“O problema é que as vezes o ensinamento da igreja católica é diferente do que a gente ve na igreja , os fiéis e até o que os padres ensinam., Sobre esse assunto Uma coisa que eu fico meio assim é quando a pessoa diz que é "católico mariano". Meu Deus não foi Jesus que salvou? Maria não é serva de Jesus também? então que história de 'mariano'?”
O ARTIGO SOBRE
adoração a Deus e veneração a Nossa Senhora gerou especial repercussão, e já esperávamos que seria preciso dizer mais sobre o tema. De fato, a experiência, inclusive de vida, me permite conhecer os principais anseios de católicos e não católicos quanto aos assuntos relacionados à Doutrina. E digo que este tema específico, a meu ver, é quase que um "ponto cego" na prática pastoral da Igreja. Por conta deste, católicos mal formados e mal orientados se vão; outros resistem ou recusam-se a retornar a ela. Digo-o porque temos, de um lado, padres marianos que, sempre entusiasmados em exaltar a Rainha do Céu, também se esquecem sempre de dizer, por exemplo, que Maria é humana, que também ela foi salva por Cristo e/ou que, em que pese toda sua grandeza, ela é serva de Deus também. É isso o que nosso consulente quer ouvir, para se sentir seguro, e tudo isso é doutrina 100% católica, embora talvez (tenho que reconhecer) muitas vezes não pareça. O que é óbvio para alguns não é tão óbvio para todos, por muitos motivos.
Lembro-me, por exemplo, de um grande evento católico, num grande estádio de futebol em que um conhecido arcebispo de uma das principais capitais brasileiras (por motivos óbvios prefiro não citar nomes), em dado momento da pregação, deixou escapar: "Estamos aqui adorando esta imagem de Maria...". Evidente que foi um ato falho; creio piamente que ele queria dizer "venerar", "honrar", "homenagear" ou algo assim. Em todo o restante do discurso ele usou estes termos, corretamente. O fato, porém, é que aquela frase equivocada, perdida, passou, aparentemente desapercebida no meio de um longo pronunciamento. Mas terá mesmo passado totalmente desapercebida? O que sei é que haviam milhares de pessoas presentes, ouvindo, por um breve instante, uma heresia da boca de um Cardeal Arcebispo. Foi uma situação que me marcou, porque aconteceu exatamente na fase de minha vida em que eu vivia o meu momento de reconversão, de retorno à Casa do Pai, depois de ter me afastado e vagado por diversas denominações protestantes. E naquela frase um sucessor dos Apóstolos pareceu confirmar algo de que os pastores protestantes acusam, falsamente, a Igreja Católica...
Não foi nada. Como eu sempre fui de estudar, de ponderar e procurar a verdade com diligência, de imediato soube reconhecer que se tratara simplesmente disso, de um deslize, um equívoco, um termo infeliz mal colocado numa frase. Mas não deixou de ser uma situação absurda, tal erro primário saindo da boca de um pastor de almas supostamente preparadíssimo. Por que isso acontece? Porque, talvez, falte algum pudor, algum cuidado maior para se falar deste assunto, de parte dos católicos, e isso escandaliza muita gente.
Outra questão importante –, ainda que secundária para o que nos interessa aqui –, é que muitos dos nossos pastores também se esquecem, e com muita frequência, de dizer que só existe uma "Nossa Senhora" –, a Mãe de Jesus –, e que os títulos que lhe atribuímos são sempre secundários. Testemunhava um padre amigo que, em certo pequeno município de São Paulo, numa certa procissão de Sexta-Feira Santa promoveu-se o "encontro das Virgens", isto é, de duas imagens diferentes de Nossa Senhora (se bem me lembro uma de Nossa Senhora das Dores e outra da Alegria!). Ora, ainda que haja, dentro de um contexto próprio, alguma razão catequética para tanto, não se pode negar que esse tipo de coisa provoca confusão. Só há uma Virgem Maria de Nazaré, como podem se encontrar "duas Marias" numa procissão, como se se tratassem de "duas santas" diferentes?
Bem, sei que não são poucos que pensam que cada imagem de Nossa Senhora, sob determinado título, é uma santa diferente da outra. Via de regra são pessoas humildes e muito simples, e não sei até que ponto podemos acusá-las, porque é fato que pouco se explica, nas homilias e pregações públicas, a este respeito.
