Os santos podem interceder por nós ou encontram-se dormindo esperando o dia do Juízo?


DESDE O INÍCIO, a Igreja sempre ensinou que aqueles que morreram na Amizade do Senhor intercedem pelos que ainda se encontram na Terra. Essa doutrina, perfeitamente bíblica e totalmente coerente com a Fé dos cristãos desde sempre, é denominada intercessão dos santos. Diz o Catecismo da Igreja Católica:

Pelo fato de os habitantes do Céu estarem mais intimamente unidos com Cristo, consolidam mais firmemente a toda a Igreja na santidade. (...) Não deixam de interceder por nós ante o Pai. Apresentam, por meio do único Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, os méritos que adquiriram na Terra. (...) Sua solicitude fraterna ajuda muito à nossa debilidade."
(CIC §956)

Para a Igreja de Cristo, portanto, os santos intercedem por nós junto ao Pai, não por seu próprio poder, mas pelo Poder de Cristo, Nosso Senhor, único Mediador entre Deus e os homens para a nossa salvação. Os adeptos do fundamentalismo bíblico, porém, costumam apresentar objeções à este ensinamento. Tais objeções podem ser divididas basicamente em cinco categorias. Neste estudo buscaremos analisá-las e respondê-las, uma por uma:


Objeção 1:
Jesus Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens


Acabamos de ver que a Igreja Católica não nega a exclusividade da Mediação de Nosso Senhor. Mesmo assim, esta continua sendo, baseada na leitura literal de uma passagem da Sagrada Escritura, a principal das objeções à doutrina da intercessão dos santos. A passagem bíblica em questão, evidentemente, é 1 Timóteo 2, 5: "Pois há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens; um homem: Cristo Jesus". No entendimento de algumas pessoas, aqui a Sagrada Escritura não deixa dúvidas de que só Jesus pode interceder pelos homens junto a Deus.

E tais pessoas estão certas, sim, neste ponto específico. Não há nenhum santo – nem Pedro nem Paulo e nem a Santíssima Virgem Maria – que possa interceder por nós junto a Deus no sentido de salvar as nossas almas, de nos resgatar do Pecado e da morte. "Só Jesus salva!", costumam bradar os nossos irmãos afastados mais exaltados quando falamos dos santos, e a isso nós devemos responder, simplesmente, com um sonoro: Amém! Sem nenhuma dúvida, de todos os que pisaram esta Terra, somente Jesus é Deus, e somente Ele, sendo Deus, se fez Cordeiro Imolado para a nossa salvação: o único Sacrifício capaz de nos resgatar do Pecado e da morte é o de Cristo, insistimos mais uma vez, porque esta é e sempre foi a nossa fé e a verdadeira doutrina católica.

Então, em que sentido cremos na intercessão dos santos? Neste ponto, prezado leitor, abro parênteses para deixar um testemunho pessoal: ocorre que eu mesmo, há anos, andava perdido, desorientado e confuso, procurando Deus numa série de falsas doutrinas. Cheguei a acreditar na validade da necromancia como caminho para chegar a Deus, pois achava que todas as religiões eram iguais e que procurar conhecer a "retrógrada" Igreja Católica seria uma perda de tempo...

Entretanto, através do testemunho e do exemplo de uma série de bons e fiéis cristãos católicos, acabei conhecendo a verdadeira Igreja Católica. E percebi que a Igreja que eu imaginava era apenas uma espécie de espantalho, uma falsidade pintada por falsos profetas, completamente diferente da Igreja Católica real – aquela que de fato existe.

O que eu ouvia dizer da Igreja, nas falsas religiões que eu frequentava, era uma caricatura, uma imagem totalmente distorcida da realidade. Através de um longo e progressivo processo de conhecimento da Igreja, rezando com fé e estudando com honestidade os primeiros Padres, a História da Igreja desde o início, a vida dos santos, o Catecismo, conversando com bons padres e assistindo com frequência à Santa Missa, fui agraciado com o conhecimento da Verdade que eu tanto procurava.

A minha vida se tornou, então, cheia de Luz e da Graça divina, e hoje eu posso dizer que conheço, a cada dia um pouco mais, o verdadeiro Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Agora navego em segurança, na ilustríssima companhia de incontáveis santos e santas, os do Céu e alguns cá da Terra, por este mar muitas vezes bravio, a bordo do grande Barco da Igreja.

Essa é uma longa história, mas por que mencionei agora a minha experiência de vida? Porque o meu exemplo é perfeito para ilustrar a ideia que tento transmitir: foi através do testemunho e do exemplo dos bons católicos que eu encontrei o verdadeiro Cristo, e, n'Ele, encontrei a salvação. Sendo assim, eu poderia dizer que esses bons cristãos me salvaram? De certo modo, sim, embora Quem tenha me salvado verdadeiramente tenha sido Jesus – e unicamente Ele poderia fazê-lo. Mesmo assim, daqueles que me conduziram ao Salvador eu poderia dizer que foram, sim, em um certo sentido, meus "salvadores". Porque eles foram como que reflexos do único verdadeiro Salvador, que é Cristo. – E é exatamente isso o que todo cristão fiel deve ser neste mundo: um reflexo de Cristo.

Outro exemplo: imagine-se, leitor, perdido num deserto, vagando há vários dias, já quase a ponto de morrer de sede: um viajante passa por você, conduzindo um jipe; ele não para, não lhe presta socorro nem lhe dá de beber, mas indica a direção que você deve seguir para se salvar. Desesperado, você segue a orientação desse viajante, segue o caminho que ele indicou e logo encontra uma habitação; ao bater na porta, alguém muito caridoso prontamente o atende, o acolhe e lhe dá água fresca, alimento e um leito para descansar. Além de tudo, essa alma bondosa lhe permite usar o telefone, para que você peça ajuda e possa enfim retornar à segurança do seu lar. Pois bem: sua vida foi salva. Quem o salvou? O viajante não lhe deu água nem alimento, nem mesmo carona. Quem lhe deu água, comida, descanso e a possibilidade de retornar ao lar foi o dono da casa. O viajante, porém, indicou o caminho até ele.

O mesmo ocorre com a intercessão dos santos. Eles mesmos não são o Caminho. O único Caminho para a salvação é Jesus; insisto que somente Ele se deu em Sacrifício para a nossa salvação, e que só Ele poderia fazê-lo. Mas os santos nos indicam o Caminho e, mais do que isso, são agentes do próprio Salvador a caminhar junto conosco; levam nossas intenções a Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Agora veja: se alguém crê naquilo que está escrito na Bíblia, também precisa crer na intercessão dos santos. Não podemos tomar uma parte isolada da Bíblia, acreditar somente nesse trecho particular e descartar todo o resto. Se cremos nas Sagradas Escrituras, precisamos crer em toda ela, meditar em tudo o que diz, e tudo dentro do seu devido contexto. E por acaso não ensina o Apóstolo Paulo, nas mesmas Escrituras, que os cristãos devem dirigir orações a Deus em favor de todos? Vejamos o que diz o primeiro versículo da própria 1 Carta a Timóteo:

Acima de tudo, recomendo que se façam pedidos, orações, súplicas, e ações de graças por todos os homens, pelos reis e todos os que detêm autoridade, para que possamos viver uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e dignidade."
(1Tm 2,1)

Ora, quem pede a Deus pelo outro, com "pedidos, orações e súplicas", está intercedendo pelo outro junto a Deus. Sim, S. Paulo nos pede abertamente, no versículo 1, que antes de tudo sejamos intercessores junto a Deus, uns pelos outros. E é logo adiante, nessa mesma Epístola, no versículo 5, que ele vai dizer que só Jesus é nosso Mediador. Estaria o Apóstolo se contradizendo?

Também na Carta de S. Tiago, capítulo 5, versículo 16, está escrito o seguinte:

Confessai uns aos outros os vossos pecados e orai uns pelos outros, para que sejais curados. A oração fervorosa (ou assídua) do justo tem grande poder."

Afinal, se eu creio na Bíblia, em que devo crer? Que somente Jesus intercede por nós, ou que nós também podemos interceder uns pelos outros? Ensina a Bíblia uma coisa numa parte e outra coisa diferente, em outra parte? Não. Se a Bíblia contradissesse a si mesma, não seria Palavra de Deus. Na verdade, a solução para esse dilema é bem simples: a questão é que, dentro do contexto bíblico, a natureza da intercessão tratada no versículo 1 de 1 Timóteo é diferente da mediação do versículo 5.


No Antigo Testamento, a mediação entre Deus e os homens se dava através da prática da Lei e dos sacrifícios e ofertas no Templo. No Novo Testamento, isto é, na Nova e Eterna Aliança entre Deus e os seres humanos, é Cristo quem nos reconcilia com Deus através do seu Sacrifício único e suficiente na Cruz. É esta a nova mediação, e é neste sentido que o Cristo é nosso único Mediador, pois através d'Ele recuperamos para sempre a Amizade com Deus: "Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um só todos se tornarão justos" (Rm 5, 19).

