Por que Roma se separou das demais igrejas?


PARA ENTENDER A RESPOSTA, é preciso entender primeiro que, quando falamos em Igreja, precisa ficar clara a distinção entre a Igreja Universal (Católica, neste sentido) e as igrejas particulares (dioceses, patriarcados,  etc.). Tanto que os ortodoxos até hoje professam a fé na Igreja "Una, Santa, Católica e Apostólica", como nós.


    Nos primeiros séculos da Era Cristã, a Igreja não tinha exatamente um governo centralizado, mesmo porque era perseguida, e o Papa, embora detivesse a primazia, não tinha como governar na prática de maneira eficiente. Tanto que Santo Inácio de Antioquia diz: "Onde estiver o pastor, ali estará o rebanho, assim como onde estiver o bispo, ali estará a Igreja Católica". Note que que ele falou bispo e não Papa. O Papa, a bem da verdade, naqueles tempos era "só" o bispo de Roma[1]. Mas se você ler os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos, vai notar que São Pedro, a quem foram dadas as Chaves, sempre é citado primeiro (Cf. Lc 6, 14; Mc 3, 16; At 15, 7; etc.).


    De fato, São Pedro fundou o patriarcado de Antioquia, onde foi substituído por São Tiago, e depois o de Roma, onde se fixou até sua morte. Portanto, o sucessor de São Pedro em Roma, o segundo bispo desse patriarcado, o Papa São Lino é quem herdou essa primazia petrina (ou 'Primado papal').


    Após o Edito de Milão, que concedeu liberdade religiosa aos católicos, os 5 maiores patriarcados regiam a Igreja espalhada pelo mundo. Eram eles: Roma, Antioquia, Alexandria, Jerusalém e Constantinopla. Esse regime é chamado de Pentarquia: os patriarcados eram independentes entre si, mas Roma tinha a primazia. O Papa era um Primus inter pares (o primeiro entre os iguais), sendo ele quem decidia as questões mais difíceis e as querelas entre os demais patriarcados. Santo Agostinho ('vassalo' de Alexandria, já que era de uma diocese egípcia) consagrou esse primado na frase "Roma Locuta, causa finita est" ('Roma falou, acabou a discussão'), numa ocasião em que certos hereges não queriam mudar de ideia sobre uma questão teológica e essa disputa foi levada a Roma, que se pronunciou pela ortodoxia.


    Cada patriarcado tinha autonomia e, após a queda do Império Romano e as invasões bárbaras, alguns patriarcados e algumas igrejas caíram ou ficaram incomunicáveis (como é o caso das igrejas Etíope, Siro Malabar e Siro Malankar, que só foram 'redescobertas' com as Grandes Navegações no século XVI)[2].


    Essa relativa autonomia fazia com que os maiores patriarcados exercessem influência sobre os demais no tocante aos costumes e aos ritos. Por exemplo: o latim passou a ser de uso comum no Ocidente e o rito do Patriarcado de Constantinopla (Bizâncio) passou a ser adotado por várias igrejas do Leste Europeu e do Oriente Médio – que até hoje usam o rito bizantino. 


    Daqueles que sobraram, dois eram os maiores e mais influentes, os dois das duas grandes metrópoles do Império Romano: o Patriarcado de Roma e o Patriarcado de Constantinopla.


    Lá pelo século X, depois de mil anos de Cristianismo, o Império de Bizâncio começou a perder poder político, e o Patriarcado de Constantinopla não exercia mais tanta influência nem tanto poder de decisão como antes[3]. Para piorar a situação, não havia representatividade dos patriarcados na escolha do Papa, porque o Papa, como era bispo de Roma, era escolhido em Roma e sofria muita influência dos políticos de lá. Não a toa, o Século X ficou conhecido como "Saeculum Obscurum", porque foi o pior na história do papado.


    Então, alguns bispos orientais passaram a resistir às decisões do Papa de Roma, tanto políticas quanto doutrinais. Um exemplo disso é a questão do "filioque". No Símbolo definido nos concílios de Niceia e Constantinopla, diz-se que o Espírito Santo "procede do Pai. E com o Pai e o Filho é adorado e conglorificado", mas sempre se entendeu que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, não havia problema nenhum aí. Todavia, na Espanha, surgiu uma heresia que dizia que o Espírito Santo não procede do Filho, somente do Pai. Então, pra que não restassem dúvidas e para que essa heresia não ressurgisse, foi decretado que se acrescentasse o "filioque" ao Credo, em todo o Ocidente (tanto é que os bizantinos não são obrigados a rezar com o filioque).


