A verdadeira misericórdia versus o orgulho humano

AS REFLEXÕES DO FREI Jacques Phillippe são atemporais. Este post é a reprodução de um trecho de "A verdadeira Misericórdia", sua obra mais recente. 



A Misericórdia e a Mãe de Deus

Homilia pronunciada no dia 8 de dezembro de 2015 no Thomas More College of Liberal Arts, Merrimack, New Hampshire

NESTE DIA (Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria), celebramos a sua beleza, a sua pureza e a sua liberdade de toda forma de pecado, um sinal da vitória de Deus. Na bula Misericordiae Vultus, em que proclama o início do ano jubilar, o Papa Francisco diz:

Depois do pecado de Adão e Eva, Deus não quis deixar a humanidade sozinha à mercê do mal. Por isso, pensou e quis Maria santa e imaculada no Amor (cf. Ef 1, 4), para que se tornasse a Mãe do Redentor do homem. Perante a gravidade do pecado, Deus responde com a plenitude do perdão. A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado.

São palavras de esperança. A Misericórdia de Deus será sempre maior do que os nossos pecados, e é isso que contemplamos no mistério da Virgem Maria.

Por esse motivo, a Virgem Maria pode nos ajudar a receber todas as graças (...). Maria em pessoa é a Porta da Misericórdia, pois, por ela, a Misericórdia de Deus entrou no mundo. Podemos dizer que Jesus é a misericórdia do Pai em Pessoa, porque pela Pessoa de Jesus o Amor misericordioso do Pai revelou-se a fim de alcançar todos os seres humanos, nos seus defeitos, nas suas feridas e nas suas fraquezas.

A Misericórdia de Deus é completamente gratuita. É uma Fonte abundante de ternura, de generosidade e de amor incondicional. Não precisamos comprá-la, não precisamos merecê-la: ela nos é dada de graça. A Misericórdia é todo esse Amor de Deus, esse Amor que encontra cada um de nós na nossa pobreza e na nossa necessidade.

Em latim, "misericórdia" é uma composição de duas palavras: "miséria" e "coração". E quando falamos de Misericórdia divina, falamos do Coração de Deus que vem ao encontro das misérias humanas. As feridas do pecado, o mal dentro de nós que se alimenta da tristeza e do desânimo: a Misericórdia de Deus visita tudo isso. Essa Fonte gratuita e abundante sai ao encontro de cada homem, de cada mulher, e assume uma forma adequada à necessidade de cada um. O sofrimento e a aflição são o objeto real do carinho de Deus. Deus é o Bom Samaritano, que vem cuidar das nossas feridas.

Assim, como Maria pode nos ajudar a compreender e acolher o mistério da misericórdia? Penso que o papel dela é muito importante, ainda que discreto, como é próprio de todas as suas ações. Ela nunca quer ser protagonista; sempre nos guia para o seu Filho. Por isso podemos nos confiar a ela e deixar que nos conduza. Podemos dar muitos motivos para isso, e talvez o primeiro seja o fato de Maria ser a pessoa mais perto de Deus, a que o conhece mais profundamente. E ela quer nos comunicar esse conhecimento.

Na homilia proferida em Fátima na beatificação de dois videntes (Jacinta e Francisco), São João Paulo II recordava uma das aparições da Virgem em que uma espécie de raio de luz envolveu as crianças e elas foram então imersas no Mistério de Deus. O Papa explicou que era um desígnio divino que a "mulher vestida de sol" descesse à Terra a fim de visitar aqueles pequeninos. Explicou ainda como ela lhes pediu com palavras protetoras e compassivas – saídas "da voz e do coração de uma mãe" – para oferecerem a própria vida como "vítima de reparação". As crianças viram uma luz sair das mãos de Maria, uma luz que lhes penetrava a alma e as fazia sentirem-se unidas a Deus, absortas no Amor dEle. Sentiam que esse Amor era um fogo ardente, mas não abrasador. O Papa compara essa experiência à de Moisés diante da sarça ardente. Deus nos apresenta o seu Amor e a sua proteção como um fogo que arde de amor por nós. E se nós o acolhermos, seremos "morada e, consequentemente, 'sarça ardente' do Altíssimo".

(...) Vemos no Evangelho que a Misericórdia de Deus é o maior dos mistérios e o mais belo dos tesouros. Contudo, temos dificuldades em aceitá-la.

Não é fácil acolher a Misericórdia de Deus. Também vemos isso no Evangelho, e vemos ainda na nossa vida diária. Temos dificuldades em aceitar a Misericórdia de Deus porque na verdade temos pouca confiança no perdão de Deus.

Permitam-me um pequeno exemplo. Como padre, encontro com frequência gente que me diz: "Uns anos atrás, cometi esse pecado grave e fui me confessar. Acho que Deus me perdoou, mas parece que não consigo me perdoar". Ouço isso o tempo todo.

Essa atitude pode surgir por alguns motivos. Talvez tenha a ver com a psicologia humana, mas sem dúvida existe uma falta de confiança. Não acreditamos verdadeiramente na realidade do perdão de Deus, de maneira que nem sempre o acolhemos plenamente. Deus nos perdoa, mas nós somos incapazes de nos perdoar.

(...) Não raro temos dificuldade em aceitar a Misericórdia de Deus; não nos perdoamos nem mesmo quando Deus já nos perdoou. Às vezes o motivo é o orgulho: "Não aceito ser uma pessoa que caiu, uma pessoa que cometeu erros. Eu queria ser perfeito, infalível. Mas cometi erros que não consigo aceitar". Isso brota de uma certa forma de orgulho. Temos dificuldade em aceitar que dependemos da Misericórdia de Deus. Gostaríamos de ser capazes de nos salvar por conta própria. Gostaríamos de ser a nossa própria riqueza, de ser ricos com base nas nossas boas ações e qualidades. Não nos é fácil aceitar que somos pobres de coração. Receber tudo da Misericórdia de Deus – aceitar que Deus é a nossa Fonte de riqueza, e não nós mesmos – requer uma grade "pobreza de coração" (humildade).

(...) Não conseguimos aceitar que Deus possa ser tão generoso com pobres pecadores. Mas é melhor aceitarmos, porque há sempre um momento nas nossas vidas em que nós somos os pobres e pecadores, quando mesmo as pessoas mais elevadas caem no pecado.

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Fonte:
PHILLIPPE, Jacques. A verdadeira Misericórdia, São Paulo: Quadrante, 2016.

www.ofielcatolico.com.br

3 comentários:

  1. Muito lindo o texto, parabéns ao apostolado fiel católico que sempre traz palavras de fé, esperança e amor!!!

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  2. Gostaria de tirar uma dúvida sobre esse trecho do diário da Sta Faustina:

    " Desejo que a Festa da Misericórdia seja refugio e abrigo para todas as almas, especialmente para os pecadores. Neste dia estão abertas as entranhas da Minha Misericórdia. Derramo todo um mar de graças que se aproximam da Fonte da Minha Misericórdia. A alma que se confessar e comungar alcançará o perdão das culpas e das penas. Nesse dia estão abertas todas as comportas divinas, pelas quais fluem as graças. Que nenhuma alma tenha medo de se aproximar de Mim, ainda que seus pecados sejam vermelhos como o escarlate."

    É verdade que nesse dia da Divina Misericórdia, até casais que vivem juntos, os amasiados, poderiam se confessar e comungar? Mesmo sem ter a possibilidade ou intenção de mudar esse status depois?

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