Portanto, a exclusividade da medição de Cristo se refere à justificação e à salvação dos seres humanos. Mas a intercessão dos santos é de uma outra natureza: refere-se à graça que Deus nos concede de intercedermos uns pelos outros. É dessa maneira que os santos intercedem por nós.

Que podemos e devemos interceder uns pelos ouros é um fato com que os protestantes/"evangélicos" concordam; não há nenhum problema, nenhuma discordância quanto a isso, e aí já se quebra o argumento de que só Jesus pode interceder. Mas eu sei bem o que dirão, então: que nós, cristãos que vivemos ainda neste mundo, podemos interceder uns pelos outros pelo fato de estarmos vivos, mas que no caso dos santos já falecidos é diferente. Veremos agora esta outra objeção, em todos os seus desdobramentos.


Objeção 2:
Aqueles que já morreram, mesmo que tenham sido santos, não podem interceder por nós aqui na Terra, porque após a morte não há consciência; ficamos todos como que 'dormindo', esperando o Dia da Ressurreição

Os defensores desta objeção usam como fundamento as palavras do Eclesiastes e também as da Primeira Epístola aos Tessalonicenses :

Com efeito, os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem mais nada; para eles não há mais recompensa, porque sua lembrança está esquecida (...) Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades, pois que na região dos mortos, para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria.
(Ecl 9, 5.10)

Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Ora, ainda vos declaramos, por palavra do Senhor, isto: nós, os vivos, os que ficarmos até à vinda do Senhor, de modo algum precederemos os que dormem.
(1Ts 4,13-15)

Mais uma vez, é preciso manter em mente que a Bíblia é um conjunto coeso de livros, que precisa ser entendido como um todo: se quisermos entender a sua Mensagem mais profunda, não podemos tomar uma parte isoladamente e elaborar a partir desta uma doutrina diferente daquela que a Igreja ensina. Esta é a razão de Jesus Cristo ter dado autoridade a Pedro e aos Apóstolos para conduzir a sua Igreja até a sua volta. É por isso, também, que o Senhor jamais nos disse que bastaria o exame das Escrituras para encontrar o Reino de Deus e alcançar a Salvação.

Pois bem. Se alguém crê na Bíblia, não pode aceitar a doutrina da "inconsciência", que diz que os mortos estão como que "dormindo", aguardando o Dia do Juízo", simplesmente porque há diversos outros versículos muito claros na Sagrada Escritura que dizem o contrário. Podemos ver, por exemplo, Isaías 14,9-10; 1 Pedro 3,19; Mateus 17,3; Apocalipse 5,8; 6,10; 7,10.

A solução evidente é que os versículos aparentemente contraditórios citados mais acima (obviamente) não fazem referência ao estado mental de todos os mortos, mas sim ao infortúnio espiritual daqueles que morreram em inimizade com Deus. Tanto é assim que o Livro dos Provérbios atesta que "o sábio escala o caminho da vida, para evitar a descida à morada dos mortos" (Pr 15,24). – A "região dos mortos" ali denominada é o lugar de desgraça para onde são encaminhados os inimigos de Deus. E acaso não morrerão também os sábios, como todos os outros? Claro que os sábios também morrem, mas a Bíblia diz que estes não irão para a "morada" ou "região dos mortos" onde "não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria".

Assim entendemos que o Livro do Eclesiastes, assim como a passagem de 1Tessalonicenses, nas passagens em questão, estão se referindo ao infortúnio que existe nessa "região dos mortos" para onde vão aqueles que estão mortos para Deus.

Muitos grupos de protestantes aceitam esta realidade, mas não querendo aceitar a doutrina católica, apelam ainda para uma outra argumentação, que veremos em seguida.


Objeção 3:
Os santos não podem ouvir as orações dos que estão na Terra, porque não são oniscientes e nem onipresentes

Esta argumentação em especial, quando a ouvimos pela primeira vez, parece fazer muito sentido. E agora? Será que um santo pode receber as nossas orações e os nossos pedidos de intercessão, mesmo não tendo onipresença e onisciência próprias? Vejamos o que diz o Livro dos Atos dos Apóstolos:

De noite, Paulo teve uma visão: um macedônio, em pé, diante dele, lhe rogava: 'Passa à Macedônia, e vem em nosso auxílio!' Assim que teve essa visão, procuramos partir para a Macedônia, certos de que Deus nos chamava a pregar-lhes o Evangelho."
(At 16,9-10)

O que percebemos nesta passagem? Entre outras coisas, que S. Paulo não precisou ser onipresente e nem onisciente para receber a oração do Macedônio, que suplicava por auxílio. O próprio Apóstolo ensinou que a Igreja é o Corpo de Cristo: os que estão unidos a Cristo através da Igreja são membros do Seu Corpo. – Um só Corpo. – Isso quer dizer que tanto nós, aqui na Terra, quanto os que já morreram para este mundo, na Amizade do Senhor, todos somos membros da Igreja, do mesmo Corpo Místico, do qual o Senhor é a Cabeça:

Agora alegro-me nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu Corpo, que é a Igreja."
(Cl 1, 24)

Como membros do Corpo de Cristo, enquanto cristãos, estamos mística e intimamente ligados uns aos outros: "Embora sejamos muitos, formamos um só Corpo em Cristo, e cada um de nós é membro do outro" (Rm 12,5). Nosso Senhor Jesus Cristo é a Cabeça do seu Corpo, que é a Igreja: "Ele é a Cabeça do Corpo, a Igreja" (Cl 1,18). Portanto, está claro que os santos, tanto os da Terra quando os que já estão no Céu, na Presença de Deus, estão ligados, enquanto membros do Corpo do Senhor, a Igreja.

Assim como a minha mão direita não pode se comunicar com a esquerda sem que esse comando tenha sido coordenado por minha cabeça, da mesma forma, no Corpo de Cristo, os membros podem se comunicar uns com os outros, sendo que essa comunicação acontece através da Cabeça, que é o próprio Cristo.

Desta maneira, quando nós pedimos aos santos que intercedam por nós junto a Deus, é como a comunicação de um membro com outro membro no Corpo de Cristo: acontece através de Cristo Jesus, que é Deus. Assim como a nossa cabeça pode coordenar movimentos simultâneos entre os vários membros de nosso corpo, Cristo, Cabeça da Igreja, que é onisciente e onipresente, possibilita a comunicação entre os membros do seu Corpo.

Portanto, o fato de os santos não serem onipotentes e oniscientes não impede que eles conheçam ou recebam os nossos pedidos e possam interceder por nós junto a Deus. "E da mão do anjo subiu à Presença de Deus a fumaça do incenso com as orações dos santos" (Ap 8,4).


Objeção 4:
Nós não podemos dirigir nossa orações aos santos pois isto caracterizaria a evocação dos mortos, que é proibida na Bíblia

Esta objeção baseia-se principalmente nos seguintes versículos:

Não se ache no meio de ti quem pratique a adivinhação, o sortilégio, a magia, a necromancia, a evocação dos mortos: porque todo homem que fizer tais coisas constitui abominação para o Senhor."
(Dt 18, 9-14)

Se uma pessoa recorrer aos espíritos ou adivinhos, e andar atrás deles, voltarei minha Face contra essa pessoa e a exterminarei do meio do meu povo. (...) Qualquer mulher ou homem que evocar espíritos será punido de morte."
(Lv 20, 6 - 27)

Destacamos acima os trechos que explicitam que a condenação divina se refere à evocação dos mortos. Sem dúvida Deus abomina a evocação dos mortos. No entanto, há uma tremenda diferença entre evocar os mortos e pedir a intercessão dos santos. Evocar os mortos, dentro deste contexto, é pedir ao espírito do defunto que se apresente e se comunique com os vivos, por meio de necromantes (atualmente chamados 'médiuns'), como se aquela pessoa falecida ainda estivesse vagando em algum lugar, numa dimensão paralela ou "penando" na Terra. Como podemos perceber, trata-se da mesmíssima prática dos espíritas de hoje.

O que Allan Kardec chamou de "mediunidade" já era praticado nos tempos do Antigo Testamento, e sempre foi categoricamente condenado por Deus. Ao invés de confiar na Providência Divina, os que praticam a necromancia ou mediunidade preferem confiar nas instruções de espíritos, dos quais não têm como conhecer a origem (conf. 1Sm 28).

No caso da intercessão dos santos, não estamos pedindo que o santo se apresente para conversar conosco através de algum médium ou "psicografar" uma carta a fim de obter informações. Nada disso. Estamos, sim, dirigindo pedidos de oração aos santos do Senhor, os quais, pela fé, cremos que estão mais vivos do que nós no Céu, o que é completamente diferente de invocação dos mortos. Continuamos confiando somente na Providência Divina, e continuamos crendo que, em última análise, somente Deus atende às nossas preces.

Desta forma, as proibições divinas quanto à prática de espiritismo não se aplicam de modo algum à doutrina da intercessão dos santos.


