma guerra entre a Alemanha e a França, também essa convocação ficaria sem efeito. Assim, em 29 de setembro de 1543, mais uma vez suspendeu o Papa o Concílio. Aos 30 de novembro de 1544, porém, levantou a suspensão e estabeleceu o dia 15 de março de 1545 como termo inicial do evento. Contudo, no dia fixado, além dos dois delegados do Papa, não haviam chegado outros participantes.

Desta sorte, depois de tantas dificuldades e adiamentos, só pôde o Concílio ter início em 13 de dezembro de 1545. Haviam, desta vez, comparecido 4 arcebispos, 21 bispos e 5 superiores gerais de ordens religiosas. No princípio do verão, subiu esse número para 66 participantes, dos quais um terço era constituída de italianos.

O primeiro período de sessões durou de 13 de dezembro de 1545 a 2 de junho de 1547. Contra a vontade do Imperador, pretendia-se tratar de questões de fé e da reforma simultaneamente, assim como quanto ao dever de residência dos bispos. Além disso, foram discutidos a doutrina geral sobre os Sacramentos e os Sacramentos do Batismo e da Confirmação.

Na quarta sessão foi deliberado a respeito do decreto sobre as fontes da Fé. Na quinta sessão, expediu-se o decreto sobre o Pecado Original e, na sexta sessão, o decreto sobre a Justificação, que fora objeto de cuidado especial, tornando-se assim o decreto dogmático mais significativo do Concílio.

Em princípios de 1547, transferiu-se o Concílio para Bolonha, porquanto em Trento irrompera um surto de tifo. Por certo, tinha o Papa, além deste, um outro motivo para a transferência: queria distanciar o Concílio da área de dominação do Imperador. Paulo III confirmou, aos 11 de março de 1547, a decisão de transferência do Concílio, tomada pela maioria de dois terços. O imperador exigiu a volta para Trento, sobretudo porque, a seu ver, os protestantes certamente se recusariam a vir para uma cidade como Bolonha, situada no Estado Pontifício. O Papa negou o atendimento à exigência imperial, baseado no fato de que a decisão final sobre a transferência competia ao próprio Concílio.

Em Bolonha levara o Concílio adiante as deliberações acerca da Eucaristia, Penitência, Extrema-unção, Ordem e Matrimônio. Além disso, foi debatida a doutrina sobre o Sacrifício da Missa, o Purgatório e as Indulgências. Em 13 de setembro de 1549, o Papa voltou a suspender o Concílio. Morreu em 10 de novembro de 1549.

Seu sucessor, Júlio III (1550-1555), transferiu o Concílio de volta para Trento, onde foi reaberto solenemente em 1º de maio de 1551. Em fins de 1551 e princípios de 1552, apareceram no Concílio enviados de Estados imperiais protestantes, com a exigência de que todos os pronunciamentos até então feitos pelo Concílio sobre a fé deveriam ser anulados, o que dificilmente seria exequível. Foram publicados os decretos sobre os Sacramentos, que haviam sido objeto de estudo em Bolonha, além dos decretos da reforma da gestão dos bispos e da conduta de vida dos clérigos. Motivos políticos levaram, em 28 de abril de 1552, a nova suspensão do concílio, que somente em 1562 foi reaberto. Entrementes faleceram, além de Júlio III, também os seus sucessores Marcelo II e Paulo IV.

Pio IV (1559-1565) finalmente, deu prosseguimento ao Concílio. A abertura, efetuada em 18 de janeiro de 1562, contou com a presença de 109 cardeais e bispos. Em 11 de março, foi discutido o dever de residência dos bispos, o que levou à manifestação de opiniões divergentes e a uma nova e maior interrupção do Concílio, até que o Papa, em 11 de maio, proibiu o debate sobre o referido tema. Concomitantemente àquelas medidas, foram expedidos decretos sobre os demais Sacramentos e emitidos também decretos de reforma, entre outros, os concernentes à rejeição de exigências de abolição do celibato.

A vigésima segunda sessão, de 17 de setembro de 1562, ocupou-se com males existentes nas dioceses. Com o renovado pronunciamento sobre o dever de residência dos bispos, a exaltação dos ânimos reveladas nas contestações chegou ao ponto de se temer a dispersão do Concílio. A controvérsia trouxe à baila mais uma vez as relações entre o Papa e o Concílio. Contudo, o novo presidente da assembleia conciliar, Monrone, conseguiu salvar a situação, obtendo a aceitação de um compromisso relativamente aos pontos controvertidos: foi apenas rejeitada a doutrina protestante acerca das funções do bispo. Nessa mesma sessão, foi também declarada vinculativa a obrigação dos bispos de estabelecerem em suas dioceses seminários para a formação de sacerdotes.

Na vigésima quarta sessão, promulgou o concílio diversos pontos do decreto de reforma e concluiu, na sessão final de 3 e 4 de dezembro de 1563, os decretos sobre o Purgatório, as Indulgências e a Veneração dos santos.


Papa Pio IV

Várias reformas haviam ficado inconcluídas, entre as quais, sobretudo, as do Missal e do Breviário e, ainda, a da edição de um Catecismo geral. Essas tarefas foram encomendadas, pelos padres conciliares, ao Papa. Em 26 de janeiro de 1564, homologou o Papa os decretos conciliares. Uma coletânea das decisões dogmáticas e a profissão da fé tridentina foram tornadas de uso obrigatório para todos os bispos, superiores de ordens religiosas e doutores.

Ao fim, o Concílio não conseguiu cumprir a tarefa que lhe fora inculcada pelo Imperador, no sentido de restabelecer a unidade na Fé. No entanto, delineou claramente a concepção de fé católica frente à Reforma. Pio IV morreu em 9 de dezembro de 1965. Seu sucessor, Pio V, divulgou o Catecismo estatuído pelo Concílio (1566), bem como o Breviário reformado (1568) e o novo Missal (1570).