Todo o exposto até aqui é real e me parece importante. Igualmente é verdade que, de outro lado, temos aqueles que, preocupados com a pureza da Doutrina, receiam em se entregar a uma devoção mais profunda, de intimidade e proveitoso relacionamento com a nossa poderosa Mãe do Céu. Isto acontece especialmente com aqueles que vem do protestantismo.
Pois é... Quando digo "poderosa" Mãe do Céu, sei que já estou potencialmente provocando polêmica, certo Artur? Sim, sim, nós, católicos, sabemos bem que Maria não tem poder
por ela mesma. Eu também poderia dizer "gloriosa Mãe de Cristo", e você gritaria que ela não tem glória, que toda glória pertence a Deus, que Deus não divide sua glória (como vimos no
estudo anterior)...
O problema todo tem a ver com palavras e, principalmente, com o significado das palavras ou o significado que se atribui a elas. Maria é criatura, ainda que uma criatura soberbamente agraciada, e como tal não tem o poder de realizar milagres, por exemplo, ou curar alguém por ela própria. Entretanto, o poder que ela tem é o da intercessão. E o poder da intercessão da Mãe de Deus, meu irmão, este é um tremendo, imenso, avassalador poder. Se este aqui fosse um site destinado ao público adolescente, eu diria que é um poder maior do que qualquer superpoder; algo que humilharia o
Superman, se ele existisse...
Este grande poder de Maria chegou a ser chamado "onipotência suplicante", e aí você vai se escandalizar de novo. Mas, como eu disse, é tudo uma questão de prestar atenção às palavras. Veja que não está a se afirmar que "Maria é onipotente"; fala-se, isto sim, em "onipotência (atenção)
suplicante". Pois é, esta segunda palavrinha faz toda a diferença entre o que seria uma blasfêmia e uma afirmação plenamente consonante à Doutrina cristã de sempre. Diz-se onipotência suplicante, porque Maria
consegue,
obtêm de Cristo,
suplicando –, por nós e pelo mundo pecador –, tudo.
"Tudo?", dirá você. Sim, eu respondo. Como assim? Se eu pedir a ela que me faça o homem mais rico do mundo, ela conseguiria isto por mim? Não, muito provavelmente isto ela não me daria por meio da sua intercessão. Ora, mas as suas súplicas a Deus, então, não são onipotentes? O problema aí é outro. Maria não obteria algo desse tipo porque, em primeiro lugar, ela não pediria isto a Deus. Simples assim. S. Tiago Apóstolo foi claríssimo ao falar sobre situações deste tipo em sua Epístola: "Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes com os vossos prazeres" (4,3).
As súplicas de Maria só são tão poderosas porque ela pede apenas aquilo que é conforme à Vontade de Deus, e ela só pede o que é conveniente porque vive no Céu em íntima Comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ela, que foi a mais obediente e mais conforme à Vontade do Pai dentre todas as criaturas, quando caminhava no mundo, agora, em Glória inacessível, está ainda mais perfeitamente alinhada àquilo que Deus quer, e o que Deus quer para nós é sempre o nosso bem maior. O nosso bem maior é a vida plena e eterna no Céu, portanto, pedidos fúteis ou que nos afastem deste bem maior não são feitos por Maria.
Assim, quanto se fala no "poder" de Maria ou nas "glórias" de Maria, é sempre dentro do contexto que acabamos de expor. Todo o poder vem de Deus; toda a glória vem de Deus. Quando alguém pede, por exemplo, uma cura a Maria, é sempre Deus Quem cura – e quantas curas os fiéis católicos obtêm por intermédio de Nossa Senhora! Se nos concentrarmos apenas em Lourdes, são muitíssimos os casos confirmados, com perícias e laudos médicos, sem contar aqueles (muitos!) que não chegam a ser estudados.
Logo, tem Maria poder por ela mesma? Não. Ela tem, isto sim, um poder de intercessão incomparável. Por isso é que, muitas vezes, padres e pregadores falam do "poder de Maria", das "glórias de Maria": é sempre o poder que Deus dá a ela, de obter grandes coisas por nós; as glórias incomparáveis que Deus dá a Maria, a mulher que Ele quis ter por Mãe.
