3º Domingo do Tempo Comum, ano A, Mt 4,12-33: "Abandonaram tudo e O seguiam"...


NO EVANGELHO deste domingo, vemos Jesus iniciando a sua pregação. Ele está na Terra onde cresceu, a Galileia, norte da Terra Santa. Sai de Nazaré, vai para Cafarnaum, nas proximidades do lago, e inicia o anúncio do Evangelho. O texto deixa claro o conteúdo desta pregação: “Convertei-vos, pois o Reino dos Céus está próximo”.

Logo em seguida, o Senhor chama duas duplas de irmãos: Tiago e João, Pedro e André. Estamos falando das quatro primeiras adesões ao cristianismo, por assim dizer, - depois de Maria Santíssima, que foi a primeiríssima cristã, e de S. José, o grande patrono de toda a Igreja. - Aqueles quatro homens serão também Apóstolos e grandes amigos de Jesus, que compartilhará com eles, de modo especial, os momentos mais importantes de sua vida na Terra.

Vale a pena lembrar a contribuição de Santa Catarina de Sena para esta reflexão. Ela escreveu um livro muito conhecido, intitulado “Livro da Divina Doutrina”, popularmente conhecido como “Diálogo da Divina Providência” (também conhecido por 'Revelações') , porque esse livro foi escrito em forma dialógica, isto é, apresenta Sta. Catarina dialogando com Deus.

Na primeira parte desse livro, nos capítulos 60 e 63, Sta. Catarina fala dessa mesma passagem do Evangelho. Ela diz que nesse momento Jesus realizou a “primeira conversão” dos seus discípulos diletos. O importante, aqui, é notar que ela menciona um ponto meio esquecido da grande Tradição Espiritual da Igreja, que diz que a autêntica conversão se dá em três etapas ou estágios distintos no processo de nos tornarmos, efetivamente, santos, como Deus quer. São três conversões necessárias para alcançarmos o ponto máximo de santidade nesta vida.

Existem, de fato, muitos graus de santidade, e Sta. Catarina nos fala sobre eles, usando como analogia um castelo com muitas moradas. Tradicionalmente, porém, de forma geral, - e isso desde os santos Padres do deserto, - mencionam-se três principais estágios da vida espiritual, ou três conversões: o estágio dos iniciantes, o dos avançados e o dos perfeitos. Estes podem ser comparados às três fases principais da vida humana: infância, adolescência e fase adulta. E assim como para passar de fase na vida biológica enfrentamos certas crises, com certas dificuldades e a necessidade de adaptação, também ocorre na vida espiritual.

Sta. Catarina nos diz, no cap. 63 de seu Diálogo, que essa passagem do Evangelho, - onde o Senhor diz aos primeiros discípulos e Apóstolos: “Eu vos farei pescadores de homens”, - retrata o momento em que eles entraram para a primeira fase de sua vida espiritual: sua primeira conversão.

Para que se tenha uma ideia do que vão significar as fases seguintes de conversão desses discípulos, basta lembrar que eles irão viver, depois, uma grande crise nos momentos de prisão, cruz e morte de Cristo. E como em toda crise, há perigo, - neste caso, para a alma. – Vemos a reação inicial de Pedro, que num primeiro momento negou o Senhor por três vezes, vindo depois a converter-se. Vemos também a traição de Judas, que por fim entrou num total desespero, vindo a perder completamente sua alma.

Vemos então que o perigo é real, que e nem sempre o desfecho é feliz. Retomando o exemplo de Pedro, porém, vemos que o cristão pode atravessar essa crise, superando essa fase e mantendo-se fiel. Pedro atravessou-a e, por fim, tornou-se o grande Apóstolo de Cristo. Receber o Espírito Santo, em Pentecostes, foi para ele a terceira conversão.

O tema das três conversões é fascinante, e nos comprometemos a retomá-lo logo que possível. O Evangelho deste domingo, no entanto, trata da primeira conversão, e é sobre esta que iremos nos deter neste artigo. Para quem quiser aprofundar o assunto desde já, recomendamos o primoroso livro do Pe. Reginald Garrigou Lagrange, O.P., intitulado “As Três Vias e as Três Conversões” (Ed. Permanência), que você pode adquirir aquiaqui ou aqui. - Uma leitura que realmente vale muito a pena.