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Fonte:
• WALLPERT, Rudolf Fisher Léxico dos Papas, São Paulo: Vozes, 2006
• COMBY, Jean. Para ler a história da Igreja, Do século XV ao século XX, Vol. II. São Paulo: Loyola, 2ª ed. 2001

Suspeitos de ameaças ao Papa são presos na Itália e no Kosovo


"LEMBREM-SE DE QUE não haverá outro Papa depois deste. Será o último”, teriam publicado na web os acusados. Até agora quatro pessoas foram presas, segundo a imprensa italiana, sendo três suspeitos na Itália. Um quarto elemento, que seria o líder do grupo, teria sido capturado no Kosovo pelas forças de segurança locais. As acusações são, também, de apologia ao terrorismo e incitação ao ódio racial.

Os agentes começaram a rastrear os suspeitos depois de identificar as suas fotografias utilizando mensagens na Internet. Eles posaram com armas e roupas populares entre os militantes do Estado islâmico.

Kosovo tem sofrido uma série de incidentes envolvendo extremistas islâmicos. Quinze imãs (líderes religiosos islâmicos) foram presos em 2012 sob a acusação de recrutar militantes para a filial da Al-Qaeda na Síria, a Frente al-Nusra. Em novembro de 2014, quarenta pessoas acabaram detidas sob suspeita de terem lutado para grupos extremistas no território sírio. Além disso, mais de duzentos kosovares se juntaram ao Estado Islâmico, de acordo com o Centro de Estudos de Segurança kosovar.


Papa Francisco vai à zona de conflito para afirmar
que "cristãos e muçulmanos são irmãos"

No último dia de sua viagem recente à África, – segunda-feira (30/11/015), – o Papa Francisco pediu, na República Centro-Africana, que muçulmanos e cristãos se unissem pela paz. O Sumo Pontífice participou de um encontro na mesquita de Koundoukou, em Bangui.

“Cristãos e muçulmanos são irmãos e irmãs. Vamos nos manter unidos para acabar com qualquer ação, de um lado e de outro, que desfigure a Face de Deus. Juntos digamos não ao ódio, à vingança, à violência, especialmente, aquela perpetrada em nome da religião ou de Deus. Deus é paz”, afirmou o Papa Francisco, que também aproveitou a oportunidade para criticar organismos financeiros.

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Fonte:
• Ag. Sputnik Brasil, disp. em:
http://br.sputniknews.com/mundo/20151201/2932196/Suspeitos-ameacarem-Papa-presos.html
• Último Segundo, disp. em:

http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2015-12-01/grupo-ligado-ao-estado-islamico-e-preso-na-italia-papa-estava-entre-seus-alvos.html
Acesso 1/12/015
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O mistério da iniquidade e a apostasia dos cristãos

Luca Signorelli, capella de San Brizio. 'Predica e punizione do Anticristo'
(clique sobre a imagem para vê-la ampliada)

...Quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a Terra?"
(Lc 18,8)

OS AFRESCOS DE LUCAS Signorelli sobre o fim do mundo, expostos na capela de São Brizio, na Catedral de Orvieto, traduzem um aspecto dramático da história humana: a atuação do Anticristo. Para a Tradição da Igreja, encontrada de maneira explícita no Didaquê (o primeiro catecismo dos cristãos – leia na íntegra aqui), este ser seria o sedutor do mundo, ou seja, aquele que "aparecerá como o filho de Deus e fará milagres e prodígios; e a Terra será abandonada em suas mãos; e realizará iniquidades como nunca houve" (conforme também Mt 24,24; 2Tes 2,4-9).

De uns tempos para cá, a fé acerca de temas como o Juízo Final, a existência do demônio e, especialmente, a do Inferno, têm se tornado obsoleta. Parece-nos que a maioria absoluta das pregações dá enfoque, – e trata praticamente com exclusividade os temas relacionados ao perdão, à afabilidade de Deus e sua misericórdia. – Desgraçadamente, uma vez que se exclui a Justiça divina e a sedução diabólica da catequese cristã, abre-se caminho à banalização do mal, pois se o cristianismo já não prega sobre o Inferno, e apenas sobre a ternura de Deus, isso significa que já não é mais necessária uma mudança de vida para se enquadrar nos Desígnios divinos. Afinal de contas, se Deus é Amor e a tudo perdoa, concluem muitos, não é preciso se preocupar com pecado e punição?

"Deus não castiga", bradam alguns; "a misericórdia de Deus é infinita", insistem outros. Examinemos rapidamente estas afirmações tão comuns em nossos tempos, para entender se possuem algum lastro na realidade objetiva daquilo que é ser cristão e no ensinamento perene do Evangelho.

Quanto à primeira afirmação, – "Deus não castiga", – está total e simplesmente equivocada. É contrária a toda doutrina cristã e ao Catecismo da Igreja Católica (veja o leitor os nºs 1031; 1038; 2006; 2061 e 2090 do manual cristão), assim como às próprias Sagradas Escrituras (consulte-se as seguintes passagens: Zc 14,19 Ez 14,10; Os 5,9; 2Ts 1,9; Ap 3,19; etc). Sempre que ouvirmos tal afirmação, é dever de todo fiel cristão católico corrigir, com fraterna caridade e de modo suave, a pessoa que o diz; se esta não aceitar a correção, devemos então ignorá-la e advertir aos outros ouvintes, quanto nos for possível, do erro da afirmação. Quanto aos parágrafos do Catecismo e às passagens bíblicas sugeridas acima entre parênteses, é importante consultá-los, compreender seus conteúdos e procurar memorizá-los, tanto quanto possível.