    Os bispos orientais ficaram extremamente descontentes com isso, porque defendiam que tal alteração precisaria ser decidida em concílio, entendendo que o Papa não teria poder para decidir isso de maneira monocrática. Devido a isso e a algumas outras coisas, algumas dioceses decidiram separar-se de Roma em 1056, no Grande Cisma do Oriente. Depois voltaram, mas por causa da Cruzada liderada pelos venezianos, que saqueou a Basílica de Santa Sofia, novamente se separaram e nunca mais quiseram conversa, até pouquíssimo tempo. Foram, portanto, estes a se separarem de Roma, e não o contrário.



Na Igreja Ortodoxa existe a figura do Papa?


Sim, existe. Os ortodoxos reconhecem o Papa como o Sucessor de São Pedro. Mas não aceitam que o Papa seja infalível, o que para os católicos é dogma. Dizem que só o Concílio é infalível, o que está errado: é a heresia do Conciliarismo.


    Um patriarca é um bispo responsável por uma igreja particular. Hoje, os patriarcas católicos são também cardeais, como o Patriarca Youssef, Patriarca de Antioquia e de Todo o Oriente.

    Por Igor Andrade com excertos de Henrique Sebastião.
    Imagem do cabeçalho mostra o Papa Francisco em visita o Patriarca Ortodoxo Búlgaro Neofit.


______
[1] Segundo uma teoria bem fundamentada, PAPA" é o acrônimo de Petrus Apostolus Princeps Apostolorum (Apóstolo Pedro, Príncipe dos [ou 'o primeiro entre os'] Apóstolos).

[2] Naquele tempo não havia imposição de rito, nem imposição de regras canônicas rígidas de cima para baixo, mas cada bispo e cada diocese seguiam regras mais ou menos comuns. Algumas regras eram impostas, mas só depois de já terem sido adotadas praticamente, como, por exemplo, o celibato sacerdotal no Ocidente.

[3] Grande parte disso se deve às ingerências dos imperadores e dos patriarcas, sem falar no controle muçulmano de boa parte do Oriente e do Norte da África.


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6 comentários:

  1. A paz de Jesus Cristo.

    Muito bom! Eu nunca entendi direito esse Cisma de 1056, obrigado pelo esclarecimento. Como é bom estudar, ler os textos de Apostolados sérios, como esse aqui!

    Não sabia que "Papa" é um acrônimo, sim, era ignorante sobre isso. Bem, em minha defesa, digo um fato muito triste: fiquei longos anos, desde a adolescência, longe da Igreja, burramente; brigado com ela, de certa forma. Ainda bem que ela não brigou comigo, ou eu já estaria no Inferno.

    Antes tarde do que nunca, mas peço perdão diariamente ao Pai, por esse erro grave. Pecado, em verdade!

    Sempre penso que temos muito, quase tudo, iguais; a Igreja de Roma e as demais Ortodoxas. Por que essa divisão até hoje?

    Entendo a divisão que eles, não nós; os Reformistas, fizeram, pois Lutero renegou muitos Dogmas da Santa Igreja, mas os Ortodoxos, não.

    Talvez haja outra divisão, vinda da Alemanha? Afinal, o Clero por lá está cometendo muitas heresias. Tomara que não, mas está ficando feio por lá. Além dos erros do atual papa, que podem provocar mais divisões também.

    Enquanto isso, a China comunista se arma contra nós, contra o mundo cristão. O mesmo acontece com o Islã.

    Bem, o Livro do Apocalipse não é uma ficção, um mero livro de terror, mas um Livro Bíblico, ou seja, verdadeiro.

    Oremos e lutemos. Como nos ensina o querido Paulo: " Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé..". 2 Timóteo 4:7.

    Que o Apóstolo dos Gentios seja sempre a nossa inspiração para seguirmos com fé e coragem o Evangelho de Jesus Cristo.

    Abraços fraternos.

    Salve Maria!