Sobre a primeira conversão, é interessante, - e triste, - notar que a grande maioria dos cristãos não passa dessa fase. Se fôssemos estabelecer uma estatística, é bem provável que perceberíamos que acima de 90% de todos os cristãos que vão a Missa e comungam, em estado de Graça encontram-se neste primeiro estágio. Por quê?

É importante recordarmos que, para chegarmos a esta primeira fase, a iniciativa é sempre de Deus. No Evangelho que estamos refletindo, vemos que é Jesus quem vê e chama aqueles irmãos. É Jesus quem “invade” a nossa vida com o seu Chamado. Em toda conversão, é Deus Quem age por primeiro. - Se dissermos o contrário, caímos na heresia do semipelagianismo, (condenado pelo Concílio de Orange, em 529aD), que diz que a iniciativa para a salvação parte do homem. A doutrina cristã diz que esse pensamento está errado, pois é sempre Deus Quem nos busca e nos chama, dando-nos ao menos a graça do desejo por Deus e de sermos capazes de "ouvir" o Chamado divino e de aceitá-lo.

E nesse primeiro passo, muitas vezes, a pessoa vive já uma crise. Ela é atravessada pelo Chamado divino, como no Evangelho em que meditamos, em que vemos Jesus dizendo àqueles homens que abandonassem suas redes e o seguissem. Observe bem que a proposta era para que eles deixassem tudo de lado, suas vidas, seu trabalho, suas famílias... E simplesmente o seguissem. Isso não é uma coisa fácil, e pode gerar um certo sofrimento inicial.

Se a pessoa "deixa suas redes", metaforicamente, isto é, a sua vida antiga, para seguir Jesus, ela tem ali, pela primeira vez, plantada a Semente Divina em seu coração, por assim dizer. Essa Semente da Graça, plantada na vida da pessoa que é chamada por Deus, é algo que eleva o ser humano acima de toda a Criação, até mesmo da condição dos anjos, que também precisam da Graça santificante para serem introduzidos na Visão de Deus! Se formos olhar para todo o Universo, nada se compara a condição do homem que recebe e aceita esse estado da Graça divina, oferecido por Deus!

No Evangelho, os Apóstolos prontamente aceitam o Chamado. A partir dali, passam a reconhecer a sua miséria, sua condição precária, porque ao conviver com o Senhor olharam para si mesmos e viram o quanto eram pequenos, o quanto andavam antes perdidos. O Evangelho de Lucas conta como Pedro, após a pesca milagrosa proporcionada pelo Senhor, ao reconhecê-lo como tal, prostrou-se aos seus pés e disse: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador! " (Lc 5,8). - Vemos aí a realidade do ser humano que, ao se colocar diante da Luz de Deus, olha para si mesmo e vai se reconhecendo cada vez mais miserável.

A pessoa que se converteu, desde o começo, possui um amor sincero por Deus. Mas, - aqui está o problema, - ela ainda mentém uma espécie de "mistura" dentro de si mesma. Os iniciantes têm, sim, amor por Deus, mas ainda conservam, também, o amor desordenado por si mesmos provocado pela concupiscência, o que faz com que caiam constantemente em pecados veniais. Por um lado o principiante vai conhecendo Jesus, compreendendo seus Mandamentos, e vai aos poucos correspondendo a esse Amor, evitando os pecados mortais, fugindo das ocasiões de pecado e assim, após uma luta generosa, depois que realmente se desfaz de "suas redes", depois que abandonou tudo para seguir Jesus, vem a consolação.