Já a segunda afirmação, – de que a misericórdia de Deus é infinita, – está corretíssima. Todo o conjunto dos livros do Novo Testamento confirma esta verdade fundamental da fé, e apenas a título de exemplo poderíamos citar Ef 2,4; Tt 3,5; Hb 4,16. Todo cristão sabe que a humanidade merecia o castigo, porque pecou, mas Deus enviou seu Filho para nos libertar e salvar para a vida eterna. Logo, Deus é misericordioso. E por que dizemos que a misericórdia de Deus é infinita? A lógica humana pode sugerir que, se há castigo, então a misericórdia divina não é infinita, mas parcial. Existem dois pontos que, se bem analisados, fazem-nos compreender bem esta questão aparentemente complexa ou de difícil compreensão. O primeiro ponto é o fato de que a Misericórdia divina age concomitantemente com a sua Justiça. Deus é Amor; Deus é Justo: ambas as afirmações são precisas, e inclusive se integram e se complementam de muitos modos. Sem justiça dificilmente há verdadeiro amor e verdadeira misericórdia, pois às pessoas que amamos naturalmente desejamos educar na justiça: dar a um filho, por exemplo, a total "liberdade", – inclusive para se drogar, prostituir e se perder nos desatinos da adolescência e juventude, – seria o gesto de um pai que ama verdadeiramente? Por amarmos realmente aos nossos filhos não precisamos às vezes agir com severidade, chamando-lhes a atenção, aplicando castigos, forçando-os a estudar, a cumprir os seus deveres, a respeitar a autoridade, os mais velhos, etc., dando-lhes, enfim, a disciplina que lhes será tão necessária no correr de suas vidas, para que sejam felizes e dignos, e conquistem coisas boas em suas vidas?

Muito bem, este é um ponto para entender porque dizemos que a Misericórdia divina é infinita, mesmo existindo o Castigo para os pecados: em Deus, sua Misericórdia é uma força que age sempre em conjunto com a sua Justiça. Uma coisa não funciona sem a outra.

O outro  ponto é a necessária compreensão de que o pecado contra Deus é um crime de gravidade infinita. Ora, Deus é infinitamente Bom, infinitamente Amoroso e infinitamente Justo. É o sumo Bem e o sumo Ser. Assim sendo, nossos crimes contra Deus são infinitamente graves; logo, merecedores de uma pena proporcional, isto é, sem fim. Portanto, sendo Deus infinitamente Bom, e os crimes contra Ele infinitamente graves e dignos de um castigo proporcional, a misericórdia necessária para perdoá-los também precisa ser absolutamente infinita. Tal realidade se revela de modo ainda mais claro no fato de que Deus volta sempre a nos perdoar, ainda que diariamente, por mais que voltemos a pecar contra Ele (crime de gravidade infinita), todos os dias, sempre que admitimos o nosso erro, arrependemo-nos e confessamos o pecado, pedindo perdão. Não há limite, não há um número de vezes que Deus estabeleça para nos perdoar, até dizer: "Se passarem deste limite, não perdoarei mais, porque a minha misericórdia acaba nesta linha". Ao contrário, Deus perdoa sempre, de novo e de novo, e ainda que tenhamos vivido uma vida inteira de crimes e só de maldades, se nos arrependermos e nos confessarmos no leito de morte, seremos perdoados.

Assim, em resumo, estamos falando de um Bem e uma Bondade infinitas; por isso é que os pecados contra este Bem e contra esta Bondade são de gravidade proporcionalmente infinita; logo, para perdoar pecados de ilimitada gravidade, é necessária a misericórdia sem medidas: infinita misericórdia. Tal é a Misericórdia de Deus para conosco.

Voltando ao triste relativismo que hoje impera no mundo, desgraçadamente inclusive entre os filhos da Igreja, trata-se uma tendência muito em voga nos tempos atuais, sobretudo no que diz respeito aos valores inegociáveis da fé cristã e católica e às perseguições que a Igreja sofre. Ao invés de se indispor com o mundo, prefere-se não tomar partido de nenhum lado, numa tentativa de se agradar a todos, mesmo que isso signifique negar a verdade. O Catecismo da Igreja Católica, mais uma vez, denuncia que essa é uma atitude genuinamente diabólica: “A impostura religiosa suprema é a do Anticristo, isto é, a de um pseudo-messianismo em que o homem glorifica a si mesmo em lugar de Deus e de seu Messias que veio na carne" (CIC 675).

Cardeal G. Biffi
O perfil do Anticristo, segundo o teólogo Cardeal Giacomo Biffi, apresenta "altíssimas demonstrações de moderação, de desinteresse e de ativa beneficência". Além disso, é um pacifista nato, com grandes preocupações ecológicas e humanitárias. De Cristo, nega peremptoriamente a moral, pois, de acordo com sua concepção, ela seria causa de divisões. Em linhas gerais, ele traz uma falsa promessa de "libertação" e triunfo político, ou seja, um messianismo secularizado, conforme proposto por certas correntes ditas teológicas persistentes, que vêm resistindo incólumes a toda ação do Magistério da Igreja, em especial da parte dos últimos Papas, que condenaram em diversas oportunidades esse falso misticismo. Antes como por exemplo na encíclica Divini Redemptoris do Papa Pio XI (Sumo Pontífice da Igreja de Cristo de 1922 a 1939) sobre o comunismo ateu.

É curioso, – e ao mesmo tempo terrível, – perceber que numa época em que já não se fala mais no Anticristo, no Diabo e no Juízo Final, mas simplesmente em misericórdia e respeito humano, o número de violências, guerras e outros males é absurdamente enorme, em alguns sentidos como nunca antes. C. S. Lewis, autor d"as Crônicas de Nárnia", escreveu em "Cartas de um diabo ao seu aprendiz" que a melhor maneira de o demônio conquistar o mundo é fazendo com que a humanidade não creia nele.

Não está cada vez mais comum encontrar "cristãos" que pregam o "amor", mas que são incapazes de protestar contra o aborto? Pessoas que se indignam, movem campanhas e propõem duras punições para os agressores de animais, mas que sequer se importam com a criança abandonada na porta de sua casa, ou com o idoso largado em um asilo próximo, com quem ninguém se importa ou lembra de visitar?

Não é cada vez mais comum a figura do "católico" que diz amar Jesus e chora com cantos religiosos emotivos, mas é negligente para com os seus pecados, sem perceber que com isso são também responsáveis pelas Chagas de Cristo na cruz?