Objeção 5:
Não há referência bíblica quanto à intercessão dos santos

Aqui está uma objeção completamente falsa já na própria afirmação. Existem, sim senhor, diversos versículos bíblicos mostrando que os santos elevam as suas e as nossas orações na Presença de Deus. Vejamos:

Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do Altar as almas dos homens imolados por causa da Palavra de Deus, e por causa do testemunho de que eram depositários. E clamavam a Deus em alta voz, dizendo: 'Até quando Tu, que és o Senhor, o Santo, o Verdadeiro, ficarás sem fazer justiça e sem vingar o nosso sangue contra os habitantes da Terra?' Foi então dada a cada um deles uma veste branca, e foi-lhes dito que aguardassem ainda um pouco, até que se completasse o número dos companheiros de serviço e irmãos que estavam com eles para ser mortos."
(Ap 6, 9-11)

Os quatro viventes e os vinte e quatro anciões se prostraram diante do Cordeiro. Tinha cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfumes, que são as orações dos santos."
(Ap 5,8)

A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus."
(Ap 8,4)

Vemos com toda a clareza como os santos, no Céu, clamam a Deus em intenção dos que estão na Terra. Sim, os santos elevam suas orações a Deus. E por que estariam orando, se já estão salvos, desfrutando da Presença divina? Suas orações são em nosso favor, para que os que estão no mundo também possam um dia estar com eles, na felicidade perfeita e eterna plenitude.

No Livro do Profeta Jeremias, lemos:

Disse-me, então, o SENHOR: 'Mesmo que Moisés e Samuel se apresentassem diante de Mim, meu Coração não se voltaria para esse povo'."
(Jr 15,1)

No tempo de Jeremias, Moisés e Samuel já estavam mortos. No entanto, a Sagrada Escritura apresenta o SENHOR Deus, diretamente, dizendo que estes mesmos profetas, já mortos para o mundo, poderiam se colocar em sua Presença para pedir pelo povo de Israel. Se isto fosse uma completa impossibilidade, como pregam certos "pastores", então nem seria mencionada na Escritura – Aí está a intercessão dos santos, literalmente, no texto da Bíblia Sagrada.


O testemunho dos primeiros cristãos

Finalizando este estudo, vejamos o que professavam os cristãos da Igreja primitiva, nos primeiros séculos, quando não havia divisão na Cristandade e a Igreja de Jesus Cristo era uma só:

O Pontífice [o Papa] não é o único a se unir aos orantes. Os anjos e as almas dos juntos também se unem a eles na oração." – Orígenes (185-254 dC), Tratado da Oração

Se um de nós partir primeiro deste mundo, não cessem as nossas orações pelos irmãos." – Cipriano de Cartago (200-258 dC), Epístola 57

Aos que fizeram tudo o que tiveram ao seu alcance para permanecer fiéis, não lhes faltará, nem a guarda dos anjos nem a proteção dos santos." – Santo Hilário de Poitiers (310-367 dC), Apologetica ad Reprehensores Libri de Synodis Responsa

Comemoramos os que adormeceram no Senhor antes de nós: Patriarcas, Profetas, Apóstolos e Mártires, para que Deus, por suas intercessões e orações, se digne receber as nossas." – São Cirilo de Jerusalém (315-386 dC), Catequeses Mistagógicas

Em seguida [na Oração Eucarística], mencionamos os que já partiram: primeiro os Patricarcas, Profetas, Apóstolos e Mártires, para que Deus, em virtude de suas preces e intercessões, receba a nossa oração." – São Cirilo de Jerusalém, idem

Se os Apóstolos e mártires, enquanto estavam em sua carne mortal, e ainda necessitados de cuidar de si, ainda podiam orar pelos outros, muito mais agora que já receberam a Coroa de suas vitórias e triunfos. Moisés, um só homem, alcançou de Deus o perdão para 600 mil homens armados; e Estevão, para seus perseguidores. Serão menos poderosos agora que reinam com Cristo? São Paulo diz que com suas orações salvara a vida de 276 homens, que seguiam com ele no navio [naufrágio na ilha de Malta]. E depois de sua morte, cessará sua boca e não pronunciará uma só palavra em favor daqueles que no mundo, por seu intermédio, creram no Evangelho?" – São Jerônimo (340-420 dC), Adversus Vigilancio 6

Portanto, como bem sabem os fiéis, a disciplina eclesiástica prescreve que, quando se mencionam os mártires nesse lugar durante a Celebração Eucarística, não se reza por eles, mas pelos outros defuntos que também aí se comemoram. Não é conveniente orar por um Mártir, pois somos nós que devemos encomendar suas orações." - Santo Agostinho (391-430 d.C. - Sermão 159, 1)

Não deixemos parecer para nós pouca coisa; que sejamos membros do mesmo Corpo que elas [Santa Perpétua e Santa Felicidade] (...). Nós nos maravilhamos com elas, elas sentem compaixão de nós. Nós nos alegramos por elas, elas oram por nós (...). Contudo, nós todos servimos um só Senhor, seguimos um só Mestre, atendemos um só Rei. Estamos unidos a uma Cabeça; nos dirigimos a uma Jerusalém; seguimos após um Amor, envolvendo uma Unidade." – Santo Agostinho (391-430 dC), Sermão 280,6

Por vezes, é a intercessão dos santos que alcança o perdão das nossas faltas (1Jo 5,16; Tg 5,14-15) ou ainda a misericórdia e a fé." – São João Cassiano (360-435 dC), Conferência 20


Conclusão

Como podemos ver, quanto à doutrina da intercessão dos santos, não se trata de "invenção" do catolicismo, como afirmam certos falsos profetas, mas sim da legítima doutrina cristã como sempre foi, embasada tanto nas Sagradas Escrituras quanto na Tradição Apostólica. Quanto a isto, os primeiros cristãos jamais tiveram dúvidas (outra prova disso é que este tema jamais foi motivo de disputas conciliares). Esta doutrina só confirma o Amor de Deus para conosco e Seu Plano de que sejamos, uns para os outros, instrumentos deste Amor.

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Ref.:
LIMA, 
Alessandro, artigo 'A Intercessão dos Santos', disp. em
http://www.veritatis.com.br/apologetica/imagens-santos/555-a-intercessao-dos-santos
Acesso 25/9/014

29 de Setembro, Dia de São Miguel Arcanjo


SÃO MIGUEL, do hebraico עברית, que significa "Quem [é] como Deus?", um dos maiores e mais honrados arcanjos da Igreja de Cristo. Príncipe da Milícia Celeste, Deus o tem como poderoso Comandante na grande guerra contra o mal. É um grande aliado dos santos da Igreja contra Satanás e seus demônios.

Quando um cristão deixa este mundo, a Igreja pede na Missa de Réquiem que São Miguel o introduza na Luz celeste, daí o hábito de representá-lo segurando uma balança em que se pesem as almas. O nome de São Miguel aparece nas Sagradas Escrituras, nas seguintes passagens:

• Daniel 10,13.22: "O príncipe do reino persa resistiu-me durante vinte e um dias; mas eis que veio em meu socorro Miguel, um dos primeiros príncipes, e eu permaneci ao lado dos reis da Pérsia. (...) Contra esses adversários não há ninguém que me defenda a não ser Miguel, vosso príncipe."

• Em Daniel 12,1, diz o anjo sobre os últimos tempos: "Naquele tempo se levantará o grande Príncipe Miguel, o protetor dos filhos do vosso povo. Será uma época de desolação como jamais houve igual desde que as nações existem. Então, entre os filhos de teu povo, serão salvos todos aqueles que se acharem inscritos no livro."

• Em Apocalipse 12,7-9, São João fala do grande conflito do final dos tempos: "E houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o Dragão, e o Dragão com os seus anjos pelejavam contra ele; porém estes não prevaleceram, e o seu lugar não se achou mais no céu."

• Na Epístola de São Judas 1,9, na célebre passagem em que São Miguel aparece disputando com o demônio o corpo de Moisés, que reflete uma antiga tradição judaica contida também em livros apócrifos.

São funções de São Miguel: combater a Satanás; resgatar as almas dos fiéis do poder do inimigo, especialmente na hora da morte; levar as almas dos homens para o julgamento. Patrono da Igreja e das ordens de cavaleiros da Idade Média, é o campeão do povo de Deus, tanto dos judeus da Antiga Lei quanto dos cristãos do Novo Testamento.



São Basílio e outros Padres Gregos, como Salmeron, Belarmino, e outros, colocam São Miguel acima de todos os anjos; dizem que ele é chamado arcanjo por ser é o Príncipe dos Anjos. Outros afirmam que ele é o Príncipe dos serafins, a primeira das nove ordens angélicas. Segundo São Tomás (Summa, I 113,3) ele é o Príncipe do último e coro, os dos anjos.

A Liturgia Romana parece concordar com os Padres Gregos; chamando-o de Princeps Militiae Coelestis quem honorificant angelorum cives (Príncipe da Milícia Celeste, a quem honram os anjos). A Liturgia Grega o chama de Archistrategos, o mais alto general.