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  2. PRIMUS INTER PARES E UNUS INTER PARES - EIS A INCOMENSURÁVEL DIFERENÇA ENTRE AS IGREJA CATÓLICA E OS PATRIARCADOS CISMÁTICOS!
    No ano de 1055 dC foi efetivada a separação da Igreja de Roma, a saberem dentre muitos mais fatores contribuintes para a divisão, inclusive por cíúmes da Igreja de Roma bastante credenciada e muito prestigiada no mundo ocidental, sendo que ela foi fundada na rocha pelo próprio Cristo e o definira anteriormente quando de sua escolha para o chefe inicial da Igreja que havia fundado, S Pedro, o qual faleceu em Roma, deixando ali as marcas de seu sangue e originando seus sucessores, a qual convertera apenas no 1º dia de pregação aos que haviam comparecido aos festejos anuais de Pessach de Jerusalém num total de 3000 pessoas que, para a época era considerada uma multidão inumerável, já a população à época era ainda demasiado pequena.
    A confusão e a a separação deu-se quando o patriarca Miguel Cerulário foi excomungado pelo papa de Roma, e por esse ato, os patriarcados orientais sentiram-se rebaixados, sem falar que tinham outras divergências doutrinárias, inclusive alguns patriarcas não admitiam o homousios da Igreja Ocidental, mas nos pariarcados apenas o homoisious, são parecidos, mas diferentes com relação às pessoas do Pai, de Nosso Senhor Jesus Cristo e do Espirito Santo, o Qual é provindo do amor do Pai e do Filho e não admitiam, muito menos a supremacia absoluta de Roma sobre as igrejas orientais.
    Enquanto em Roma temos o original "Primus inter pares", nos patriarcados da igrejas que sedizentemente se denominaram ortodoxas, temos o "unus inter pares', tais como funcionam atualmente nas seitas heréticas protestantes sem magisterio definido - tudo à apreciação do cliente - em que todos mandam e ninguém manda, adotarem o modelo luterano do livre arbítrio escriturístico, redundando no "unus inter pares" numa celeuma religiosa!,
    As igrejas ortodoxas foram terreno fértil para vingar com suas dioceses independentes entre si formando muitas seitas entre si mesmas e sem magistério definido que, em meio ao cisma ortodoxo nasceu o diabólico comunismo, tributário da idem comparsa maçonaria, sendo também os patriarcados ortodoxos ligados aos Estados, como acontece atualmente com a IOR russa sob o patriarcado do cismático Cirilo I, o qual já foi agente internacional de espionagem da antiga KGB e é amicíssimo do igual reconhecido comunista V Putin, apreciador de querer se passar por cristão para enganar os incautos com seus inumeráveis gestos hipócritas de fé cristã e conservador por censurar os outros países ocidentais, enquanto aquele deve "compreender muito bem do verdadeiro cristianismo romano", o único legítimo!.
    Situa-se em Roma a Igreja e as restantes são igrejas avulsas, as prêt-à-porter!

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    Respostas
    1. A paz de Jesus Cristo.

      Boa noite, Geraldo, que Deus o abençoe.

      Grato pelo seu post. Sim, claro que Roma é a Sede correta, pois a Pedra foi fincada lá, embora tudo começou com Jesus Cristo como fundador e Pedro, como a Pedra, em Jerusalém.

      Conheço essa falha, digamos assim; da Ortodoxa Russa, essa ligação com o falso cristão, falso conservador, Putin, algo totalmente execrável, uma Igreja Cristã presa a um homem leigo comum, que, evidentemente; está muito, muito longe de um homem santo.

      Penso que as Ortodoxas Grega, Romena, Ucraniana, sejam mais próximas de nós, Católicos Romanos, mas é evidente, que A Igreja Católica Apostólica Romana, apesar de alguns papas ruins em seus mais de 2 mil anos ( agora com Francisco, então...), de existência, é a única Igreja fundada por Jesus Cristo.

      O que me deixa triste, é que enquanto nós seguimos em divisões constantes, os inimigos do Cristianismo, seguem unidos contra nós. Bem, Deus está sempre no comando, então, a vitória final será dos justos, dos que temem ao Pai.

      Abraços fraternos,

      Salve Maria!

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  3. Peedoe-me, mas os comentários por aqui estão se transformando em verdadeiras teses teológicas, como se a postagem do Igor Andrade com excertos de Henrique Sebastião, apresentassem pontos falhos ou incompletos sobre a história da Igreja.
    Vamos ser católicos e não chatólicos...
    André Katolikus

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  4. 1) A quem interessar possa, aqui tem um guia muito bom sobre estas questões do cisma do Oriente:

    https://www.catholicbridge.com/orthodox/menu-orthodox.php

    2) Tem também uma ótima exposição do Petter Martins do Canal Cooperadores da Verdade:

    https://www.youtube.com/watch?v=t4KBCSlHpG0

    3) O Mateus Tibúrcio também faz excelentes análises, mandando a real:

    https://www.youtube.com/watch?v=0YQ77Pkry9Q

    https://www.youtube.com/watch?v=jhqF0lCaN70

    4) E alguns artigos nestes excelente sites apologéticos católicos:

    https://apologistasdafecatolica.wordpress.com/category/igrejas-orientais/

    https://www.veritatis.com.br/tag/ortodoxos/

    https://salveroma.com/?s=ortodoxos

    https://www.ofielcatolico.com.br/2006/04/quais-as-diferencas-entre-catolicos-e.html

    Paz e Bem!

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  5. "Um Reino dividido em si mesmo não pode sobreviver..." Sei que questões teológicas, filosóficas, doutrinárias são muito importantes. Mas o fato é que por conta dessas diferenças o reino de dividiu e se enfraqueceu como o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo falou.

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