Denunciou o então Cardeal Joseph Ratzinger, na Via-Sacra de 2005: "Não se pode continuar a banalizar o mal, quando vemos a imagem do Senhor que sofre". Todavia, o mal se pratica hoje por pessoas que se declaram cristãs. Sim, o Anticristo parece estar solto no mundo e tem feito muitos discípulos. São servos do maligno aqueles que relativizam a verdade e propõem a apostasia como alternativa à perseguição à Igreja.

Enquanto os mártires do passado entregaram suas vidas para que a fé católica fosse preservada e professada hoje, muitos seguidores do Anticristo têm servido a Cabeça da Igreja numa bandeja para o "Príncipe deste mundo" (Jo 16,11). Falam de amor, preocupam-se com a natureza, pregam a paz, mas não se incomodam quando a fé em Jesus Cristo é ultrajada, enquanto a Igreja é profanada pelas hostes infernais. É o "mistério da iniquidade" predito pelo Senhor quando perguntou aos Apóstolos: "Quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a Terra?" (Lc 18, 8).

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Baseado no artigo 'O mistério da iniquidade e a apostasia dos cristãos', da equipe Christo Nihil Praeponere, disp. em:
https://padrepauloricardo.org/blog/o-misterio-da-iniquidade-e-a-apostasia-dos-cristaos
Acesso 30/11/015
www.ofielcatolico.com.br

DEUS VULT: como o estudo da fé católica me levou ao catolicismo

PUBLICAMOS O BELÍSSIMO testemunho de conversão de João Marcos, leitor que veio graciosamente compartilhar conosco sua inspiradora história. Consideramos que o texto tenha em si grande valor, porque além de motivar tantas outras pessoas que vivem histórias semelhantes (e que nos contatam quase diariamente), contém uma boa lista de indicações bibliográficas e de webpages que lhe foram de auxílio, – e que certamente poderão auxiliar também a muitos outros de nossos leitores. Segue...


Conversão de São Paulo, pintura medieval anônima

Não existem cem pessoas que odeiam a Igreja Católica, mas existem milhões que odeiam aquilo que pensam ser a Igreja Católica.
(Venerável Arcebispo Fulton Sheen)

Este é o relato da minha conversão ao Catolicismo. É uma história pessoal, não um tratado de Teologia nem uma tentativa para converter alguém. Escrevi este relato para organizar meus pensamentos e facilitar quando perguntarem os motivos da minha conversão. No decorrer do texto indiquei vários livros ao leitor interessado em compreender os motivos que me levaram a tomar a decisão de seguir a Igreja Católica Apostólica Romana. Ao final eu proponho um roteiro de leituras para entender a fé católica e examinar as acusações que fazem à Igreja.

AVISO: Peço que leia os livros recomendados, em especial aqueles destacados em negrito, antes de tentar rebater as palavras aqui escritas. Não voltei para a Igreja por capricho ou comodismo; essa decisão custou muito esforço, oração e alguns sacrifícios. Esperar o mesmo do leitor é um ato de justiça. Quando o leitor discordar de algum ponto, o correto é buscar conhecer mais profundamente o que ensina a Igreja sobre o tema, o que dizem os grandes padres e apologistas católicos e então comparar com suas crenças. Aí sim o leitor poderá fazer um juízo sobre a fé. Só assim as suas palavras terão valor suficiente para serem ouvidas por mim. Ou como dizia um célebre e polêmico brasileiro: “Eu acho que o direito de ter opinião é proporcional ao interesse sincero que você tem pelo assunto. Se você não tem interesse pelo assunto para você sequer ler alguma coisa, por que nós devemos ter interesse de ouvir a sua opinião? ” (True Outspeak – 10.03.2008)

* * *

Sempre fui cristão. Fui batizado na Igreja Católica quando eu era um bebê. Por volta dos meus 6 anos, eu e minha família fomos para a igreja protestante. Desde então, minha família frequentou inúmeras denominações, quase todas tradicionais, e nunca mais tive contato com o catolicismo.


A 'Idade das Trevas'

Com o advento do "Facebook" logo me envolvi em discussões com ateus (eu prefiro chamá-los “neoateus”, por fazerem parte de uma geração recente de ateus militantes e superficiais cujo maior “guru” é Richard Dawkins, mas tem entre seus expositores famosos Neil deGrasse Tyson, Sam Harris e Christopher Hitchens). Não tardou em aparecer o famoso argumento da Idade das Trevas: durante o período de mil anos entre 500-1500 a Igreja Católica oprimiu o Ocidente através do misticismo e da ocultação do conhecimento, além de perseguir oponentes por meio da Inquisição. Isto bastava para comprovar que a religião, especialmente o Cristianismo, está na contramão do progresso, da ciência e da liberdade individual.

Sendo cristão é meu dever conhecer e testemunhar da verdade. Então comecei a estudar a tal Idade das Trevas para verificar se a Igreja foi responsável por tamanha crueldade. Pobre de mim! Descobri que aconteceu exatamente o contrário: num milênio de caos, fragmentação política, invasões de povos selvagens e peste, a Igreja foi a única instituição ocidental a manter-se estável, um verdadeiro porto seguro. O conhecimento da época dos gregos e romanos foi preservado através de muito trabalho dos clérigos católicos, como por exemplo os monges copistas, responsáveis por copiar livros inteiros à mão. Em vez de combater a ciência, a Igreja foi por muitos séculos a única instituição a fomentar o desenvolvimento científico na Europa. Ela foi a criadora das universidades, seus clérigos traduziram muitas obras da época romana e grega, além de permitir que debates acalorados com pensadores de outras culturas acontecessem dentro das suas universidades.

Essas e outras contribuições da Igreja Católica ao mundo ocidental estão cuidadosamente listadas no livro "Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental", de Thomas Woods Jr (baixe gratuitamente aqui).


