A Igreja e o carnaval: o cristão pode 'brincar' o carnaval?


O CRISTÃO PODE participar das festas do carnaval? Muitos o perguntam, todos os anos, e há muita confusão a respeito do assunto. A dificuldade está no fato de que a Igreja não tem prescrição formal a respeito, ao menos não há um documento que trate textualmente do carnaval propriamente dito. Ou será que a realidade não é bem essa?

Antes de tudo, precisamos reconhecer que existem festejos e grupos carnavalescos, principalmente em cidades interioranas e em Estados fora do eixo Rio-São Paulo, que comemoram o carnaval de maneira tranquila e saudável, e não é impossível encontrar ambientes onde se toque música decente e se encontrem pessoas que querem apenas descontrair, sem necessariamente cair nos abusos. Claro que não há pecado em se reunir com amigos e festejar o feriado, ou mesmo em procurar algum clube familiar para se divertir um pouco. Este artigo procura tratar o carnaval a partir de um ponto de vista mais genérico. Estamos falando daquilo que mais comumente se entende por carnaval, de suas origens e suas consequências.


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Esclarecidos estes pontos, afora exceções e falsos moralismos, vemos que não é assim tão difícil responder à pergunta que dá título a esta postagem, afinal. Enquanto cristãos, temos direito à hipocrisia? Até que ponto? E até que ponto é correto dizer que a Igreja silencia quanto ao tema carnaval?

É verdade que, como dissemos, os documentos oficiais da Igreja não falam – literalmente – do carnaval; mas diversos deles tratam, sim senhor, da obrigação que temos de evitar as ocasiões de pecado, e do quanto é isso importante.

Ocasião de pecado é toda circunstância, coisa, lugar ou pessoa que estimule as paixões humanas, seduzindo a pessoa a pecar. E atire a primeira pedra quem for capaz de afirmar, conscienciosamente, que os bailes e festas de carnaval atuais não são ocasiões mais do que propícias para todo tipo de pecado.



Não. Não há como negar que os bailes e festas de carnaval que temos hoje são tremendas, imensas ocasiões para o pecado. E verdadeiramente, segundo a Sã Doutrina de sempre da Igreja Católica, sob o patrocínio de Santo Afonso Maria de Ligório, "expor-se a uma ocasião próxima de pecado mortal, que se poderia evitar, já é pecado mortal de imprudência".

E é por esse caminho que vemos, hoje, a cristandade como que a se derreter, como cera próxima do fogo. A necessária reforma das consciências cristãs requer que se restitua às almas o horror pelo pecado. Não é possível querer ser cristão e continuar brincando com a própria salvação eterna, expondo-se aos sutis laços do Inferno. Assim, pergunta a Sagrada Escritura: “Pode alguém caminhar sobre brasas sem queimar os próprios pés?” (Pr 6,28).

E como já dizia um velho e experiente diretor de almas: “Em fugir ou não fugir da ocasião, consiste o cair ou não cair no pecado”. Este mesmo autor faz, ainda, uma curiosa observação:

Somos muitas vezes nós que tentamos ao diabo! Por quê? Porque somos nós os que buscamos a ocasião, somos nós que chamamos por ela; e buscar a ocasião em vez de ela nos buscar é, em vez de o diabo nos tentar, tentarmos nós ao diabo... (Pe. Manuel Bernardes, Sermões e Práticas, II)

Nada auxilia tanto os planos do demônio quanto as ocasiões de pecado. São como que emboscadas em que a todo momento aquela antiga Serpente prepara o bote. Logo, não há outra alternativa para o homem: ou a fuga das más ocasiões ou a morte espiritual. Adverte-nos Sto. Afonso de Ligório:

Um sem número de cristãos se perde por não querer evitar as ocasiões de pecado. Quantas almas lá no inferno não se lastimam e queixam: 'infeliz de mim! Se tivesse evitado aquela ocasião, não estaria agora condenado por toda a eternidade!'. (...) O Espírito Santo diz: 'Quem ama o perigo, nele perecerá' (Eclo 3,27).
(LIGÓRIO, Santo Afonso Maria. Escola da Perfeição Cristã, comp. de textos do Santo Doutor pelo Padre Saint-Omer, CSSR, 4ª edição, Petrópolis: Vozes, 1955, p. 44)



