REPRODUZIMOS NESTA postagem um pequeno debate, recentemente surgido neste site, com o objetivo de compartilhar com um maior número de pessoas (especialmente as que possam ter as mesmas dúvidas), as respostas católicas para as questões levantadas.
O início foi a mensagem enviada por um leitor que não se identifica, perguntando como responder a um "evangélico" que nos questione a respeito da intercessão da Virgem Maria, que segundo eles não poderia pedir por nós a Deus da mesma maneira como o fazem nossos irmãos cá da Terra, porque uma pessoa morta não pode rogar por ninguém. Respondemos da maneira mais resumida possível, nos seguintes termos:
Por acaso a Virgem Maria ou qualquer santo, qualquer pessoa que tenha deixado este mundo em estado de Graça, como filho ou filha de Deus e na fé em Cristo Jesus, está realmente "morta"? Quem pensa assim não crê realmente em Jesus, não crê em Deus, não crê na Escritura, não crê na Igreja. Pois o Senhor diz muito claramente que Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos (Lc 20,38). E diz ainda mais objetivamente: "Eu sou a Ressurreição e a Vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em Mim, nunca morrerá. Crês tu isto?" (Jo 11,25-26).
Os evangélicos só aceitam o que está na Bíblia, literalmente. – Pois os exemplos de que os santos estão vivos, no Céu (bem mais do que nós cá na Terra), são inúmeros.
• Jesus disse ao bom ladrão: "Ainda hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23,43). Jesus perdoou o ladrão, que morreu e foi imediatamente para o Céu [Jesus não disse: 'Agora você vai dormir até o Dia da Ressurreição, e aí nos veremos'...].
• O Livro do Apocalipse também mostra os santos diante do Trono de Deus, rendendo louvores ao SENHOR (especialmente no cap. 5).• Na parábola de Lázaro e o rico avarento (Lc 16), Jesus mostra como os dois estão bem vivos e conscientes depois desta vida, Lázaro no Céu e o rico avarento no Inferno.
• Na Transfiguração, Jesus se mostra glorioso a Pedro, Tiago e João, e ao seu lado aparecem Elias e Moisés, que já haviam falecido há muito tempo, e surgem bem vivos e conscientes ao lado do Senhor (Mt 17,1-9, Mc 9,2-8 e Lc 9,28-36).
Enfim, achar que a santíssima Virgem Maria ou qualquer santo está "morto" é uma simples negação da fé cristã. Como aconselha São Paulo, se cremos somente nesta vida, neste mundo, comamos e bebamos, que a vida é curta (1Cor 15,32).
Recebemos, então, a réplica que reproduzimos abaixo, de um outro leitor, – que também não se identifica:
“Acredito quem está "morto" não tem noção em relação a esse nosso mundo, já imaginou vc no ceu ou outro lugar de descanço e sabendo que um familiar seu está sofrendo por doença, depressão, prisão, drogada enfim qualquer motivo como vc ficaria teria realmente paz?"
Temos aí uma das novíssimas invenções pseudo-teológicas que "pastores" de seitas ditas neopentecostais andam pregando a partir de seus púlpitos, – infelizmente acolhidas passivamente pelas mentes mais ingênuas e despreparadas. – A esta réplica, respondemos como segue abaixo:
Essa ideia de que Deus deixa os mortos, – mesmo aqueles que morrem em Cristo, – numa espécie de "estado de hibernação", para que não sofram vendo seus amigos e parentes passando pelas dificuldades e dores do mundo, até o Dia da Ressurreição, é uma construção puramente humana, que nada tem a ver com a doutrina cristã, bíblica e apostólica: em outras palavras, trata-se de "invencionice" pura.
Estar face a Face com Deus, plenamente em Deus, imerso no mais perfeito e puro Amor, felicidade e bem-aventurança, esta é a completa e absoluta realização daquilo que entendemos por paz. Nada poderia abalar isso, também porque no Céu a compreensão da Justiça de Deus e da finitude desta vida terrena, com todas as suas mazelas, é plena. Saberemos que toda a dor e sofrimento deste mundo são nada comparados a Eternidade em Deus, e isto nos confortará.
É preciso tomar muito cuidado com as doutrinas inventadas e transmitidas pelos falsos profetas como se fossem "bíblicas".
Por fim, alguém não se conformou com a resposta, e veio a tréplica que deu o tema do conteúdo principal desta postagem, numa nova mensagem anônima:
“Então, se minha filha estiver sendo sequestrada e estrupada ou explorada ou qualquer tragédia entre meus parentes, eu sabendo disso não ficaria de forma nenhuma triste? Acho que o próprio Deus ficou triste com seu filho sendo torturado,morto na cruz ou não? E Jesus mesmo estando na terra, mas sendo Deus, que conhecendo a glória e sabendo da salvação de João Batista que estava indo para o Céu não ficou triste?"