Quanto à famosa Inquisição minha surpresa foi ainda maior: aproximadamente 2000 pessoas foram condenadas à morte pelos Tribunais da Inquisição medievais (1231-1400dC). Durante as inquisições da Espanha e Portugal, as mais violentas, 6000 pessoas morreram nos 500 anos de duração dos tribunais eclesiásticos ibéricos. Considerando a população ibérica e europeia nos níveis da Idade Média (bem baixos, o que aumentará o valor que mostrarei a seguir, de forma a mostrar ao leitor o “pior caso” da Inquisição), temos que a pior inquisição, a ibérica (de Portugal e Espanha) condenou à morte 17 pessoas a cada 100 mil habitantes, por ano. A inquisição medieval, mais branda, condenou à morte 0,08 pessoa a cada 100 mil habitantes, por ano (fontes: Fordham University / Catholic Bridge). Só para comparar, no Brasil 22 pessoas a cada 100 mil habitantes morreram em acidentes de trânsito (dados de 2013).

O grande historiador protestante Phillip Schaff afirma em seu livro "History of the Christian Church” (vol. V, New York, 1907, p.524):

Para vergonha das igrejas protestantes, a intolerância religiosa e até a condenação à morte continuaram muito tempo depois da Reforma. Em Genebra esta perniciosa teoria foi posta em prática pelo Estado e pela igreja, admitindo até mesmo o uso de tortura e do testemunho de crianças contra seus próprios pais, com a autorização de Calvino. Bullinger, na Segunda Confissão Helvética, anunciou o princípio pelo qual a heresia poderia ser punida como os crimes de assassinato ou traição.”

Não se trata da tática petista de justificar um erro apontando o erro do outro. Tortura é inaceitável sob qualquer ponto de vista. No entanto, devemos ser justos e agir com a mesma rigidez no caso dos morticínios realizados por outros grupos, como protestantes (veja o caso dos Anabatistas e a caça às bruxas, fenômeno exclusivamente protestante – saiba mais aqui), islâmicos (sem comentários, os franceses que o digam) e mesmo ateus: durante a Revolução Francesa, que nos ensinam ter sido fundamentada nos princípios de “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”, foram mortas 140 mil pessoas em cinco anos segundo a Enciclopédia Encarta. Quer dizer, uma revolução de cunho ateu matou 100 pessoas a cada 100 mil habitantes por ano, 5 vezes mais do que a pior inquisição (só pra constar, no Brasil morreram 28 pessoas a cada 100 mil habitantes por homicídio em 2013: a Revolução Francesa matou 3 vezes mais que os criminosos brasileiros).

Para encerrar este assunto, a própria Igreja admitiu os abusos cometidos na Inquisição. Tanto que ela abriu os arquivos da Inquisição a um grupo de 30 historiadores reconhecidos internacionalmente, para que eles investigassem os fatos. 

Todos esses fatos sobre a inquisição católica estão documentados em vários livros, entre os quais destaco: "Atas do Simpósio sobre a Inquisição" (1998), de Agostino Borromeo, "A Idade Média que não nos ensinaram", de Regine Pernoud, "Sete Mentiras sobre a Igreja Católica", de Diane Moczar.


Este estudo sobre o papel essencial da Igreja Católica na Idade Média fez com que eu a admirasse. Mas isso era só o começo. No início de 2015 decidi então conhecer a fé católica. Se o papel histórico da Igreja Católica na Idade Média foi muito diferente do que me ensinaram, será que a fé católica não me surpreenderia também? Era isto o que eu precisava conferir.

Escolhi livros que explicassem a fé católica ao público protestante e testemunhos de conversões de protestantes ao catolicismo. São estes: "Catholicism for Protestants", de Shane Shaetzel, "Rome Sweet Home", de Scott e Kimberly Hahn (encontrado no Brasil sob o título 'Todos os Caminhos levam a Roma'), "Born Fundamentalist, born Again Catholic", de David Currie, e "A Fé Explicada", do Pe. Leo J. Trese. Todos os conceitos mencionados daqui em diante foram exaustivamente explicados nesses livros.

Da minha experiência pessoal, creio que os principais problemas dos protestantes/evangélicos com o Catolicismo são a veneração dos santos e de Maria. Existem outros pontos de conflito, mas estes dois são os primeiros que surgem à mente do protestante comum.

Naturalmente, estes foram os primeiros problemas que procurei por explicações. Tratam-se da Intercessão dos Santos. Por que o católico reza a Maria e aos santos? Isso não é idolatria? Não. O católico não considera a oração uma forma de adoração. Da mesma forma que pedimos oração a outros irmãos da igreja, o católico pede oração a pessoas que viveram vidas extraordinárias aqui e que agora estão vivas no Céu, diante de Deus.

Especificamente no caso de Maria, a mãe de Deus, creio que grande parte do problema protestante se resolva ao compreender como os católicos entendem a Intercessão dos Santos. Só resta acrescentar que ao católico é dogma de fé que Maria é a criatura mais santa dentre todas as criaturas de Deus. Os motivos dela ser assim considerada estão nos documentos da doutrina católica, e o estudo das doutrinas marianas chama-se Mariologia. Temos então o seguinte raciocínio:

1) A oração dos santos é mais eficaz porque eles estão em plena Comunhão com Deus, no Céu.

2) Maria é a mais santa dentre todos os santos.

3) Logo (aceitas as premissas 01 e 02), é razoável pedir que Maria interceda por mim diante de Cristo.

Ao entender isto, fica fácil entender também porque os católicos devotam tantas orações e cerimônias aos santos em geral e à Maria em particular. Eles não acreditam que santos são “deuses” e sim que os santos, hoje no Céu, são excelentes intercessores dos simples cristãos que estão aqui. Recomendo ler o que ensina oficialmente a Igreja a respeito de Maria: parágrafos 963-975 do Catecismo.

O último conceito que é útil estudar para entender os católicos neste assunto dos santos é a diferença entre adoração e veneração. Adoração é o culto prestado unicamente a Deus. Assim como na tradição judaica, o católico acredita que não existe verdadeira adoração sem oferecimento de sacrifício, que é o que acontece na Missa. O católico só oferece sacrifícios a Deus. Já a veneração é uma forma de prestar homenagem, uma demonstração pública de respeito. Da mesma maneira como homenageamos grandes personalidades políticas, artísticas ou dos negócios, o católico homenageia, dentro do contexto cristão, aqueles que viveram vidas exemplares.