Sobre a festa do carnaval

Alguns imaginam que o carnaval tem origem brasileira, mas a festa existe desde a Antiguidade. De fato, não se conhece ao certo a origem do carnaval, assim como a origem do nome. Historicamente é uma festa popular coletiva, transmitida através dos séculos como herança de  antiquíssimas festas pagãs realizadas entre 17 de dezembro (Saturnais – em honra a deus Saturno, na mitologia grega) e 15 de fevereiro (Lupercais – em honra a deus Pã, na Roma Antiga).

Dentre os pesquisadores, correntes diversas adotam prováveis origens diferentes. Há os que defendem que a comemoração do carnaval tem suas raízes em alguma festa primitiva, de caráter orgíaco, realizada em honra do ressurgimento da primavera. Em certos rituais agrários da Antiguidade (10.000 aC), homens e mulheres pintavam rostos e corpos e entregavam-se à dança, festa e embriaguez. Outros autores acreditam que o carnaval tenha se iniciado nas alegres festas do Egito em honra à deusa Ísis (2.000 aC).

O carnaval pagão começa quando Pisistrato oficializa o culto ao deus Dionísio na Grécia, no século VII aC. O primeiro foco de grande concentração carnavalesca de que se conhecem fontes seguras acontecia no Egito: era dança e cantoria em volta de fogueiras. Os foliões usavam máscaras e disfarces simbolizando a inexistência de classes sociais.

Depois, a tradição se espalhou por Grécia e Roma, entre os séculos VII e VI dC. Nessa época, sexo e embriaguez já se faziam presentes na festa. Em seguida, o Carnaval chega em Veneza para, daí, se espalhar pelo mundo. Diz-se que foi lá que a festa tomou as características atuais: máscaras, fantasias, carros alegóricos, desfiles.

No início da Era Cristã, a Igreja deu uma nova orientação às festividades do carnaval. Ao contrário do que se diz, o catolicismo não "adotou" o carnaval, mas deu à festa popular um novo sentido, já que ela foi anexada ao calendário religioso antecedendo a Quaresma. A festa agora terminava em penitência, na Quarta-feira de Cinzas.

Entretanto, como se vê, lamentavelmente, apesar de a Igreja ter sempre tentado dar um novo sentido à festa da carne, não obteve nisso um grande sucesso. Se formos comparar o que ocorre hoje com as festas que ocorriam na antiguidade pagã, não veremos grandes diferenças. Orgias, embriaguez, brigas, violência... Excessos de todo tipo, enfim.

Como cristãos, somos sempre chamados a santidade, e o sentido original da palavra santo é "outro" ou "separado". Santo é aquilo/aquele que está separado do impuro ou do profano para o serviço de Deus. Não podemos, em situação alguma, fazer parte de algo que está em oposição a Deus.

Sempre é oportuno lembrar o que diz S. Paulo Apóstolo:

Não podeis beber ao mesmo tempo o Cálice do Senhor e o cálice dos demônios. Não podeis participar ao mesmo tempo da Mesa do Senhor e da mesa dos demônios." (1Cor 10,19-22)


Um interessante depoimento
do Prof. Felipe Aquino



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Ref.:
• Miguel Maria Claret - "A Cera e o Fogo"
• MONTFORT Associação Cultural
http://montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=cera_fogo&lang=bra
Acesso 01/03/014
• Últimas e derradeiras graças, "A Fuga das Ocasiões de Pecado: um dos mais graves deveres da vida espiritual", disponível em:
http://derradeirasgracas.com/3.%20V%C3%A1rios%20Assuntos/A%20Fuga%20das%20ocasi%C3%B5es%20de%20pecado%20.htm
Acesso 1/3/014
ofielcatolico.blogspot.com

7º Domingo do Tempo Comum, ano A, Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo S. Mateus (5,38-48)