Aqui entramos na abordagem do assunto principal deste artigo, que lhe dá o título, na resposta às últimas argumentações do nosso leitor anônimo. Abaixo:
Jesus, que é plenamente Deus, viveu entre nós como ser plenamente humano. Angustiou-se como homem, viveu as dificuldades próprias de homem, sofreu como homem. Isto é uma coisa. No caso da morte de João Batista, evidentemente, entristeceu-se mais pela grande injustiça do que pela morte do amigo, que foi na realidade uma libertação, e isso Ele sabia melhor do que ninguém. E o que Jesus mesmo nos diz?
“...Que em Mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo!" (Jo 16,33)
Neste mundo, todos vivemos aflições, dificuldades, dores, angústias, tristezas. Mas Jesus nos diz para não desanimarmos, que Ele está conosco, e diz que nEle teremos paz. Em que isto implica? Que estar em Jesus é, de algum modo, superar as aflições, ter a Consolação das aflições do mundo. Óbvio e certo. Pois bem. E se estar em Cristo, ainda que imperfeitamente, neste mundo, onde o vemos como que por um reflexo (conf. 1Cor 13,12), produz paz, imagine então a consolação plena que teremos no Céu, onde veremos Deus Pai, Filho e Espírito Santo face a Face, vivendo em Comunhão integral com Ele!
Existe todo um complexo e próprio ramo da Teologia que precisa ser estudado para se compreender estas questões, que são extensas e impossíveis de se esclarecer devidamente neste espaço tão exíguo. De todo modo, lembre-se que toda aflição humana parte do fato de vivermos numa realidade temporal: ordinariamente, um pai que perde um filho, por exemplo, só entra numa situação de terrível sofrimento porque ele só é capaz de enxergar a vida a partir da perspectiva temporal: ontem, hoje e amanhã. Ontem o filho estava aqui, hoje não está mais e, – pior, – não estará amanhã, não estará "nunca mais"! É esse pensamento e essa falta de perspectiva que fazem sofrer.
Se fosse capaz de compreender o tecido da realidade a partir de uma perspectiva divina, isto é, transcendente, a partir da Eternidade – para a qual não existe passado, presente e futuro, mas apenas o eterno e perene "Agora" de bem-aventurança – então este pai seria capaz de compreender que as dores da vida temporal são nada (nada de fato e não como força de expressão) diante da infinitude da Existência divina.
O tempo é uma criação de Deus; foi criado por Deus num ponto específico. Antes de existir o Universo, não existia o tempo, e até a inteligência humana é capaz de compreender isto, nos estudos avançados da Física, que sabe, inclusive, que a própria existência do tempo, propriamente dito, haverá de acabar, em algum outro ponto.
Logo, sabemos que, no Céu, a visão da realidade é completamente diferente da nossa, tanto que não podemos compreendê-la plenamente. Não é tão difícil entender, porém, que, a partir dessa perspectiva absoluta da realidade, todos os males, que tanto nos causam sofrimento, não existem objetivamente, por assim dizer.
Logo, sabemos que, no Céu, a visão da realidade é completamente diferente da nossa, tanto que não podemos compreendê-la plenamente. Não é tão difícil entender, porém, que, a partir dessa perspectiva absoluta da realidade, todos os males, que tanto nos causam sofrimento, não existem objetivamente, por assim dizer.
Este é um aspecto da questão: quando formos capazes de ver e entender a realidade sob a perspectiva da Eternidade, já não sofreremos mais pelas coisas temporais da mesma maneira como aqui, neste mundo e nesta vida, presos às nossas limitações físicas e humanas.
O outro aspecto, que completa esta resposta, é que somente no Céu teremos, também, a perfeita compreensão da Justiça divina – porque então nós a experimentaremos em nós mesmos (intimamente, em nossas almas, em nosso próprio ser), e não apenas intelectualmente. E a Justiça de Deus só se coaduna e harmoniza com o Amor-Caridade de Deus quando compreendemos integralmente que de todo aparente mal Deus tira um bem maior.
O outro aspecto, que completa esta resposta, é que somente no Céu teremos, também, a perfeita compreensão da Justiça divina – porque então nós a experimentaremos em nós mesmos (intimamente, em nossas almas, em nosso próprio ser), e não apenas intelectualmente. E a Justiça de Deus só se coaduna e harmoniza com o Amor-Caridade de Deus quando compreendemos integralmente que de todo aparente mal Deus tira um bem maior.
Esta verdade profunda é implícita em todo o contexto da Sagrada Escritura, e se revela em muitas passagens explicitamente, como na história de José do Egito, que podemos ler no Livro do Gênesis (cap.s 37-50): um filho de Israel que por inveja foi traído e vendido pelos próprios irmãos, como escravo, e levado ao reino do Faraó. Podemos imaginar destino pior do que esse?
