Fidelidade a Deus, obediência e... perfeita liberdade!

HÁ UM VERSÍCULO fundamental da nossa Fé que aparece pelo menos quatro vezes nas Sagradas Escrituras: "O justo vive pela fé" (Hab 2,4; Rm 1,17; Gl 3,11; Hb 10,36).

    A palavra "fé" na Bíblia é também traduzida como "fidelidade" a Deus. Fé é a atitude daquele que crê e obedece ao SENHOR. Crer e obedecer são como duas faces de uma mesma moeda, dois aspectos de uma mesma realidade. Se eu creio que há um Deus, Onipotente e Onisciente, que é meu Criador e Salvador, e que a Vontade deste Deus é sempre o melhor possível para a minha vida, não tenho como não obedecê-Lo, isto é, não cumprir a sua Vontade. Neste sentido, São Paulo fala aos Romanos da "obediência da fé" (em Rm 1,5).

    
A fé é um ato de adesão a Deus, isto é, de submissão e também de cumplicidade, que implica obediência à sua perfeita Vontade. A fraqueza de nossa natureza humana, no entanto, impede muitas vezes que nossa fé seja coerente; muitas vezes os nossos atos não são conforme às exigências da fé. A verdade, porém, é que ao cristão não basta crer, é preciso obedecer.

    Depois que o povo hebreu recebeu a Lei de Deus por meio de Moisés, exclamou: "Tudo o que o SENHOR falou, nós faremos e obedeceremos" (Ex 24,7). Esta era a vontade do povo. Entretanto, sabemos que este mesmo povo prevaricou muitas vezes, prestando culto aos deuses dos pagãos. Depois que Josué, no limiar da morte, conclamou o povo a ser fiel a Deus, e só a Ele prestar culto na terra que Deus lhe dava, o povo respondeu: "Ao SENHOR nosso Deus serviremos e à sua Voz obedeceremos" (Js 24,24). Mas sabemos que logo após atravessar o Jordão e tomar posse da terra tão esperada, este povo não demorou a render-se aos encantos dos deuses dos cananeus.

    Essas narrativas nos mostram que não é fácil para os seres humanos – não foi para aquele povo assim como também não é para nenhum de nós –, viver a fidelidade a Deus. Também hoje os falsos deuses nos atraem e querem ocupar os lugares principais em nossos corações. É preciso vigiar e orar, diz o Cristo, e a triste realidade é que ninguém quer uma vida de vigilância e de oração. Temos sempre coisas mais divertidas para fazer, queremos fazer o que nos "der na telha", deixar "a vida nos levar"... Mas é exatamente por essa via que se prova aquele que ama a Deus verdadeiramente. Mesmo não querendo, este dedica o tempo necessário à oração. Mesmo sob a intensa tentação de ir fazer algo mais interessante, reserva um espaço em sua agenda para ler as Sagradas Escrituras. Mesmo sendo naturalmente egoísta, dedica-se ao serviço pelo próximo. Mesmo não querendo, mesmo sendo difícil, pratica a penitência quando devido. Mesmo não estando disposto, vai à Santa Missa, pelo menos todos os domingos e dias santos, e, fora disso, sempre que possível. Todos estes são sinais de obediência, que é o selo da fé verdadeira. São provas de Amor e de fidelidade.


Foi para a liberdade que Cristo nos libertou

Sim, a obediência sempre foi e sempre será a prova e a garantia da fidelidade a Deus. Num aparente paradoxo, entretanto, o santo Apóstolo nos diz, no Livro sagrado, que Deus liberta àqueles que o encontram e lhe são fiéis (Gl 5,1; Jo 8,32). 

    Ocorre que a obediência é também a prova da verdadeira liberdade. Não são livres aqueles que sem entregam, sem controle, aos próprios caprichos e desejos egoístas/hedonistas; pelo contrário, esses desejos egoístas, essa ânsia por sensações e prazeres carnais, essa sensualidade exacerbada, se não for domada, rapidamente toma conta dos que se entregam. Logo, esses que se imaginam muito "livres" para fazer tudo o que querem e satisfazer todos os apetites que lhes desperta a carne, tornam-se escravos de muitos vícios. São sempre infelizes, vivem vidas vazias, desprovidas de sentido.

    São esses os que não compreendem o sentido maior da vida que Deus nos dá: são aqueles que, chegando ao extremo do egoísmo e da falsa liberdade que tanto buscaram, terminam cometendo suicídio, e o fazem de diversas maneiras: alguns se atiram do alto de edifícios, mas há outros que põem fim às próprias vidas de modo ainda mais doloroso, entregando-se às drogas de todo tipo, até a destruição total do seu físico, ou prostituindo-se , maltratando seus próprios corpos numa promiscuidade cruel, corrompendo sua psique, às vezes, de modos irreversíveis, expondo-se a altos riscos, contraindo doenças terríveis, muitas incuráveis... Estas duas últimas são formas de suicídio lento. O demônio festeja.

    Mas quando você se prostra para a oração, os demônios se contorcem de ódio. Mesmo assim, se você permitir, eles tentarão assoprar aos seus ouvidos que você está perdendo tempo, que poderia estar fazendo algo muito mais útil ou mais agradável... Poderia estar se gratificando com algum tipo de diversão, ou fazendo algum trabalho até necessário, como Marta, que durante a visita de Jesus Cristo estava ocupada com muitos afazeres domésticos. Sua irmã Maria, porém "escolheu a melhor parte", colocando-se aos pés do Cristo para ouvi-lo e interiormente adorá-lo, numa forma profunda de oração mental. Jesus afirmou que aquela escolha "não lhe seria tirada", referindo-se à importância de priorizar a escuta da Palavra de Deus e a comunhão com Ele antes de tudo (Lc 10,38-42).