Muito bem. Até aqui, creio que não há grandes dificuldades de compreensão. Mas os problemas recomeçam, novamente pelo mau uso que se faz das palavras. Lá vai algum padre piedoso, durante uma homilia, dizer que "Maria nos salva", e não esclarece o que está realmente dizendo com isso. Há até um cântico católico tradicional que diz, no refrão: "Doce coração de Maria, sede a nossa salvação"... "Oh! Está vendo? Só Jesus salva! Isto é idolatria! Heresia! Blasfêmia!", dirá Artur.
Nada disso. Quando você diz "Só Jesus salva", todo católico minimamente bem formado responderá, singelamente: "Amém!". É o que eu respondo sempre que me dizem isto, e percebo que essa reação causa espanto. Ora, é claro que só Jesus salva. Todos os documentos da Igreja, desde o início até hoje, a começar pela própria Bíblia Sagrada, afirmam e reafirmam esta verdade fundamental inúmeras vezes. E nós cremos que Maria, assim como os santos e anjos de Deus, conduzem-nos a Cristo, de muitos modos, por meio de suas súplicas incessantes.
Vejamos um exemplo prático e bem simples. Imagine um sujeito qualquer –, vamos chamá-lo João –, cuja vida vai de mal a pior. Ele está perdido em muitos vícios, afastado de Deus, sem fé, sem esperança, sem caridade. Um belo dia, um autêntico cristão chamado José, alguém de fé realmente ardente, pelo seu exemplo e com muita perseverança, convence o pobre João a ir à igreja. Indo à igreja e ouvindo a pregação, João, que estava desesperançado, vai se transformando por dentro, sua fé vai se reacendendo e, logo na próxima oportunidade, novamente José o leva à igreja; assim a coisa continua e com isso João, o pecador contumaz, de tanto ouvir falar de Cristo, volta a crer, aos poucos vai abandonando os seus vícios, até se arrepender completamente deles, confessar os seus pecados e, afinal, retomar a Comunhão com Cristo.
Pergunta: poderíamos dizer que José salvou João? Sim! José convidou, chamou, deu exemplo, persistiu, acompanhou e, assim, João reencontrou Jesus Salvador. Não foi José quem salvou João no sentido literal ou mais profundo, porque, se João afinal aceitou ir à igreja, antes de tudo, foi por misericórdia do próprio Cristo, por inspiração do Espírito Santo, que chama as almas à reconciliação com Deus. Todavia, José fez bem a sua parte, cumpriu a sua obrigação de cristão e, de algum modo, participou ativamente na salvação de João. João poderá dizer, sem errar: “José foi a minha salvação!”, porque o levou ao verdadeiro e único Salvador.
É mais ou menos isso o que se dá com Maria e os santos: eles pedem incessantemente a Deus por nós, oferecem-nos constantemente o exemplo de suas vidas, inspiram-nos a procurar Cristo. Que grande multidão de almas salvou-se (ainda que não diretamente
por eles)
por meio deles!
 |
Nossa Senhora é reverenciada em todo o mundo sob muitos títulos: esta estátua colossal da Virgem Maria fica no município de Santa Clara, Califórnia, EUA |
Adoração e veneração
“O problema é que as vezes o ensinamento da igreja católica é diferente do que a gente ve na igreja , os fiéis e até o que os padres ensinam (...)”
Haverá, então, diferença entre o que a Igreja prega e ensina "oficialmente" e o que pratica de fato? Já conversei com muitos protestantes e pentecostais decepcionados com suas comunidades e sinceramente desejosos de conhecer a primeira (e única) Igreja de Cristo sem preconceitos, com boa vontade e alma desarmada. Ao estudar o Catecismo e documentos pontifícios, encantam-se, mas escandalizam-se diante de muitas das práticas que veem em pessoas confessadamente católicas. Estudam os documentos da Igreja e encontram coerência, mas não podem aceitar certos costumes, que não compreendem. É por isso que venho aprofundar mais o problema proposto pelo leitor antes anônimo, que agora se identifica com o nome "Artur". Será que, na Igreja, o discurso é diferente da prática? Aprofundemos a nossa análise um pouco mais.