Ao contrário do que muitos pensam, a Igreja tem 2 mil anos de idade e já estudou profundamente os Mandamentos de Moisés, em especial os dois primeiros (sobre a idolatria e imagens). O Catecismo faz um resumo (citando a Bíblia, como sempre) nos parágrafos 2129-2132.

Então, a meu ver, se é ilícito venerar os santos e encomendar-lhes orações, então é muito mais ilícito homenagear qualquer pessoa desta terra, ou pedir que algum irmão ore por mim. Se os santos, que viveram unicamente para Cristo, são indignos de homenagem, quão dignos seremos nós, meros mortais que não conseguem passar 01 dia se sacrificando por Deus?

Existem muitos bons livros dedicados a explicar a devoção mariana, seu surgimento e desenvolvimento na História e porque ela não é uma forma de idolatria. Recomendo três livros que tratam toda essa questão num único volume: "Behold your Mother", de Tim Staples; "Mary, Mother of the Son", de Mark Shea e "The Marian Mystery: Outline of a Mariology", de Denis Farkasfalvy. Estes livros demonstram que já nos primeiros séculos de Cristianismo havia devoção à Mãe de Deus.


Dos motivos de não continuar protestante

Entender essas práticas católicas serviria apenas para desmistificar a minha visão do catolicismo. Não foi isso que me fez mudar de vida. Foi somente quando estudei e refleti sobre dois assuntos pouco tratados pelos protestantes que fiquei numa posição insustentável e tive que tomar a decisão sobre minha fé.

O principal fundamento teológico do Protestantismo, isto é, de todas as denominações não-católicas que surgiram a partir do ano 1500 é o Sola Scriptura. Este princípio ensina que “somente a Escritura é a suprema autoridade em matéria de vida e doutrina; só ela é o árbitro de todas as controvérsias” (cf. http://mackenzie.br/6966.html, acesso em 26.7.2015). É ele que justifica a famosa pergunta dos "evangélicos": “Onde isso está na Bíblia?”. Esta é a pergunta que os católicos mais escutam dos protestantes.

O grande problema com o Sola Scriptura é que ele mesmo não é bíblico. Você leu isso mesmo. O princípio que afirma que a Bíblia é a única autoridade em matéria de fé não é bíblico. Não precisa acreditar em mim. Procure na Bíblia. Pergunte a qualquer teólogo protestante em qual parte da Bíblia está o Sola Scriptura. Ele não saberá responder. O que me deixou mais chocado foi descobrir que o Sola Scriptura é simplesmente aceito como um dogma, uma ideia que não precisa de provas [é irônico os protestantes acusarem os católicos de dogmáticos quando a base da crença protestante é um superdogma sem fundamento]. E isso não sou eu quem diz:

Existem evidências internas e externas da inspiração e divina autoridade das Escrituras, mas estes atributos não são passíveis de 'prova'. A única evidência que importa é o “testemunho interno do Espírito” no coração do leitor. Ênfase de Calvino: 'A menos que haja essa certeza [pelo testemunho do Espírito], que é maior e mais forte que qualquer juízo humano, será fútil defender a autoridade da Escritura através de argumentos, ou apoiá-la com o consenso da Igreja, ou fortalecê-la com outros auxílios. A menos que seja posto este fundamento, ela sempre permanecerá incerta' (8.1.71).
(Fonte: http://mackenzie.br/6966.html acesso em 26.07.2015)

Ou seja, a “prova” de que uma interpretação particular da Bíblia é inspirada por Deus é uma “certeza maior e mais forte que qualquer juízo humano”. Basta se sentir certo para estar correto(!).


Tome a seguinte afirmação: “Não existe verdade”. Quando alguém afirma isso já se contradiz, porque essa mesma frase é em si mesma uma verdade (ou a pessoa pensa que é uma verdade). Na verdade, o que a pessoa quis dizer é: “Não existe verdade – exceto esta aqui”. É um princípio arbitrário, afinal, só é verdade porque quem o enuncia diz que é verdade. Um princípio falho em si mesmo não pode ser verdade. É o mesmo problema do Sola Scriptura.

Sola Scriptura não encontra fundamentação bíblica e nem histórica. Os cristãos primitivos, aqueles que viveram nos primeiros 300 anos depois de Cristo, nunca pronunciaram o Sola Scriptura, pelo contrário. Todos acreditavam na necessidade de existir uma autoridade central, outorgada pelo próprio Cristo, para interpretar as Escrituras. Um testemunho famoso (mas não o único) é o de Santo Agostinho: “Eu não acreditaria no Evangelho, se a isso não me levasse a autoridade da Igreja Católica” (CIC, 119). Em sentido oposto, não há nenhum registro dos primeiros cristãos afirmando que as Escrituras são a única e suprema autoridade na fé.

Outro problema com o Sola Scriptura é que nos primeiros 300 anos de Cristianismo não existia Bíblia. É isso mesmo. O cânon, o conjunto dos livros cristãos que formaram a Bíblia, só foi definido e ntre 367 e 405 dC (curiosamente, até um historiador protestante reconhece estas datas: veja aqui). Durante todo esse período, qual foi a autoridade suprema dos cristãos em matéria de fé? Pior: até a invenção da imprensa em 1455 pouquíssimos livros estavam em circulação, porque eram de difícil produção e conservação. Assim, a quem os cristãos podiam recorrer durante quase 1500 anos, já que poucos deles tinham acesso às Escrituras?

Além disso, “pelos frutos os conhecereis”: hoje existem dezenas de milhares de denominações protestantes, e cada uma delas alega possuir a “verdadeira interpretação” das Escrituras. Quem está falando a verdade? Qual é a verdadeira fé e a verdadeira igreja? Qual o modo correto de interpretar a Bíblia? O que vale pra hoje e o que não vale mais? [o Espírito Santo entraria em evidente contradição, ensinando uma coisa a determinada comunidade e outra coisa diferente, – muitas vezes mesmo contraditória, – a uma outra comunidade?]