Oração e Ladainha de São Miguel:


Sancte Michael Archangele, defende nos in praelio, contra nequitias et insidias diaboli esto praesidium: Imperet illi Deus, supplices deprecamur, tuque, Princeps Militiae Caelestis, Satanam aliosque spiritus malignos, qui ad perditionem animarum pervagantur in mundo, divina Virtute in infernum detrude. Amen.


São Miguel Arcanjo, protegei-nos no combate, cobri-nos com vosso escudo contra os embustes e ciladas do demônio. Subjugue-o Deus, instantemente o pedimos. E vós, Príncipe da Milícia Celeste, pelo divino Poder precipitai no inferno a Satanás e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas. Amém.


Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, ouvi-nos.
Jesus Cristo, atendei-nos.
Pai Celeste que sois Deus, tende piedade de nós.
Filho Redentor do mundo que sois Deus, tende piedade de nós.
Espírito Santo que sois Deus, tende piedade de nós.
Santíssima Trindade que sois um só Deus, tende piedade de nós.
Santa Maria, Rainha dos Anjos, rogai por nós.

São Miguel, rogai por nós, rogai por nós.
São Miguel, cheio de graça de Deus, rogai por nós.
São Miguel, perfeito adorador do Verbo Divino, rogai por nós.
São Miguel, coroado de honra e de glória, rogai por nós.
São Miguel, poderosíssimo Príncipe dos exércitos do Senhor, rogai por nós.
São Miguel, porta e estandarte da Santíssima Trindade, rogai por nós.
São Miguel, guardião do Paraíso, rogai por nós.
São Miguel, guia e consolador do povo Israelita, rogai por nós.
São Miguel, esplendor e fortaleza da Igreja militante, rogai por nós.
São Miguel, honra e alegria da Igreja triunfante, rogai por nós.
São Miguel, luz dos Anjos,rogai por nós.
São Miguel, baluarte da verdadeira fé, rogai por nós.
São Miguel, força daqueles que combatem pelo estandarte da Cruz, rogai por nós.
São Miguel, luz e confiança das almas no último momento da vida, rogai por nós.
São Miguel, socorro muito certo,rogai por nós.
São Miguel, nosso auxílio em todas as adversidades, rogai por nós.
São Miguel, mensageiro da sentença eterna, rogai por nós.
São Miguel, consolador das almas do Purgatório, Vós a quem o Senhor incumbiu de receber as almas depois da morte, rogai por nós.
São Miguel, nosso Príncipe,rogai por nós.
São Miguel, nosso Advogado, rogai por nós.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do Mundo, perdoai-nos Senhor.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do Mundo, ouvi-nos Senhor.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do Mundo, tende piedade de nós, Senhor.

Jesus Cristo, ouvi-nos.
Jesus Cristo, atendei-nos.
Rogai por nós glorioso São Miguel,
Príncipe da Igreja de Jesus Cristo.
Para que sejamos dignos das Suas promessas. Amém

Senhor Jesus Cristo, santificai-nos por uma bênção sempre nova e concedei-nos, por intercessão de São Miguel Arcanjo, a Sabedoria que nos ensina a ajuntar riquezas no Céu e a trocar os bens do tempo presente pelos bens eternos. Vós que viveis e reinais por todos os séculos dos séculos. Amém
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Grande Oração a São Miguel Arcanjo


GLORIOSÍSSIMO PRÍNCIPE da Milícia Celeste, São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate e na luta contra os dirigentes deste mundo de trevas, contra os espíritos malignos, espalhados pelos ares. Vinde em socorro dos homens que Deus criou à sua Imagem e Semelhança, e resgatou por grande Preço da tirania dos demônios.

A Santa Igreja vos venera como seu guarda e protetor; confiou-vos o Senhor a missão de introduzir na felicidade celeste as almas resgatadas. Rogai, pois, ao Deus da paz que esmague Satanás sob nossos pés, a fim de que ele não mais possa manter cativos os homens e fazer mal à Igreja.

Apresentai ao Altíssimo as nossas preces, a fim de que sem tardar o Senhor nos faça misericórdia, e contenhais vós o Dragão, a antiga Serpente, que é o Demônio e Satanás, e o lanceis acorrentado no abismo para que não mais seduza as nações. Amém.


Magnae Oratiae Sancte Michael Arcangele

Princeps gloriosissime caelestis militae, Sancte Michael Archangele, defende nos in praelio adversus príncipes et potestates, adversus mundi rectores tenebrarum harum, contra spiritualia nequitiae, in ad imaginem similitudinis suae fecit, et a tyrannide diaboli emit pretio magno.

Te custodem et patronum sancta veneratur. Ecclesia; tibi tradidit Dominus animas redemptorum in superna felicitate locandas. Deprecare Deum pacis, ut conterat Satanam sub pedibus nostris, ne ultra valeat captivos tenere homines, et Ecclesia nocere.

Offer nostras preces in conspectu Altissimi, ut cito anticipent nos misericordiae Domini, et apprehendas Draconem, serpentem antiquum, qui est diabolôs et Satanas, et ligatum mittas in abyssum, ut non seducat amplius gentes. Amen.

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Fonte:
LIMA, Pe. Antônio Lúcio da Silva, Orações do Cristão, Português - Latim. Paulus, 2012.
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'Ainda hoje estarás comigo no Paraíso' – Um estudo sobre Lucas 23,43


UM LEITOR ANÔNIMO enviou-nos algumas questões interessantes, no seguinte comentário ao post "A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final":

O texto é bem esclarecedor, como todos os artigos deste blog. Parabéns pelo excelente trabalho. Porém, gostaria que, se possível, uma dúvida minha fosse sanada, relacionada à uma objeção apresentada ontem por um protestante. Em diversos artigos postados em sites católicos, notei que o relato do "bom ladrão", situado em Lucas 23,39-43, é utilizado como prova de que a alma permanece inconsciente após a morte. Porém, me foram apresentadas três objeções:

1- A Bíblia diz que Jesus estabelecerá o seu Reino no fim dos tempos. Portanto, o relato é uma promessa futura, e não imediata.

2- O Evangelho narra que os soldados quebraram as pernas dos malfeitores, mas não as de Jesus, pois ele já estava morto. Portanto, o ladrão estava ainda vivo, o que atesta que tal promessa ocorrerá no futuro somente.

3- Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e diz que não havia subido ao Pai. Portanto, seria impossível que o termo "hoje" fosse empregado no sentido defendido pelos católicos.
Gostaria de uma resposta. Obrigado!"

Em primeiro lugar, agradecemos ao leitor pelas gentis e encorajadoras palavras. Nosso único objetivo com este trabalho é o de contribuir, – não na medida de nossas estreitas capacidades, mas pela Graça do Bom Deus, – no esclarecimento da fé católica aos que a buscam.

A tradição deu ao "bom
ladrão" o nome Dimas
Entrando nas questões que você propõe, é no mínimo curioso, e certamente é mais do que questionável, que essas objeções tenham partido de um protestante. Ora, são eles que fundamentam todo o conjunto de sua fé e práticas na literalidade do Texto Sagrado, e não nós, católicos. Se uma passagem bíblica trouxesse algum embaraço, alguma contradição com outras passagens bíblicas, isto seria um entrave muito maior para a crença deles do que para a nossa fé. O católico não se deixa perturbar com passagens bíblicas difíceis, porque sua fé não se fundamenta exclusivamente na interpretação particular das Escrituras, mas sim naqueles três pilares fundamentais: Magistério, Tradição e Escritura. Sendo assim, temos sempre a que recorrer quando encontramos dúvidas e obstáculos no prosseguimento do Caminho (que é o Cristo), e não ficamos reféns da nossa própria compreensão das letras. – Nós, que somos tão fracos e falhos. – Temos, antes de tudo, a orientação da Igreja, que é o Corpo de Cristo e a Coluna e o Sustentáculo da Verdade.

Isto posto, devo dizer que não estudei nada diretamente relacionado a estes temas muito específicos que você propõe. Em todo caso, preciso dizer que não vejo aí dificuldade alguma, pois o que estudei e aprendi é mais que suficiente para dissolver os aparentes problemas. Vejamos então as suas questões, uma por vez.


A Bíblia diz que Jesus estabelecerá o seu Reino no fim dos tempos; logo, o relato é uma promessa futura e não imediata

Como eu sempre digo por aqui, e como todo católico deve saber (e ter sempre essa resposta 'na ponta da língua', para dá-la a quem questioná-lo), as Sagradas Escrituras precisam ser compreendidas no todo, no seu conjunto, e este conjunto precisa convergir, tem que ser coeso. Se assim não fosse, não poderíamos crer nelas como divinamente inspiradas, pois o Espírito de Deus não poderia dizer algo numa passagem e contrariá-lo em alguma outra.