O escândalo se dá, por exemplo, ao ver alguém se prostrar ante um ícone, beijá-lo, falar diante dele como se falasse a ele. Antes de mais, é preciso distinguir o ícone de um santo de um ídolo. Um ídolo (do grego, εἴδωλον, eidolon) é um objeto, imagem ou criatura colocada no lugar de Deus; literalmente, é um deus falso. Isto é claramente proibido pelo primeiro Mandamento da Lei de Deus. Já o ícone representa um santo (quando não o próprio Cristo), que é uma criatura de Deus, mas que não é jamais colocada no lugar de Deus, ao contrário; remete a Ele, como vimos. Um santo é como uma ponte para Deus, uma seta que aponta para Cristo, um lembrete para a nossa salvação.
Fica clara, então, a grande diferença que existe, afinal, entre adoração e veneração. Sendo um ídolo algo que se coloca no lugar de Deus, então temos muitas possibilidades de trair o Primeiro Mandamento: posso idolatrar um(a) amante, um grande líder político ou mesmo religioso, um artista, um cantor, um músico, um grande esportista... Depende de como se lida com as pessoas que se admira, de como se "olha" para elas. Diante de qualquer criatura, seja pessoa ou objeto, há sempre uma escolha a ser feita: vê-la e tê-la como um ícone (do grego, εἰκών, eikon) ou como ídolo. O ícone remete a Deus, leva a Deus, homenageia a Deus. Muitos salmos louvam a Deus pelas belezas que criou; assim, qualquer coisa de que gostamos pode servir para nos levar mais perto de Deus, por gratidão, por reconhecer nesta coisa a sua Glória e Bondade. Mas, se elevamos aquele bem de que muito gostamos ao lugar de Deus, então idolatramos.
Na Sagrada Escritura, a própria Virgem Santíssima, cheia do Espírito Santo, declarou de si mesma: “Todas as gerações me proclamarão bem-aventurada” (Lc 1,48); além disso, o Senhor Jesus Cristo em Pessoa, por diversas vezes, referiu-se às pessoas “bem-aventuradas”: os humildes, os que tem fome e sede de justiça, os pacificadores, etc. Ele mesmo estava, assim, louvando tais pessoas, pelas virtudes que receberam do Pai, chamando a atenção para a ação de Deus em tais criaturas. Assim são os santos.
Quando os católicos veneram um santo, o que fazem, em última análise, é louvar a Deus e agradecer por Ele usar pessoas humanas, tão frágeis, para realizar a sua Obra. No caso de um ícone, que recorda alguma criatura, a mesma regra se aplica. Portanto, é licito venerar imagens, prostrar-se diante delas, falar com os santos diante dessas imagens, beijá-las simbolicamente, acender velas diante delas, oferecer flores. O II Concílio de Niceia diz com clareza que o culto prestado à imagem não se dirige à imagem em si, mas sim ao protótipo, ou seja, àquele que está no Céu. Deus resplandece sua Glória naquela criatura.
Assim, ajoelhar-se diante de uma imagem da Virgem Santíssima pode ser considerado idolatria? A resposta direta e honesta é: depende. Se esta imagem está sendo vista e tratada como um ídolo por aquela pessoa, ou seja, está sendo posta no lugar de Deus, então sim. Mas, se ela for vista como um símbolo, uma ponte que leva a Deus, que conduz para o culto e o louvor a Deus, na Glória eterna que só a Ele pertence, então não.
Agora, convenhamos: será mesmo que existam em nossos tempos muitas pessoas que confundam Deus com uma estátua? Algum ser humano racional poderá realmente acreditar que uma escultura feita por mãos humanas é a Criadora do Universo, a Fonte da vida e a Provedora de todas as graças? Responda o leitor.
Católicos 'marianos'?
A Igreja de Cristo, como o próprio nome diz, é cristã e, como tal, tem que ser católica (universal, que existe como 'Casa de Oração para todos os povos', cf. Mc 11,17; Is 56,7). Se, por piedosa devoção, nos colocamos como "marianos", ou dizemos que somos "tridentinos", "carismáticos" ou outra coisa, é preciso cuidado com essas expressões que são, por mais piedosas, sempre secundárias e mesmo dispensáveis. De fato e de direito, até pelo bem daqueles que não conhecem a Sã Doutrina (dentro e fora da própria Igreja), bastaria e seria mais correto, para todos os efeitos, dizer que somos cristãos e católicos. Ponto.