Podemos recordar a passagem do Monte Tabor, quando S. Pedro vê Jesus Glorioso, e então se sente tentado a permanecer ali, dizendo: “Armemos por aqui as nossas tendas!” (Mt 17,1-9; Mc 9,2-8; Lc 9,28-36; 2Pd 1,16-18). Ele queria permanecer ali, naquele estado de êxtase, de felicidade infinita, consolado, contemplando a Glória Divina infinitamente. Assim também, quando a pessoa deixa generosamente o pecado e seus apegos, quando pede auxílio divino a vai vencendo a si mesmo, passa a receber de Deus uma consolação sensível. Em suas orações, passa a perceber mais nitidamente a Presença de Deus. Essa pessoa quer rezar mais, quer expressar a sua alegria, então procura participar de grupos de oração e de louvores. Na Santa Missa começa a haver um grande prazer. Mas muitos não percebem que este é apenas, ainda, o princípio das consolações de Deus, como diz S. Paulo Apóstolo na sua primeira carta aos coríntios (3,2):

“Não é como a homens espirituais que vos pude falar (isto é, à gente progredida, a homens adultos na fé, aos avançados), mas sim a homens carnais, como crianças em Cristo. Eu lhes dei leite para beber e não alimento sólido, pois ainda não sois capazes de o absorver.” (1Cor 3,2)

Deus nos consola, nos dá o primeiro “alimento”, uma suave consolação, ao rezar, ao cantar louvores, etc. O problema é que essas consolações, dadas por Deus, a partir de um certo momento podem se tornar um obstáculo, um perigo em nossa jornada espiritual. E assim chega um certo momento em que Deus “fecha as torneiras” das nossas consolações. Por quê? Porque há muitos que desenvolvem uma certa “gula” pelas consolações espirituais, e que aos poucos vão deixando de buscar o Deus das consolações para buscar as consolações de Deus. Já não querem mais buscar, amar a Deus e servi-lo, mas sim viver fortes e renovadas emoções a cada dia. Alguns outros vão se tornando curiosos demais, ambiciosos pelos dons, como o da profecia, por exemplo. É um orgulho espiritual inconsciente.

S. João da Cruz diz, dessa primeira fase da conversão, em sua famosa obra “A Noite Escura”, diz que nessa fase os pecados capitais, como a gula, a luxúria e o orgulho, vão se tornando pecados espirituais. - Ao invés de ter gula por comida, o recém convertido passa a ter gula pelas consolações de Deus. Ao invés de ter a luxúria sexual, carnal, passa a desejar os prazeres espirituais. Do mesmo modo, a soberba já não é mais pelas qualidades temporais, mas a pessoa passa a se sentir muito "especial", superior aos seus próximos, mais santa, mais “ungida”, especialmente "escolhida"...

Evidente que houve um progresso, um avanço, uma mudança para melhor. Houve uma conversão. Mas é nítido, porém, que essa pessoa precisa, realmente, de uma outra conversão: esta é a chamada segunda conversão. O iniciante ama a Deus, sim, mas ama a Deus ainda com grande uma mistura de sentimentos. Ama a Deus, mas conserva ainda um amor desordenado por si mesmo, que teimosamente persiste. Este amor desordenado por si mesmo é a grande dificuldade neste estágio da vida espiritual. Sta. Catarina de Sena, no sexto capítulo de sua obra, trata dessas pessoas, dizendo que elas querem servir a Deus mas procuram nisso uma certa "utilidade" egoísta: sua própria consolação. E Deus diz a Catarina que esse amor assim "misturado", impuro, esfria com o tempo, por isso lhes retira as consolações iniciais e os envia lutas e contrariedades, revelando, porém, que age assim para levar os convertidos à perfeição.

Esse momento de lutas e crises, - que pode levar ao desânimo ou à segunda conversão, - para os Apóstolos veio no momento da crucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Como já vimos, é uma fase que traz perigos. Muitos, ao passarem da infância espiritual para a adolescência, não resistem às dificuldades e acabam abandonando tudo. Eram iniciantes, mas vão deixando de ser almas principiantes e se tornando almas retardadas no sentido de atrasadas, embotadas. São como crianças que deveriam crescer e amadurecer, mas não crescem nunca. E os atrasados, em algum momento, desistem. Na vida espiritual, assim como em outras instâncias da vida, ou nós progredimos ou regredimos. Não existe a opção de permanecer estagnado.