“SEDE PERFEITOS como vosso Pai dos Céus é perfeito” (Mt 5,48). Esta frase do Evangelho é incômoda. Pode sem dúvida ser aplicada com um peso indevido. Sim, pois quem é perfeito nesta vida? E quantos, em busca de um ideal de perfeição, acabaram sucumbindo no meio do caminho ou ficaram paralisados diante de culpas ou de um sentimento de culpa demasiado? É interessante observar que esta fala de Jesus se dá depois de um longo discurso sobre o amor ao próximo. Isso indica que a perfeição exigida por Cristo não é uma exortação à impecabilidade absoluta, na vida ou no culto, ou de uma construção aparentemente impecável de pureza; nem tão pouco indica a necessidade de uma relação irretocável com Deus.

A nossa busca pela perfeição é um crescimento no Amor, que se concretiza por um novo modo de se relacionar com Deus e também com nossos irmãos. “Ao lermos as Escrituras, fica bem claro que a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. E a nossa res­posta de amor também não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pes­soais a favor de alguns indivíduos necessitados, o que poderia constituir uma "caridade por re­ceita", uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar ou anestesiar a consciência. A proposta é o Reino de Deus (cf. Lc 4,43); trata-se de amar verdadeiramente e praticamente a Deus. Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos” (Evangelii Gaudium §180). 

“Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem. Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos Céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,44-45). As palavras de Jesus devem nos incomodar, tiranr-nos do comodismo, fazer-nos dar mais do que aquilo que é justo, mais do que se pode calcular pela lógica da retribuição humana. É preciso entrar na dinâmica da gratuidade, que tem a sua força na encarnação do Filho de Deus: Deus que se torna humano e ama os pecadores, não retribui mal com mal, mas dá a vida também pelos seus agressores. Ele faz chover sobre maus e bons, não ama apenas os santos. Jesus nos ensina a amar de modo gratuito, sem prestar atenção no limite do irmão, pois somos todos falhos, pequenos, participantes solidários do pecado.

Diante dos enfrentamentos humanos, o primeiro movimento costuma ser a vingança. Parece ser justo retribuir o mal com o mal, destruir o agressor. É preciso ter consciência dos movimentos de nosso coração, com a clareza de que somos capazes de agredir, vingar, bater e até matar. A consciência de que somos também agressores ajuda-nos a crescer no Amor. É preciso que se tenha clareza de que é muito fácil e espontâneo viver uma vida narcísica, egoísta. Disse a poetisa Cecília Meireles: “É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste. É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada. É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre”. 

Estamos diante da concupiscência humana, esta fraqueza que nos faz tender sempre para o mal. Precisamos lutar contra esse tendência todos os dias, a todo instante. Diante do movimento de ódio e ressentimento, Jesus nos dá o remédio da oração. Não é possível orar por alguém sem que haja algum movimento positivo no coração. Quando oramos por alguém, amamos esta pessoa em Deus. Por isso, este é o primeiro passo para destruir a corrente de vingança e ódio. Dar a outra face não significa uma atitude ingênua e talvez meio suicida, mas sim a capacidade de dar uma nova chance. Todos, inclusive nós, queremos sempre uma nova oportunidade de tentar ser bom, de reconstruir o que foi destruído. 

É preciso viver o amor genuíno: o santo Amor de Jesus. Viver na dinâmica do ódio e da vingança é paganismo. Assim, o Evangelho nos questiona sobre o sentido mais profundo de nossa religião. Somos realmente seguidores de Jesus? Que atitudes nossas vêm demonstrando sintonia com as exigências desta Palavra de Deus? Só pela fidelidade no Amor é que podemos nos considerar filhos do Pai Celeste.

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Adaptado da homilia do  Pe. Roberto Nentwig, para o 7º Domingo do Tempo Comum, ano A, disponível em:

http://catequeseebiblia.blogspot.com.br/2014/02/homilia-do-7-domingo-do-tempo-comum-ano.html
Acesso 22/2/014
ofielcatolico.blogspot.com
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