Muito bem. A partir daí, é sempre muito fácil responder ao protestante que acena com uma passagem bíblica que lhe parece dizer determinada coisa, usando uma outra passagem bíblica que demonstra uma realidade diferente. Por isso é que devemos, enquanto católicos, "criarmos vergonha na cara" e começarmos a estudar mais as Sagradas Escrituras, e com mais empenho e interesse. O católico comum, via de regra, parece ter pouco interesse na compreensão da própria fé, atendo-se a uma religiosidade mais prática e afetiva, ligada ao sentimento mas não à razão. A razão, entretanto, não é estranha à fé, porque procede da mesma Verdade Eterna (Deus), como ensinou o titã da fé Santo Tomás de Aquino. Fé e razão, portanto, não devem andar separadas: são como que as duas "pernas" da alma no Caminho da salvação. Se usarmos apenas uma perna, vamos mancando neste longo Caminho, e o nosso avanço será lento... Certamente nos atrasaremos, se é que conseguiremos chegar ao final.

Estudemos mais a Bíblia, meus irmãos católicos! Se os "cursos livres" oferecidos pelas nossas paróquias e mesmo boa parte das publicações populares atuais são fracos e até inconsistentes com a autêntica fé católica, pesquisem por si mesmos, procurem ajuda, esforcem-se! Um primeiro bom passo na direção certa, que eu aconselho, é adquirir um exemplar da Bíblia de Jerusalém e ler um capítulo por dia (ou um a cada dois ou três dias, ou pelo menos um por semana, conforme a disponibilidade de cada um), lendo também e com muita atenção as introduções e as notas de rodapé; compre um caderno, faça anotações, consulte o dicionário, aprofunde a pesquisa na internet... E reze! Suplique a Luz do Espírito Santo, com fé, amor e confiança antes de cada sessão de estudos. – Garanto que isto será de mais valia do que a conclusão de muitos "cursos" que hoje se oferecem por aí. Acredite: com boa vontade se progride muito!

Retomando a linha de raciocínio nesta resposta, eu desafiaria este protestante que o questiona, anônimo, a mostrar onde e quando é que Jesus falou, assim tão categoricamente, do Reino dos Céus como um evento futuro. Esta é uma interpretação particular dada como certa, já que os Evangelhos dizem muito claramente:

Interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o Reino de Deus, (Jesus) respondeu-lhes, e disse: O Reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: 'Ei-lo aqui', ou: 'Ei-lo ali'; porque eis que o Reino de Deus está entre vós'." (Lc 17, 20-21)

O Senhor não diz que o Reino de Deus virá num futuro distante, mas sim que já está presente, como uma realidade já atuante. Ainda mais interessante é lembrar que outra tradução perfeitamente possível (usada em algumas versões) para o texto original em grego (ἐντὸς  ὑμῶν) é: "O Reino de Deus está dentro de vós".

Vemos então que esta primeira contestação parte de uma confusão entre o Reino de Deus ou Reino dos Céus, propriamente dito, e o advento do Dia do Juízo, quando o Reino de Deus será definitivamente consumado e consolidado, para todas as almas e definitivamente. O Reino de Deus é uma realidade; o dia do Juízo Final, no qual o mesmo Reino se tornará tudo em todos, é outra.


O Evangelho narra que os soldados quebraram as pernas dos malfeitores, mas não as de Jesus, pois ele já estava morto. Portanto, o ladrão estava ainda vivo, o que atesta que tal promessa ocorrerá no futuro somente

Quanto a esta segunda objeção, com toda a honestidade e humildade, devo dizer que não merece sequer ser considerada, porque é totalmente desprovida de sentido. Quem foi que disse que, para que a promessa de Cristo fosse cumprida, os dois (o Senhor e o ladrão) teriam que morrer juntos, no mesmo instante? Ou que o Senhor precisaria morrer depois? O fato de Jesus ter morrido primeiro invalidaria a sua promessa? Por quê? Tolice pura e mais nada, passemos a próxima questão porque não temos tempo a perder.


Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e diz que não havia subido ao Pai. Portanto, seria impossível que o termo 'hoje' fosse empregado no sentido defendido pelos católicos

Quanto a esta terceira objeção, creio que já está bem respondida nesta mesma postagem ('A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final'). Ora, como visto ali, o tempo de Deus não é o nosso tempo e, como dissemos no seu último parágrafo, a partir da perspectiva da eternidade não existe ontem nem amanhã, mas apenas o eterno "Hoje", o eterno "Agora".

    Aliás, é exatamente esta perspectiva que explica e torna possível uma outra questão teológica considerada das mais difíceis para a nossa razão: a existência do Inferno. Por não haver "amanhã" é que aquelas almas jamais alcançarão o perdão. Não é que sofrerão "para sempre", numa sucessão de dias e noites, sem jamais obter a misericórdia divina. É que por terem adentrado a eternidade como inimigas de Deus, por sua decisão consciente, aquelas almas permanecerão nesta mesma condição no infinito "hoje" que é a eternidade, num lugar ou realidade onde não há tempo e, por isso mesmo, para elas não haverá a esperança de um amanhã melhor. Não há tempo, não haverá amanhã.

Ao contrário, mas da mesma maneira, para os que merecerem o Céu não haverá a possibilidade de novas tentações e quedas num "amanhã" incerto. Viveremos (valha-nos Deus!) numa realidade perene de bem-aventurança sem fim, na plenitude do Amor divino.

Assim, o "ainda hoje" de Jesus Cristo demonstra com clareza que, logo após a morte física, o "bom ladrão" e Jesus estão juntos, sim, de um modo que não somos capazes de compreender a partir do intelecto meramente humano, em um nível e numa existência que agora não podemos inteligir. Após esta vida, não estaremos mais limitados pela nossa atual experiência e noção do tempo (passado, presente, futuro), mas viveremos sempre no agora sem fim.

Rezamos para que esta reposta possa ajudar, a tantos quantos queira Deus, a compreender algo de sua Glória infinita
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A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final


UM LEITOR ANÔNIMO enviou-nos, no post "Catequese fundamental: os vivos e os mortos, o Céu e a Terra, a Imaculada Conceição", esta muito singela mensagem:

Se os santos estão vivos então pra que a Biblia fala na ressureição?

Esta é, sem dúvida, uma daquelas questões bastante simples, mas que confunde muita gente. O eixo da questão parece estar vinculado à passagem bíblica de Hebreus (9, 27), que diz que "aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o Juízo". Vamos tentar, então, esclarecê-la, e para isso partiremos de uma breve reflexão sobre a finitude da vida neste mundo.

Para meditar sobre o fim de nossas vidas neste mundo é conveniente lembrar primeiro da sua origem. “Deus criou o homem imortal; fê-lo à sua imagem e semelhança. Por inveja do demônio, entrou no mundo a morte” (Sb 2, 23-24). Nós não fomos criados para a morte. Haviam no Paraíso duas árvores: a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e a Árvore da Vida. A única proibição de Deus a Adão e Eva foi comer do fruto da primeira, e mesmo assim eles pecaram, afastando-se da Graça, perdendo sua condição especial de criaturas próximas de Deus. Foram, então, expulsos do Paraíso. Um dos significados mais profundos dessa narrativa é bem claro: a causa da morte é o pecado, que separa de Deus.

A morte é castigo, porém um castigo de Pai. Deus, sendo infinitamente Bom e Misericordioso, fez até da justa punição um meio de nos reconduzir ao Caminho da vida. Mesmo hoje, no estágio atual da história da humanidade, nem mesmo aos que foram restaurados pelo Sacrifício de Cristo convém, ainda, a imortalidade. Morreremos todos para este mundo, para alcançarmos um destino muitíssimo melhor do que esta vida repleta de limitações, frustração, misérias e dores.

Importa notar que a morte, mesmo sendo o fim natural de todos os seres vivos, sempre nos causa estranhamento e sofrimento. Ficamos inconformados quando ela chega. Por quê? Se, como diz o provérbio popular, “a morte é a única certeza desta vida”, por que não somos capazes de encará-la natural e tranquilamente?

A resposta católica é: nós não nos conformamos com a morte porque fomos feitos para a imortalidade. Foi para a vida eterna que Deus nos fez; por isso não aceitamos o fim de tudo.

Exatamente por isso a fé é necessária. Precisamos da fé para ganhar a vida plena e eterna após a morte. O mais grave é que a maioria de nós prefere simplesmente ignorar este assunto, não pensar nisso agora: é como fingir que a realidade inevitável da morte não existe. Muito mais prudente  e sensato seria pensar no assunto, e muito, desde agora, porque nossa alma é imortal, e quando deixarmos este mundo, a nossa história estará apenas começando...

O pó voltará a ser pó, mas a alma é incorruptível. E cada um de nós será julgado conforme suas obras. “A árvore para no lugar onde caiu” (Ecl 11,3). Por isso, é fundamental morrer em estado de Graça, morrer “revestido de Cristo”, em Comunhão com Deus. Tudo o mais é secundário. “Que adianta ao homem possuir o mundo inteiro e perder a própria alma?” (Mc 8, 36). Como não sabemos nem o dia nem a hora de nossa morte, o cristão deve estar sempre preparado para ela.