O termo "mariano" seria como que um subtítulo que, diga-se de passagem, foi adotado por diversos grandes santos no correr dos séculos. Ainda assim, permanece subtítulo e, como todo subtítulo, não é necessário, mas contingente/acidental. É algo semelhante ao que acontece com uma obra literária, que precisa de um título, para que possa ser publicada e logo catalogada, depois conhecida, procurada e, evidentemente, adquirida e lida pelo seu público. Mas não precisa de subtítulo: um subtítulo pode ser muito útil e enriquecedor –, desejável até –, em alguns casos. Mas permanece contingente.
O nosso "título", fiéis católicos, é este mesmo: "católicos", que é sinônimo de "cristãos". Podemos agregar a este título (necessário) um ou mais subtítulos (contingentes)? Sim. Isto é útil ou vantajoso, edificante para si mesmo e para as almas? Em certas circunstâncias, sim. Em outras, poderá se tornar contraprodutivo. Falamos aqui, especificamente, sobre o subtítulo "mariano", como poderíamos falar sobre vários outros: a Igreja, por ter crescido tanto, e tão admirável e rapidamente, desde jovem viu-se confrontada com a tentação da divisão entre seus filhos –, às vezes em grupos que terminavam por se opor uns aos outros –, não só pela diferença dos carismas, mas, infelizmente, também das personalidades, dos temperamentos e gostos particulares, coisas inescapáveis ao próprio gênero humano.
Em sentido estrito e absoluto, todo verdadeiro católico é mariano, pois que Maria Santíssima, sendo Mãe de Deus, é igualmente nossa Mãe do Céu, maravilhosa graça divina que recebemos diretamente do Cristo pendente da Cruz. Como dito, além de muitos santos, alguns dos sacerdotes mais dignos e fiéis que conhecemos se declaram "marianos". Todavia é igualmente verdade que todos eles entendem bem o que isto exatamente quer dizer, e sabem o que acabamos de expor: que o termo "mariano" é subtítulo. O título principal e suficiente –, porque basta por si só e não exige nenhum complemento –, é "cristão" e/ou "católico". Curiosamente, justamente por todo católico autêntico ser também mariano é que se faz dispensável essa subtitulação.
Sim, houve e há exageros
“Tudo aquilo que nos torna dignos de ser amados aos olhos de Deus nos vem d’Ele mesmo e só nos pode ser dado por seu amor soberanamente livre e gratuito. Digno de ser amado é o Bem, e nenhum bem, seja de que natureza for, pode vir senão da Bondade essencial, Fonte de todo bem.”
(Sto. Tomás, 1, q. 19, a. 3)
Deus, em sua infinita riqueza de perfeições, inclui em Si todas e quaisquer perfeições, quer as suas, quer as dos seres que Ele cria e que são reflexos ou participações nas perfeições d'Ele. Por isso a Igreja vive e se move, como rezamos na Missa, "com Cristo, por Cristo e em Cristo", Deus Conosco. Como tal, esta Igreja sempre teve clara a ideia de que o único digno de ser adorado é o mesmo Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Ninguém mais pode ser adorado, nem sequer a criatura mais pura, agraciada e bem-aventurada que jamais existiu, a ponto de ter-se tornado para nós o Tabernáculo da Nova e Eterna Aliança entre Deus e a humanidade. Absolutamente ninguém, ninguém a não ser Deus, merece e pode receber a nossa adoração.
Há uma disciplina complexa e talvez difícil, sob certos pontos de vista, que em nossos tempos chamamos "Mariologia". Algum tempo após a divisão trazida pela dita "reforma" protestante, este tema foi-se tornando, aos poucos, um dos mais espinhosos e também dos maiores pretextos para disputas inúteis e despropositadas. Em todo caso, somos também obrigados a reconhecer, por justiça, que, de nossa parte, na ânsia em enaltecer as virtudes e a dignidade especialíssima da Virgem, em certos momentos caímos no exagero. Certas máximas como a célebre "de Maria nunquam satis" ('de Maria nunca se dirá o suficiente'), atribuída a S. Bernardo de Claraval, foram sem dúvida mal interpretadas ao longo da História, ao ponto de ter gerado, sim, em certas situações específicas, idolatria.