Para ilustrar a fragilidade do Sola Scriptura, elencarei os 5 pontos levantados no vídeo abaixo [já publicado anteriormente aqui em 'O Fiel Católico']:




1) Onde a Bíblia diz que eu devo provar alguma coisa pela Bíblia?

2) Por que a minha interpretação da Bíblia (em meu caso, fundamentando a doutrina católica) está errada e a sua correta? Eu também estou me guiando pela Bíblia, nós só discordamos no que ela quer dizer.

3) Talvez você não está compreendendo o significado correto da Bíblia. Um exemplo: se eu lhe escrever o seguinte bilhete: “Eu não disse que você roubou dinheiro.” você conseguiria entendê-lo? Parece que sim, mas uma frase de 07 palavras pode ter vários significados. Pode ser que EU não disse que você roubou dinheiro, mas alguém disse. Pode ser que eu não DISSE, mas posso ter escrito ou pensado que você roubou dinheiro. Pode ser que eu não disse que VOCÊ roubou dinheiro, posso ter falado de outra pessoa. Pode ser que eu não disse que você ROUBOU dinheiro, você pode ter perdido ou queimado dinheiro. Pode ser que eu não disse que você roubou DINHEIRO, você pode ter roubado outra coisa. Uma simples frase de 07 palavras tem pelo menos cinco significados diferentes, a depender da ênfase dada a cada palavra. Agora me responda: não é a Bíblia muito mais complicada que uma frase de 07 palavras?

4) O que está em confronto não é o que a Bíblia ensina, mas o que nós interpretamos da Bíblia.

5) De onde vieram os livros do Novo Testamento? Como eles foram parar na Bíblia? Quem afirma rejeitar a Tradição porque segue apenas a Bíblia não pode fazer isso, porque foi a própria Tradição católica quem escolheu quais livros pertencem ao Novo Testamento. Em lugar algum a Bíblia diz quais livros fazem parte dela. Então, o simples fato de ser “biblista” só é possível graças à Tradição católica.

A Bíblia não caiu do Céu. Durante quase 400 anos os cristãos lutaram para reconhecer, aos poucos, os livros inspirados, até que concílios católicos, compostos por bispos católicos, definiram os livros da Bíblia. Foi a autoridade da Igreja que encerrou a discussão sobre os livros inspirados.

Então, para encerrar este assunto Sola Scriptura, e resumindo toda a questão: não é bíblico, não é lógico, não é histórico e teve consequências catastróficas para o Cristianismo. Foi um conceito inventado depois de 1500 anos de Cristianismo. Sendo assim, é no mínimo prudente considerar que a posição católica (de acreditar na autoridade da Bíblia, mas também na da Tradição conservada pela Igreja) é no mínimo plausível. Não estou pedindo para você se converter, apenas para reconhecer que não é absurdo a Palavra de Deus não se restringir a um livro. Isto é o mínimo que se espera de alguém honesto consigo mesmo.

Por fim, o problema Sola Scriptura foi discutido exaustivamente por muitos autores católicos. Alguns livros que eu recomendaria a quem deseja saber como o católico trata esse princípio seriam estes: "Not By Scripture Alone", de Robert Sungenis (uma verdadeira 'bomba atômica' contra o Sola Scriptura), e "100 Biblical Arguments Against Sola Scriptura", de Dave Armstrong.

Diante de tudo isso, eu não podia mais aceitar o fundamento do Protestantismo, o Sola Scriptura. A Bíblia sozinha não é suficiente para resolver todos os conflitos da vida cristã. Simplesmente havia coisas demais sendo “deduzidas” (eu prefiro dizer ‘inventadas’) no calor do momento de uma época. Isso sem mencionar que a Bíblia é uma coleção de livros complexa demais para que um fiel comum, sem condições de estudar grego, latim, hebraico , aramaico, Filosofia e Teologia, pudesse interpretar de forma mais correta que o corpo de toda a Tradição cristã de 2 mil anos. Seria muita arrogância. Foi nesse momento que eu, pelo menos em consciência, deixei o Protestantismo.


Rome, Sweet Home
[Nota de Henrique Sebastião, editor de 'O Fiel Católico': o segundo Motivo que será apresentado pelo autor para deixar o Protestantismo, a seguir, é exatamente o mesmo Motivo final e definitivo de minha própria conversão à Igreja de Cristo]

Deixar o Protestantismo e todas as denominações protestantes é uma coisa. No entanto, faltava um motivo claro e inegável para eu aceitar a Igreja Católica.

Este motivo foi a Eucaristia.

A Eucaristia é centro de toda a fé católica. À distância, [até se] parece com a “Santa Ceia” dos protestantes, porém infinitamente mais carregada de sentido e importância: o católico acredita que na Eucaristia o pão e o vinho se transformam, milagrosamente, no Corpo e no Sangue de Cristo. Assim, podemos dizer com razão que o católico “absorve” o próprio Cristo, presente de maneira real na celebração da Eucaristia. Loucura? Canibalismo? Bom, os católicos não foram os primeiros a ouvirem essas acusações.

No Evangelho de João, capítulo 6, o próprio Cristo profere estas palavras:

Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a Carne do Filho do homem, e não beberdes o seu Sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha Carne é verdadeiramente Comida, e o meu Sangue verdadeiramente é Bebida. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em Mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de Mim se alimenta, também viverá por mim.
(João 6,53-57)

Logo em seguida, pela primeira vez em seu Ministério, Jesus perde discípulos por causa de um ensinamento. Eles consideraram essas palavras de Jesus “muito duras” (vs 60).

A resposta de todo protestante é alegar que Jesus disse essas palavras no sentido figurado, isto é, comer sua Carne e beber seu Sangue seria um símbolo. [Ora, é claro como água límpida que esta versão é simplesmente absurda! Se fosse apenas um símbolo, por que alguns ou muitos discípulos se escandalizariam a ponto de deixar de seguir Jesus? Eles estavam acostumados com as parábolas do Mestre. Por que razão apenas quando Ele ensinou que seu Corpo e Sangue, literalmente, se tornariam Pão e Vinho, e que os verdadeiros seguidores deveriam se alimentar dEle, criou-se tanto celeuma?]