Juízo Particular

Está destinado aos homens morrer uma só vez, e depois disso vem o Juízo
(Hb 9, 27)

É por isso que, vivos ou mortos, nos esforçamos por agradar-Lhe. Porque teremos de comparecer diante do Tribunal de Cristo. Ali, cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo
(2Cor 5,9-10)

Todos serão julgados logo após a morte: este é o Juízo Particular, o julgamento individual de cada um. Entrando na Eternidade, todos se apresentarão diante do Rei dos reis, e as nossas vestes deverão ser brancas (Mt 22,1s): em outras palavras, devemos nos purificar espiritualmente, viver bem e na caridade, buscar praticar sempre a Vontade de Deus, para um dia morrer bem. Quem vive dessa maneira, e conscientemente, não se apavora com a ideia da morte. Em vez de tristeza ou medo, há confiança e serenidade. Mesmo nos piores sofrimentos, no fundo da alma daquele que crê permanece a esperança, que dá paz e alegria.

Já ao pecador inveterado, podemos perceber claramente que o inverso acontece: mesmo na saúde e na riqueza, desfrutando dos melhores prazeres do mundo, assim que para de se entorpecer nas muitas sensações, sente o vazio profundo da sua vida, na sua alma a ausência de Deus. Só há desespero, insatisfação, tédio, desânimo, sentimentos depressivos.

A felicidade, em plenitude, só se encontra no Céu, em Deus: está na contemplação e “posse” de Deus, contemplação e posse da Verdade, da Beleza e do verdadeiro Amor. Só em Deus seremos plenamente felizes e realizados. E para chegar ao Céu é preciso levar Deus dentro de si, desde agora, desde já.


O Juízo Universal

Além do juízo particular, que ocorre logo após a morte de cada um, há o Juízo Universal, que é o julgamento coletivo, que ocorrerá no fim dos tempos. O Antigo e o Novo Testamento falam do assunto. O capítulo 5 do Livro da Sabedoria é inteiramente dedicado ao Juízo Final.

Já o livro do Profeta Isaías (66, 18) diz:

Virei recolher as tuas obras e os teus pensamentos e irei reuni-los com os de todas as gentes e línguas; e eles comparecerão, todos, e verão a minha Glória.

Nos Atos dos Apóstolos (1,11) vê-se que, logo após a Ascensão, a volta de Jesus como Juiz foi anunciada por dois anjos. Os Apóstolos S. Mateus (cap. 24) e S. Lucas (cap. 21) falam longamente sobre o assunto.



No Juízo Final, o julgamento será definitivo. Depois, haverá o Céu ou o Inferno. Este mundo físico acabará. Quando e como, exatamente, será o fim do mundo, não sabemos. Jesus diz que nem os anjos o sabem. No último dia, haverá a ressurreição da carne: os justos ressuscitarão gloriosos, semelhantes ao Cristo ressuscitado. Para estes, a morte será o encontro com o melhor de todos os pais: o Pai do Céu. E tudo o que foi encoberto será conhecido; a verdade será revelada a todos. Será a hora da perfeita reabilitação dos caluniados, dos difamados, dos injustiçados, dos sofredores. Os que tem fome e sede de Justiça serão saciados.

Muitos teólogos entendem que o desdobramento do Julgamento divino em Juízo Particular e Juízo Final ou Universal deve-se ao fato de nós, seres humanos, pensarmos em termos de sucessão cronológica: um morre hoje, outro amanhã. Mas para Deus, isto é, da perspectiva da eternidade, existe um só momento: a própria eternidade. Sendo Deus eterno, para Ele não há hoje e amanhã; Deus é o eterno EU SOU. De fato, já a ciência humana igualmente reconhece e compreende que tudo o que realmente existe é um único momento, que não tem princípio nem terá fim. O Juízo Particular e o Universal, a partir desta perspectiva, seriam, de um modo que não podemos agora compreender, uma só coisa: uma mesma realidade vista a partir da eternidade, e não a partir da sucessão cronológica das vidas humanas à qual estamos habituados e  presos.
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Do antropocentrismo ao pântano

Será possível compreender ou aceitar que isto...

...tenha se tornado isto?

Por Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa – Capela Santa Maria das Vitórias

A OBJEÇÃO que com frequência se formula contra o restabelecimento da liturgia romana tradicional como o rito ordinário da Igreja é que tal rito é expressão de uma cultura ultrapassada, esclerosada, incapaz de cativar a sensibilidade do homem de hoje. É claro que essa objeção não leva em conta as razões teológicas em favor da liturgia de sempre e contra os desvios doutrinários do rito reformado, conforme ressaltaram abalizados estudos feitos por teólogos, liturgistas e ilustres prelados. Trata-se de uma objeção superficial de cunho antropológico, psicológico ou, talvez, sociológico, que não considera devidamente o problema cultural, este, sim, o verdadeiro desafio para a evangelização do homem moderno.

Como se sabe, alguns dos “profetas” da nova teologia, condenada por Pio XII na encíclica Humani Generis, diziam que o discurso teológico devia deixar de lado os princípios metafísicos, que se tinham tornado ininteligíveis ao homem moderno, e abrir-se à grande contribuição que a psicologia, a sociologia, a antropologia cultural e outras ciências modernas poderiam dar-lhe e garantiriam à Igreja um êxito espetacular no cumprimento de sua missão em nossos tempos, visto que o homem moderno tem sua sensibilidade e seu gosto voltados para essas disciplinas.

Ora, a receita da nova teologia foi adotada, mas, infelizmente, a Igreja, que já estava combalida havia tantos séculos por um humanismo e liberalismo anticristãos, ficou ainda mais debilitada ao abeberar-se dessas fontes que exaltavam a liberdade do homem moderno mais “consciente” de sua individualidade e aptidão para transformar a realidade; – ao abeberar-se dessas fontes que exaltavam também a cultura democrática laica dos nossos dias, que seria, até, uma cultura mais cristã que a dos séculos passados da cristandade, na medida em que seria mais aberta aos ideais de igualdade, justiça social, liberdade, autonomia e outros valores semelhantes que não teriam sido devidamente cultivados nos tempos da cristandade.

Não é necessário apontar os frutos amargos produzidos por tal discurso de exaltação da cultura moderna. As estatísticas provam a calamidade resultante do fato de a cultura secular ter sido assimilada pela Igreja, sobretudo a partir do Vaticano II. Tampouco é necessário provar que tal discurso se tornou realmente o discurso oficial da Igreja e não algo marginal, abusivo, ou simples desvio de correntes dissidentes. Basta recordar o que disse Paulo VI no final do concílio, o que disse o cardeal Ratzinger à revista "Jesus" e o que diz quase a toda hora Francisco I.
O que interessa a um católico hoje é ter ideias claras sobre o significado da cultura, a fim de defender a pureza da sua fé e evitar erros perniciosos, como os promovidos pelos mestres e epígonos da nova teologia.

Que é cultura? Pode um católico defender uma cultura desvinculada dos princípios metafísicos? Que é uma cultura cristã? Tentarei dar minha modesta contribuição sobre um assunto tão importante para o homem de fé de nossos dias, que, infelizmente, apesar da facilidade de acesso à informação, não tem muitas vezes os elementos e critérios necessários para um juízo seguro sobre o problema.

Cultura, como dizem bons autores, é tudo aquilo que o homem produz em sociedade, com vista ao seu aperfeiçoamento pessoal ou melhoria da sua vida. É tudo aquilo que o homem acrescenta à natureza, colocando-a a seu serviço e para seu aperfeiçoamento como ser racional. É tudo aquilo que o espírito humano concebe ou realiza, seja contemplando o mundo (a religião, a filosofia, a literatura, as artes plásticas etc), seja aperfeiçoando ou pondo a serviço do homem os recursos naturais (desde a domesticação dos animais, o cultivo da terra, a tecelagem, a construção de moradias, até a mais avançada ciência meteorológica apta a prevenir as mais graves catástrofes da natureza). Ou ainda, cultura é tudo aquilo que o homem faz consigo mesmo para melhorar sua qualidade de vida: alimentação, higiene, vestuário, cuidado com a saúde física e psíquica. Cultura, portanto, diz um autor, é um termo análogo, no sentido de que se refere tanto ao cultivo da natureza quanto ao cultivo do espírito humano.

É inegável que o mundo moderno, desprezando a metafísica e a teologia, alcançou um grande progresso material e melhorou as condições físicas da vida do homem na Terra. Mas é inegável também que tão extraordinário progresso apresenta uma flagrante desordem, que reverte em prejuízo do seu próprio autor. Trata-se, com efeito, de uma cultura e de um progresso de um homem que recusa ordenar-se ao seu Criador e teima em voltar-se a si mesmo como se fosse a medida e o fim de todas as coisas. Trata-se de uma cultura que não se desenvolve a partir de uma contemplação de um cosmo bem ordenado por uma Inteligência Ordenadora, onde todas as coisas têm o seu devido fim que o homem, ser inteligente, deve conhecer, respeitar e colaborar para seu aperfeiçoamento. Mas, ao contrário, é uma cultura que se desenvolve a partir de uma concepção de um mundo caótico em que o homem se julga um semideus para fazer tudo que quiser.