    Não há lugar melhor para se estar do que aos Pés do Criador e Salvador das nossas vidas. É Ele quem nos dá sentido, saúde espiritual e também mental e física, e nos dará, ao final, a vitória e a vida eterna. Então, lute e persista. Todos os Santos e Anjos do Céu estão ao seu lado.



    Por fim, exemplo supremo e mais perfeito, foi pela obediência que o próprio Jesus, sendo Deus, Princípio e Fim de todas as coisas, fez-se homem fraco e se entregou ao martírio pela salvação da humanidade; pois fez exatamente o oposto do que fizera o primeiro homem: obedeceu. Na obediência radical a Deus Pai, o Cristo desatou o nó da desobediência de Adão e nos reconciliou com a Fonte da Vida.

    De modo semelhante, ensinam os santos Padres, pela obediência da Virgem, desatou ela o laço de desobediência de Eva, que lançou a humanidade na danação. A partir daí, a fidelidade, que se reflete na obediência a Deus, passou a ser a marca principal daquele que crê. Eis o melhor remédio para os males que o Pecado Original deixou em nossa natureza: orgulho, vaidade, presunção, autossuficiência, exibicionismo, apego desordenado aos prazeres carnais, etc.

    O Profeta ensinou que a obediência é superior ao sacrifício (1Sm 15,22). Tomas de Kempis, em "Imitação de Cristo", assegura que "obedecer é muito mais seguro do que mandar" (9,1). No pátio da Academia Militar das Agulhas Negras encontra-se escrito, em local bem visível, para que os cadetes leiam todos os dias: "Cadete, ide comandar, aprendei a obedecer!". Se a obediência entre os homens, para a convivência em sociedade, já é tão útil e necessária, quanto mais para com Deus.

    A outra característica da fidelidade a Deus é o firme propósito de servi-Lo sempre, com perseverança e reta intenção, mesmo nos momentos mais difíceis. Como agrada a Deus o filho fiel! O Profeta diz também: "O SENHOR guarda os passos dos que lhe são fiéis" (2Sm 22,26). E o Senhor Jesus, na parábola: "Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegrar-te com o teu Senhor!" (Mt 25,21) – Tudo o que recebemos de Deus nesta vida é este pouco, sobre o qual é testada a nossa fidelidade.

    Jesus disse aos Apóstolos na última Ceia: "Se me amais, guardareis os meus Mandamentos" (Jo 14,15). Portanto, amar a Deus, mais do que um sentimento, é uma decisão: guardar os Seus Mandamentos, cumprir a sua Vontade. "Nem todo aquele que diz, 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a Vontade de meu Pai" (Mt 7,21).

    Amar a Deus é viver os seus ensinamentos. O Senhor nos deixou sua Igreja para que sua Vontade fosse expressa e objetivamente conhecida, e não ficasse ao sabor do julgamento subjetivo de cada um. Ele garantiu à sua Igreja que o Espírito Santo a conduziria "a toda a verdade" (Jo 16,13), e que a voz da Igreja é a sua Voz: "Quem vos ouve (Apóstolos = Igreja), a Mim ouve; quem vos rejeita, a Mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita Aquele que me enviou” (Lc 10,16).

    Ser fiel ao Senhor, portanto, é ser fiel à Sua Igreja, e a tudo aquilo que ela ensina. E quem não é fiel à Igreja, Corpo de Cristo, não é fiel a Jesus Cristo, simples assim. Não há tolice maior do que dizer que "a Igreja não é importante, o que importa é seguir Jesus", pois quem não segue à Igreja não segue Jesus Cristo. A Igreja é a Presença do Cristo prolongado na história dos homens. Quando se toca a Igreja, toca-se o próprio Senhor; quem se está na Igreja, integra o Corpo Místico do Senhor!

    A fidelidade está diretamente ligada, por fim, também à perseverança e à paciência. O grande São João da Cruz ensinava que a constância de ânimo, com paz e tranquilidade, não só enriquece a pessoa, como a ajuda muito a julgar melhor as adversidades, dando-lhes a solução conveniente. Mas para que haja serviço a Deus, perseverante e alegre, e para que possamos amar e cumprir os seus Mandamentos, é preciso uma vida de piedade, vigilância e oração: sem estas coisas, a alma esfria. E quando a alma esfria, o inimigo se aproxima dela para vencê-la pela tentação.

    Não seremos julgados pela nossa capacidade intelectual, por nossos títulos acadêmicos ou pela grandeza das nossas obras materiais, mas, como disseram os santos, pela pureza do nosso amor a Deus e pela nossa perseverança na fidelidade. Jesus garantiu que diante de todas as adversidades que ainda virão (e tudo indica que serão muitas e grandes), “quem perseverar até o fim será salvo” (Mt 24,13). Maranata! Veni, Domine!

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3 comentários:

  1. Irmao Henrique, eu tava precisando ler essas palavras. Passo por um momento de tribulação, e a fé as vezes vacila. Deus continue te iluminando.

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  2. Com certeza quem é fiel a Deus lhe obedece, quem é fiel ao Senhor lhe ama com sinceridade, por isso peçamos ao divino Espírito Santo que nos ilumine e nos fortaleça.

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  3. Glorificado e Exautado seja o nome de Jesus Cristo Louvado seja o Deus de Israel

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