Quando nos convertemos, chega um ponto em que precisaremos deixar as resquícios de pecado que permanecem ainda em nossos corações e passarmos para uma segunda conversão. Nessa fase, as tentações muitas vezes retornam com força, especialmente no campo da paciência e da castidade. Pessoas que já tinham vencido certos pecados grosseiros voltam a ser tentados, muitas vezes com ainda mais força, e se não souberem se configurar a Cristo também (talvez principalmente) nas fases de dor e dificuldades, acabam desistindo.

A fase inicial, a fase da infância espiritual, que traz certas consolações para aqueles que se esforçam em progredir na jornada, é seguida por uma fase difícil e perigosa. Na primeira fase, o abandono do pecado e a vida no estado de graça, há alegria e consolação. Quando isso acaba se tornando pedra de tropeço para o convertido, Deus retira as consolações e põe o fiel à prova. É o que S. João da Cruz chamou “noite dos sentidos” (ainda não é a “noite escura da alma”, que é para os bem mais progredidos): uma aridez que confunde.

Se você vive essa fase, não se preocupe. Você está sendo convidado por Deus a avançar para uma nova e riquíssima fase!

Um breve post como este, evidentemente, não serve para esgotar um assunto tão profundo e tão extenso, mas esperamos que esta nossa abordagem sirva para uma primeira tomada de consciência.

___
Ref.:
Site Padre Paulo Ricardo, artigo "A primeira conversão", homilia do 3º Domingo do Tempo Comum,  ano A, disponível em
http://padrepauloricardo.org/episodios/iii-domingo-do-tempo-comum-a-primeira-conversao
Acesso 25/1/014
ofielcatolico.blogspot.com

6 comentários:

  1. O post é maravilhoso como o blog Fiel católico. Fiquei curiosíssimo para ler “As três vias e as três conversões” do padre Lagrange. Já tinha ouvido falar agora despertou a sede.

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    1. Vale a pena adquirir e ler o livro. É para aqueles que não se contentam em ir à Missa aos domingos e deixar de comer chocolate no tempo da Quaresma, mas querem descobrir o significado profundo do Caminho da Vida, que é Cristo Jesus.

      Apostolado Fiel Católico

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  2. Artigo, excelente! Já me ajudou bastante com umas duvidas que eu tinha. Que Deus te abençoe irmão.

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    1. Nós é que agradecemos pela participação e confiança em nosso apostolado. Damos jubilosas graças a Deus quando nossa intenção de dar testemunho da verdade é alcançada.

      Abraço fraterno e a Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo

      Apostolado Fiel Católico

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  3. Olá, irmãos!
    No dia 01/02/2014 iniciaremos formações mensais no movimento na qual participamos. Os temas serão voltados aos valores cristãos. Coube ao meu grupo abordar o Sacramento da Penitência.
    Irmãos, ontem fizemos nossa segunda reunião de preparação e estávamos em 10 jovens. Utilizamos o CIC como base de formação, o blog O Fiel Católico e o blog do padre Paulo Ricardo. Como seremos formadores precisaríamos partir para o encontro com material concreto e eficaz.
    Como foi maravilhoso a preparação da formação e como eles ficarão encantados com as fontes que apresentei na qual esse blog faz parte.
    Acredito, com base no texto acima, que realmente construiremos nossa conversão, se realmente buscarmos em fontes que nos libertam. Os jovens querem autenticidade religiosa e querem o desafio de evangelizar. Basta que acreditemos e que fomentemos isso.
    Que o Senhor os capacite mais e mais com textos maravilhosos como este para que possamos mudar de estágio em nossas conversões. Que Maria Santíssima rogue por todos do blog O Fiel Católico.
    A paz de nosso Senhor Jesus Cristo.

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    1. Prezadíssimo José Antônio, depoimentos como o seu nos enchem de alegria, pois todo o o nosso trabalho tem exatamente essa finalidade: a conversão real e consciente, a formação sólida de todos aqueles que anseiam pelas verdades do Evangelho.

      Agradecemos pelas palavras de encorajamento, e pedimos, sim, que rezem por nós, que se lembrem de encomendar nosso trabalho à proteção de Maria Santíssima, para a Glória de Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

      Abraço fraterno e a Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo

      Apostolado Fiel Católico

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