Completamente diferente é a cultura que se desenvolveu ao longo dos séculos da cristandade. Acolhendo toda a sabedoria dos gregos e dos romanos e à luz da Revelação divina, o homem, regenerado pela Graça Divina, construiu uma cultura e uma civilização a partir da concepção de mundo em que tudo estava bem ordenado e tinha um fim, porque era obra da criação de um Deus bom e providente. E tal visão de ordem refletia-se em toda a realidade: na vida pessoal, na vida familiar e social. Com efeito, todas as atividades humanas tinham de estar ordenadas para a glória de Deus e salvação da alma, sem que se incorresse no erro de um espiritualismo exagerado característico do maniqueísmo e do catarismo. A cultura cristã não desprezava, como se pensa, a realidade material, a corporeidade do homem, pois, ao contrário do erro de antigos filósofos como Sócrates e Platão, o corpo não era considerado um cárcere da alma. Na cultura cristã, prevaleceu o bom senso de uma concepção de homem que afirmava a unidade substancial composta de corpo e alma espiritual imortal. A cultura cristã não acorrentou a inteligência e a imaginação do homem do seu tempo. Realmente nas universidades o homem medieval gozava de plena liberdade para fazer suas investigações, experiências e produzir belas obras de arte que até hoje admiramos na Europa.

Por outro lado, cumpre dizer que se a cultura é produto do homem, o homem não deixa de ser influenciado fortemente por ela. Não determinado, mas influenciado e condicionado por ela. São poucos os homens realmente capazes de modificar ou reformar a cultura do seu tempo, mas são legiões aqueles que por ela são fortemente marcados. E aqui bate-se o ponto. Os homens da Igreja tinham de estar mais atentos para a malícia da cultura revolucionária moderna que afasta o homem de Deus e o deforma, não obstante todo o palavrório de exaltação do homem. É necessário que as autoridades se esforcem por preservar os católicos da influência da cultura moderna anticristã. Todos vemos como o homem hoje se degrada espantosamente: a violência, as piores grosserias, vulgaridades e perversões nas relações humanas, embrutecimento, hedonismo são os “valores” da cultura da liberdade e do individualismo. De fato, do altar da religião antropocêntrica ruma-se rapidamente para um pântano em que a humanidade se perderá.

Dentro desta realidade que se retrata, talvez com exagero de cores mas sem desfigurá-la, o rito romano tradicional da Missa é sem dúvida um antídoto contra os inúmeros males dessa cultura de morte e ajudará o homem a submeter-se a Deus, a descobrir o seu verdadeiro lugar dentro do mundo, a respeitar a ordem estabelecida por Deus, verdades estas tão bem expressas nas suas cerimônias encantadoras e cheias de mistério.


Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa
Anápolis, 12 de junho de 2014
Festa de São Barnabé Apóstolo,
dentro da Oitava de Pentecostes

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O verdadeiro ecumenismo: urgências e desafios numa via de mão dupla


Os Papas Bento XVI e Francisco vêm mantendo frutuoso diálogo com o Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla (Igreja Ortodoxa)

A PALAVRA "ECUMENISMO" sempre foi usada pela Igreja Católica com o sentido de uma reunião do conjunto dos bispos. Assim, um Concílio que reúna os bispos católicos do mundo todo é um concílio ecumênico, mesmo que seja uma reunião só de católicos.

Foi somente no final do século passado que a palavra "ecumenismo" passou a ser utilizada para definir um movimento surgido nos meios protestantes, buscando a reunião de todas as comunidades protestantes.

A Igreja Católica, há muito, deseja a unidade cristã, crendo que promover a reintegração de todos os cristãos na Unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é de fato a Vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Igreja expressou essa vontade através do Concílio Vaticano II, no Decreto Unitatis Redintegratio (Roma, 1964), do qual consta o seguinte trecho:

"Todo aquele que crê em Cristo, mesmo que não pertença à Igreja Católica, encontra-se em algum tipo de Comunhão com a verdadeira Igreja. Não existe ecumenismo verdadeiro sem uma conversão interior, e a Igreja Católica é a plena depositária da Palavra e das graças divinas. As demais igrejas devem dela aproximar-se na Comunhão da graça."

Assim, embora a Igreja Católica tenha sido a única fundada por Cristo, e essa Igreja de Cristo tenha que ser Una ('Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode subsistir', cf. Mc 3,24), é fato que existem hoje diversas denominações ditas cristãs, que professam a fé em Jesus Cristo como Deus, Senhor e Salvador, e a Igreja Católica busca, como sempre buscou, acolher e re-unir a todos. Ecumenismo é aproximação, cooperação, busca fraterna da superação das divisões entre católicos, ortodoxos e protestantes históricos (evidentemente, aqui dificilmente se incluem as seitas estapafúrdias que, embora pretendam professar a fé em Cristo, claramente renegam as bases mais elementares de sua doutrina). E a questão que fica, o problema a ser solucionado, sem dúvida é: como superar as (muitas vezes grandes e importantes) divisões?

O Concílio Vaticano II deseja que as iniciativas dos filhos da Igreja Católica progridam em conjunto com as iniciativas dos nossos irmãos separados. Todos nós somos chamados a viver a proposta do ecumenismo: todos juntos, ao menos nesse sentido um só povo, no Amor de Cristo. O Ecumenismo é um convite ao diálogo entre as Igrejas Cristãs, e a uma evangelização renovada.

As divisões contrariam a vontade de Cristo e sem nenhuma dúvida dificultam a cumprir o Mandamento pregação do Senhor, de levar o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15). Eis aí apenas um dos motivos pelos quais a unidade cristã se faz urgente. Todavia, as dificuldades já começam acerca da própria palavra ecumenismo, gera confusão acerca do seu real significado. Eis o motivo pelo qual, muitas vezes, talvez seja preferível e certamente mais apropriado falar em "unidade cristã", do que falar em ecumenismo.

Ocorre que, popularmente (e equivocadamente) convencionou-se entender a palavra ecumenismo com o sentido de uma espécie de religião universal, global. Dá-se a entender que não importa em que se crê, desde que haja respeito mútuo. O ecumenismo religioso seria a reunião de todas as religiões, seitas e crenças, cristãs ou não. É por esse motivo que, embora o verdadeiro significado da palavra não seja este, convém evitar a confusão, optando pelo termo unidade cristã.

O outro aspecto importante a ser observado é que a Santa Igreja Católica, como vimos, sempre orientou à superação das divisões para a União em Cristo, nela mesma, a Santa Igreja diretamente instituída pelo Senhor e preservada na Tradição dos Apóstolos, e não haveria como ser diferente. Enquanto católicos, dizemos um sonoro e claro "não" à confusa ideia de união entre todas as crenças, à criação de uma nova religião supostamente universal, de uma "nova era" e uma nova "religião universal", mais parecida com uma seita holística. E nesse sentido estamos, ironicamente, bem próximos do pensamento dos líderes de outras grandes religiões, como por exemplo o Dalai Lama, autoridade máxima do budismo mundial, que em sua quarta visita ao Brasil (veja aqui) se declarou chocado por ver como tantos ocidentais se declaravam budistas apenas por "moda" (palavras dele), por considerarem uma religião exótica, de belos e misteriosos rituais, o que supostamente conferiria um "charme" diferenciado aos seus praticantes.

A Igreja Católica é, como diz o seu nome, universal, e desde sempre una, pois os cristãos desde a origem aderiram a uma só fé, num só SENHOR, um só batismo e uma só doutrina, para integrar um só Corpo, – o de Nosso Salvador Jesus, o Cristo. Em sentido absoluto e próprio, torna-se inegável que é a única Igreja realmente ecumênica, no sentido puro da palavra, pois permanece aberta a todos os homens e mulheres, de qualquer idade, de todos os povos, de todas as culturas e línguas, de todos os tempos, presente em todos os continentes, entre todas as nações. É a única Igreja autêntica, por sua origem Divina; por tudo isso é que nós, católicos, jamais devemos temer "ofender" alguém ao proclamar estas simples verdades. Entre manter (forçadas) boas relações sociais com todos e confessar a Verdade, todo cristão precisa saber fazer, sem medo, a segunda opção.