Consta das biografias do Padre Pio, que tinha visões da Virgem (de suas cartas ao seu confessor), que o Padre, num desses êxtases, arrebatado pela "belíssima beleza" da Mãe de Deus, exclamou: "Ah, Mãe bela, és bela! Se não tivéssemos fé, os homens te chamariam deusa!"... Tal é a glória dada por Deus à Santíssima Virgem, Rainha do Céu, assentada à direita de seu Filho, o Rei dos reis, que às mentes fracas poderia oferecer o risco de queda, realmente, na idolatria.
Quem se espanta ao se defrontar, hoje, com a doutrina 100% herética intitulada "Maria Quarta Pessoa da Santíssima Quaternidade" (desgraçadamente nascida em seio católico), na maioria das vezes não imaginará que na História da Igreja já se tinha conhecimento de grupos de “cristãos” que caíram no erro de adorar a Virgem Maria como deusa. Segue a história de uma destas heresias e de como foi devida e imediatamente condenada pela Igreja.
As heresias são tão antigas como a própria história do Cristianismo. Por isso, a Igreja tem que atuar diligentemente para denunciá-las e para que o povo de Deus não seja confundido. No séc. IV, apareceu um grupo de autodenominados “cristãos”, conhecidos como coliridianos, os quais se reuniam num culto de adoração à Virgem Maria. Este estranho culto consistia, entre outras coisas, em oferecer bolos e pastéis à Virgem, em sinal de verdadeira adoração. Na realidade, eles não eram cristãos, mas uma seita gnóstica integrada majoritariamente por mulheres que tomaram a figura de Maria e a mesclaram com a dos deuses pagãos, no famigerado sincretismo que tanto infortúnio costuma causar aos verdadeiros cristãos. Logo, misturavam-se passavam-se por verdadeiros católicos, alguns dos quais já se misturavam com eles e os admitiam ao convívio fraterno.
Quando Santo Epifânio, bispo de Salamina (367-402), soube desta heresia, não tardou em denunciá-la e condená-la em nome de toda a Igreja Católica. Tal condenação pode-se ler em sua célebre “Paranión”, da qual consta o seguinte trecho:
“É ridícula e, na opinião dos sábios, totalmente absurda (a heresia coliridiana), pois aqueles que, com atitude insolente, são suspeitos de fazer tais coisas, prejudicando as mentes (…) que se inclinam nesta direção, são culpadas de terem causado pior dano.”
Santo Epifânio esclarece a diferença entre o verdadeiro culto a Deus e, do jeito mais singelo, direto e objetivo possível, como convinha aos santos bispos e teólogos do seu tempo, a primeira e mais pura verdadeira devoção à Virgem Maria, dizendo com total clareza: “Seja Maria honrada. Seja o Pai, Filho e Espírito Santo adorado; mas ninguém adore Maria”.
Também entre os montanistas orientais os chamados marianistas e filomarianistas adoravam Maria com "deusa". Vemos, então, que o perigo dos exageros é real, e apesar de toda a paranoia de alguns de nossos irmãos afastados, devemos reconhecê-lo. Esta é a atitude mais séria e honesta de nossa parte.
“A Santíssima Virgem 'é honrada com razão pela Igreja com um culto especial. E, em afeto, desde os tempos mais antigos, se venera a Virgem Maria com o título de Mãe de Deus', sob cuja proteção se achegam os fiéis suplicantes em todos os seus pedidos e necessidades. Este culto (…) também é todo singular, essencialmente diferente do culto de adoração a Deus, ao Verbo Encarnado, ao Pai e ao Espírito Santo, e o favorece poderosamente' (LG); encontra sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas à Mãe de Deus (cf. SC 103) e na oração mariana, como o Santo Rosário, 'síntese de todo Evangelho'”
(Catecismo da Igreja Católica §971)
___
Fontes e ref.:
1. ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de la Virgen Santissima, 4. ed. Madrid: BAC, 1856, P.841.• DIAS, Mons. João Scognamiglio Clá, EP. O Inédito sobre os Evangelhos: Comentário aos Evangelhos Dominicais. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2013.
• 'Quando a Igreja Católica condenou a adoração a Virgem Maria', disp. em
http://pt.churchpop.com/quando-igreja-catolica-condenou-adoracao-virgem-maria/
Acesso 25/1/017
• 'Culto aos santos e suas imagens', Padre Paulo Ricardo de Azevedo Jr. disp. em
https://padrepauloricardo.org/episodios/culto-aos-santos-e-suas-imagens
Acesso 25/1/017
www.ofielcatolico.com.br