A partir da perspectiva meramente humana, o que vemos é um mal terrível que se abate sobre a vida de um pobre inocente, vítima da inveja e do ciúme dos maus, e ainda pior: os maus, neste caso, são sangue do seu próprio sangue. Mas se olhamos o fato a partir da perspectiva transcendente, que é a perspectiva daqueles que vivem no Céu junto a Deus, vemos que o mal efetivamente não existe (e aqui estou tocando numa questão filosófica muito profunda, que merece uma abordagem bem mais extensa), pois, desse ato de maldade, a Providência divina interveio e honrou sobremaneira a José, a tal ponto que ele se tornou chefe na casa do Faraó, e mais do que isso: durante uma terrível crise de fome, foi José quem pode oferecer a salvação a seu pai e seus irmãos. A partir desta narrativa, podemos contemplar com outros olhos àquelas questões inicialmente propostas: tem o mal algum poder realmente efetivo sobre os homens? Pode o mal superar a Providência Divina?
A partir da perspectiva meramente humana, o que vemos é um mal terrível que se abate sobre a vida de um pobre inocente, vítima da inveja e do ciúme dos maus, e ainda pior: os maus, neste caso, são sangue do seu próprio sangue. Mas se olhamos o fato a partir da perspectiva transcendente, que é a perspectiva daqueles que vivem no Céu junto a Deus, vemos que o mal efetivamente não existe (e aqui estou tocando numa questão filosófica muito profunda, que merece uma abordagem bem mais extensa), pois, desse ato de maldade, a Providência divina interveio e honrou sobremaneira a José, a tal ponto que ele se tornou chefe na casa do Faraó, e mais do que isso: durante uma terrível crise de fome, foi José quem pode oferecer a salvação a seu pai e seus irmãos. A partir desta narrativa, podemos contemplar com outros olhos àquelas questões inicialmente propostas: tem o mal algum poder realmente efetivo sobre os homens? Pode o mal superar a Providência Divina?
Outros exemplos bíblicos que poderíamos citar, para exemplificar esta mesma realidade, são inúmeros: numa brevíssima análise, podemos ver o caso de Abraão, que mentiu para o Faraó diante das dificuldades (cf. Gn 12,18-19); de Jacó, que enganou o próprio pai meio cego, dizendo que era Esaú, para usurpar a benção do irmão mais velho (Gn 27,1.18-19); o do grande Moisés, que começou seu ministério de Libertador de Israel matando um egípcio (Ex 2,12). De todos estes pecados e maldades, Deus tirou um bem maior, convertendo seus efeitos de maldição e morte em benção e vida.
Assim como do esterco se colhem lindas flores, do mal Deus tira sempre um bem maior, e Santo Agostinho repete São Paulo Apóstolo: “Tudo contribui para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8,28), e conclui: “Tudo, até as quedas, pois delas podemos nos levantar mais humildes, mais vigilantes e mais fervorosos”.
Assim como do esterco se colhem lindas flores, do mal Deus tira sempre um bem maior, e Santo Agostinho repete São Paulo Apóstolo: “Tudo contribui para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8,28), e conclui: “Tudo, até as quedas, pois delas podemos nos levantar mais humildes, mais vigilantes e mais fervorosos”.
O maior de todos os exemplos, todavia – a suprema prova de que Deus sempre tira o bem do mal – é a existência do próprio Pecado, o mal dos males, que literalmente desgraçou toda a humanidade. Apesar de toda a tragédia, no fim, através deste mal maior, Deus nos trouxe o maior de todos os bens, a maior felicidade, a realização plena e final de tudo e de todos: Jesus Cristo, que nos elevou a uma dignidade maior que a de Adão. Tudo é Plano e Vontade de Deus. Não "era", não "foi", não "será": É.
Tudo o que expusemos até aqui não quer dizer que os santos que já morreram para este mundo e se encontram no Céu, em Deus, não se importem ou estejam alheios aos nossos problemas. Pelo contrário: eles interagem com o mundo e intercedem continuamente a Deus por nós (Ap 8,3-4; Mt 18,10). Mas a Sagrada Escritura também garante que "as almas dos justos estão na Mão de Deus, e nenhum tormento os toca" (Sb 3,1).
Outra grande chave para a compreensão do problema é saber que, para os santos, é um grande prazer e uma grande felicidade colaborar no trabalho da salvação de todos os homens e mulheres fiéis a Deus, conforme o papel que o Criador lhes atribui – intercedendo por nós, oferecendo suas orações – pois a realização do santo, isto é, daquele que foi feito filho de Deus, é cumprir a Vontade do Pai, honrando-o e glorificando-o em tudo. Os santos no Céu, portanto, não se atormentam exacerbadamente com os problemas daqueles que ficam na Terra, primeiro porque vêem as coisas a partir da perspectiva divina (sofremos porque só podemos ver e entender a partir da perspectiva humana limitada); e também porque sabem que, no fim, a Justiça de Deus se cumprirá. Justiça que só encontra sentido e cumprimento no perfeito e inesgotável Amor Divino.
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