Além de tudo, lamentavelmente, existe a necessidade urgente de se superarem as divisões dentro da própria Igreja Católica, e este talvez seja o maior dos desafios: A falta de união entre católicos parece ser o fator que mais enfraquece a Igreja e fomenta a apostasia em nossos tempos. A esse propósito, declara o Secretário da Conferência Episcopal Espanhola, Pe. Juan Antonio Martinez Camiño:

"A comunhão na Igreja tem hoje dois desafios: viver um ecumenismo intra-católico e uma comunhão nos seus conteúdos. Necessitamos de um ecumenismo intra-católico e uma aceitação cordial de todos naquilo que é fundamental à nossa fé, pois é nossa União a Deus em Cristo, por meio do seu Espírito, que nos anima e põe a todos e a cada um, segundo nosso estado, em pé de evangelização. Necessitamos realmente da comunhão na caridade entre os distintos grupos eclesiais. Sem esse testemunho de Unidade é difícil a evangelização e o testemunho cristão. O segundo nível da comunhão de que necessita a Igreja é a comunhão nos conteúdos, na Mensagem, na Doutrina. Esta comunhão é fundamental, e continuará avançando na medida em que avancemos na comunhão da caridade. São coisas distintas, mas vão absolutamente unidas."

Não se pode negar que disse muito bem o Revmo. Padre Camiño. Rezemos por essas intenções e esforcemo-nos em fazer muito bem a nossa parte, cada um de nós.
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Nefilins: os gigantes da Bíblia


'A LEITORA Valdelice Silva Pyetra enviou-nos a seguinte pergunta:

"Olá, Paz de Cristo. Eu quero tirar uma dúvida, (...) eu já ouvi muito falar de Sodoma e Gomorra e os anjos caídos do céu. Algumas crenças religiosas afirmam que esses anjos tiveram relações sexuais com humanos dos quais surgiram os gigantes, enquanto outras crenças negam a possibilidade de que os anjos tenham tido relações. Embora o texto realmente dê a entender que realmente isso tenha acontecido. Como todos sabem essa história se encontra em Gênesis 6,1-4 Me parece um tanto complicado e eu gostaria mesmo de saber a verdadeira tradução por nossos irmãos católicos. Aguardo respostas, obrigada."

Prezada Valdelice,

Em primeiro lugar, é preciso manter sempre em mente que nem tudo o que está escrito na Bíblia, especialmente as narrativas do Antigo Testamento, devem ser tomadas ao pé da letra. Há muita simbologia, analogia e alegoria nesses escritos. Por isso mesmo, tudo deve ser compreendido à luz do Magistério da Igreja, que é nossa mãe e mestra.

Pois bem, a passagem que você nos propõe é sem dúvida das mais difíceis, e para ela existem variadas interpretações que nos apresentam os teólogos e pesquisadores de linhas diversas:


1. Influência das mitologias pagãs

Para alguns estudiosos, o trecho de Gênesis em questão poderia ter origem mitológica, ou seja, ter sido transcrito pelo autor sagrado, com objetivo de ilustrar uma ideia teológica (que não abordaremos aqui), sem a indicação da fonte original. Assim fazendo, estaria o hagiógrafo salientando, por exemplo e entre outras coisas, que o mundo ia de mal a pior e precisava da intervenção de Deus, o que acabou por culminar no Dilúvio.

Os defensores desta interpretação entendem que os "filhos de Deus" seriam então, originalmente e segundo essa suposta fonte extrabíblica, deuses mitológicos que se uniram às "filhas dos homens" (=mulheres). De fato, a tradição pagã contemporânea a esses textos é rica em mitologias envolvendo deuses e semideuses que se envolvem com humanas e tem filhos com elas, que depois se tornam heróis e guerreiros prodigiosos. Os católicos tradicionais, evidentemente, não aceitam esta interpretação mitológica, que traduz por "deuses" a expressão "filhos de Deus".


2. Filhos de anjos

Alguns cristãos primitivos, fazendo eco a uma tradição rabínica, chegaram a interpretar "filhos de Deus" como anjos que teriam se unido às "filhas dos homens", gerando descendentes gigantes. Isso parece ser ratificado por Judas 1,6 e 2Pedro 2,4, embora tais passagens de fato não abonem esse modo de interpretação.

Muito cedo na história da Igreja, porém, já a partir do século IV, autores cristãos levantaram entendimentos contrários a esta interpretação, até porque, sendo seres espirituais, sem corpo material, os anjos não teriam como manter cópula carnal com mulheres. Diz Nosso Senhor: "Na ressurreição (os homens e mulheres) não se casarão nem serão dados em casamento; mas serão como os anjos de Deus no Céu" (Mt 22,30).


Imagens forjadas que circulam pela internet, como esta e a do cabeçalho, simulam achados arqueológicos espetaculares, que comprovariam a existência dos gigantes bíblicos...

3. Filhos de Set e filhas de Caim

Esta interpretação, que parece ser a mais alinhada com a Tradição da Igreja, vê nos "filhos de Deus" os descendentes de Set (população fiel ao Senhor) e, nas "filhas dos homens", os descendentes de Caim (uma população infiel). O resultado dessa união seria uma geração de "gigantes" (em hebraico nefilim; em grego: gigas), o que pode expressar um elemento da mitologia dos povos pagãos primitivos que existiram nas circunvizinhanças (enaquim, enim, refaim, zonzomin), tidos como de alta estatura e realizadores de monumentos megalíticos. – Aliás, provêm dos primitivos povos ugaríticos textos que apresentam gigantes mitológicos (os "refaim") como heróis míticos e fundadores de dinastias.

Ora, diversas passagens do Antigo Testamento demonstram que os hebreus acreditavam na existência de povos de altíssima estatura, ao mesmo tempo fortes, soberbos e revoltados contra Deus. Podemos vê-lo, por exemplo, em: Números 13,3; Deuteronômio 2,20-21; 3,11; 1Samuel 17,4; 1Crônicas 11,23; etc. Também encontramos referências a esses "gigantes" nos livros deuterocanônicos: Eclesiástico 16,7; Judite 16,6 e Sabedoria 14,6.

Para que se tenha ideia da altíssima estatura destes "gigantes", o texto de Deuteronômio 3,11 descreve como Og, um remanescente dos refaim, tinha uma cama de ferro que media 9 côvados de comprimento, – o que equivale a 4 metros!

Retomando a análise da última interpretação, esta é favorecida também pelo fato de o antiquíssimo tratado rabínico Bereshitrabba (26,7) afirmar que refaim é o nome primitivo dado ao nefilim, heróis nascidos de mulheres engravidadas pelos "filhos dos deuses" (há um forte e inegável traço de influência mitológica aqui). Diante disto, é bem possível e razoável supor que os israelitas tenham preferido usar a palavra nefilim para designar os refaim da mitologia pagã. – Tal substituição de palavras não deve causar estranhamento no contexto escriturístico. De modo semelhante, podemos ver em 1Crônicas (8,33), por exemplo, que Saul gerou Esbaal, que significa "homem de Baal"; Como este nome tinha conotação pagã, porém, o autor de 1Samuel (14,49), sem cerimônia, verte-o para Isvi, ou seja, "homem de Javé"!

Em resumo: uma interpretação bastante provável para a passagem de Gênesis 6,1-4 é que da união entre o povo descendente de Set (=filhos de Deus) e o povo descendente de Caim (=filhas dos homens) surgiu o povo dos refaim, que tinha como principal característica sua alta estatura, talvez até decorrente de alguma desordem biológica. Além do mais, estudos arqueológicos e genéticos demonstram que a estatura dos homens da antiguidade era muito menor do que a atual, e o contato com uma raça de homens de média de dois metros de altura, por exemplo, seria chocante. Some-se a isso o hábito cultural dos semitas de supervalorizar ou exagerar os fatos, e temos uma boa explicação. – Comparativamente, se uma tribo de pigmeus se deparasse com os jogadores de um time de basquete profissional, poderiam tranquilamente considerá-los "gigantes". – E da mesma forma como os bons costumam se corromper andando na companhia dos maus, desta união entre os descendentes de Set e os de Caim resultou a crescente corrupção da espécie humana. É assim que os Padres e Escritores eclesiásticos têm entendido esse difícil texto, ao menos desde o séc. IV.

Importa dizer, por fim, que essa interpretação não esgota o assunto. Futuros estudos, pesquisas, descobertas arqueológicas e filológicas poderão trazer novas possibilidades. Não há como nós termos sempre 100% de certeza a respeito dos detalhes e minúcias de textos veterotestamentários tão antigos, cujos significados, por vezes, acabam-se perdendo nas brumas dos séculos. Isso não deve ser motivo de preocupação para nós. Tais detalhes não irão influir no percurso da nossa salvação, nem nos embaraçar no Caminho que leva ao Céu, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. E este deve ser sempre o fundamento da nossa fé, do nosso ânimo e de todas as nossas ações. Estudos como estes são interessantes; entretanto, servem mais como complemento ao conhecimento que realmente importa: o conhecimento da Vontade de Deus.

Deus a abençoe e guarde, Valdelice, e Maria Santíssima interceda por sua vida!

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• Ref.:
"Como explicar Gên. 6,1-4? Quem eram os gigantes e os 'filhos de deus'?", do site "Veritatis Splendor", disponível em:

http://www.veritatis.com.br/inicio/espaco-leitor/5416-como-explicar-gen-6-1-4-quem-eram-os-gigantes-e-os-filhos-de-deus
Acesso 24/9/014
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