Outro problema com essa versão é que ela faz de Jesus um insensível que gostava de induzir seus seguidores ao erro e à blasfêmia. Explico. Em todo o Evangelho (nos 04 livros, Mateus, Marcos, Lucas e João) Jesus Cristo fez questão de explicar o significado de suas palavras quando falava por meio de linguagem simbólica, ou em parábolas. Veja no caso do “nascer de novo” a Nicodemos (João 3) e em todas as parábolas (semeador, joio e trigo, videira, talentos, etc). Jesus Cristo, sendo Deus, não induz pessoas ao erro, ao pecado gravíssimo da blasfêmia. No entanto, justamente no caso da Eucaristia, Ele se calou. O único cenário que justifica Jesus permitir que vários dos seus discípulos O abandonassem é por ter dito exatamente o que Ele quis dizer. Não há forma mais clara de dizer que deveríamos beber Seu sangue e comer Sua carne.

Além da evidência do próprio Cristo, há a evidência histórica: já os primeiros Apóstolos, e seus primeiros sucessores, acreditavam que Jesus estava realmente presente no Pão e no Vinho da Ceia. É por isso que Paulo fez a famosa advertência em 1 Coríntios 11,29: “Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor.” É pecado grave participar da Ceia sem discernir ali o corpo de Cristo. Ora, se fosse apenas pão e vinho como símbolos do Corpo e Sangue do Senhor, porque esta tão severa e específica advertência?

Mais: ainda que os protestantes insistam em dizer que a Ceia é apenas um memorial, a palavra em aramaico que Jesus utiliza para falar de Seu corpo na Ceia é a mesma que Ele usa para falar de Seu corpo na cruz! Tornar o corpo de Cristo na Ceia simbólico é tornar a Crucificação simbólica(!).

Estas e outras provas a favor da Presença Real de Cristo na Eucaristia estão muito bem explicadas nos livros que eu grifei no meio deste relato. Além deles, o melhor livro sobre esse assunto provavelmente é "O Banquete do Cordeiro", de Scott Hahn.

Sabendo que o Cristo, capaz de sofrer uma morte cheia de torturas por nós, não seria capaz de perder discípulos por causa de uma confusão de palavras, eu não tenho motivos para acreditar em outra coisa que não seja o sentido literal das palavras de Jesus: que precisamos comer Sua carne e beber Seu sangue para ter vida em nós. E conhecendo que na Igreja Católica eu poderei participar do Banquete do próprio Cristo, o Noivo, o Cordeiro, e que Ele, Deus encarnado, encontra-se fisicamente presente na Santa Missa, somente o orgulho obstinado poderia servir de motivo para não me render à Igreja Católica Apostólica Romana.

O que mais eu deveria fazer se soubesse que Jesus Cristo está fisicamente presente em algum lugar?

E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.
(Mateus 28,20)


* * *


Este é o breve relato dos motivos da minha conversão ao Catolicismo. Não tenho a intenção de torná-lo um tratado religioso ou histórico sobre a fé católica e, por essa razão, não tratei de outros temas de conflito com protestantes. Pra isso existem centenas de (bons) livros, e eu posso indicar alguns ao leitor interessado e honesto, o primeiro deles é o “manual” católico, – o CIC. – Por fim, que estas palavras sejam acolhidas em terreno fértil, para que produzam muitos frutos para a glória de Deus, nosso Pai.

Em Cristo Jesus Nosso Senhor,
João Marcos
Olímpia, São Paulo, 28.07.2015

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Complemento da bibliografia recomendada e indicações do autor

1. Catecismo da Igreja Católica;



4. O excelente (foi o primeiro livro sobre a fé católica que eu li) "Catholicism for Protestants", por Shane Shaetzel. Neste livro o autor, católico bem no meio do Bible Belt (a região mais protestante dos EUA), responde de maneira curta, organizada e dentro da doutrina católica às dúvidas levantadas pelos protestantes. É um excelente material para começar a remover preconceitos sobre a Igreja.

5. "Coleção História da Igreja", por Daniel-Rops (10 volumes), além dos livros já citados no meio do relato.

6. Testemunhos de convertidos à Igreja Católica: eu sempre achei que só pessoas desonestas permaneceriam ou se converteriam à Igreja Católica. Estava redondamente enganado. E foi só depois que eu saí do meio (protestante) é que percebi como a grande maioria dos protestantes ainda pensa isso dos católicos. Espero que estes livros e vídeos ajudem a desmistificar esta falsa noção: 


• "Todos os caminhos levam a Roma", por Scott e Kimberly Hahn (leia a resenha); 


• "Ex-pastor Paulo Leitão se converte ao Catolicismo", um testemunho emocionante em vídeo (assista aqui); 
• O testemunho brilhante da conversão de Fábio Salgado à Igreja Católica (repleto de dicas de livros, leia aqui)
• "Lista de 201 ex-protestantes conversos ao Catolicismo" (leia aqui);

• Todos os membros da "Igreja Cristã Maranatha" (Detroit, EUA) se convertem ao Catolicismo (leia aqui). 

Com esses testemunhos espero que o leitor entenda que pessoas com motivos sérios, fundamentados, e com uma prática de vida piedosa, escolheram a Igreja Católica. Não é uma escolha por conveniência, malícia ou ignorância. Muitas dessas pessoas perderam amigos, familiares e todo seu círculo social de uma vida inteira quando escolheram a fé católica. Todas elas eram cristãos estudiosos, inteligentes, conhecedores da Bíblia e ativos na vida ministerial das suas igrejas. Se meu exemplo não basta, espero então que o exemplo desses irmãos em Cristo o ajudem a perceber que a fé católica não é uma mentira ou tradição de homens.
www.ofielcatolico.com.br
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