Vivência da Semana Santa, o Tríduo Pascal e o ápice do Ano Litúrgico, a Páscoa da Ressurreição


Por Felipe Marques – Frat. Laical São Próspero

A LITURGIA É TODO culto público da Igreja, dado a Deus. A Liturgia é a forma que Deus escolheu para agir na História (perpetuar na História o Mistério da salvação) desde Pentecostes até a Parusia (fim do tempo da Igreja e fim da História). Estas definições estão carregadas de significado, principalmente neste tempo oportuno de conversão que é a Semana Santa, tempo propício para a volta para Deus...

    Muitas pessoas encaram a Liturgia católica como se esta se resumisse à santa Missa. O centro da vida litúrgica é, sim, o Sacrifício de Cristo, e é da Eucaristia que todos os dons nos são dados. Isso acontece justamente para que possamos viver a Santa Missa no dia a dia, como ensina a Sacrosanctum Concilium, no seu parágrafo 2:
A Liturgia, pela qual, especialmente no Sacrifício Eucarístico, 'se opera o fruto da nossa Redenção', contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o Mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos. A Liturgia, ao mesmo tempo que edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em morada de Deus no Espírito, até à medida da idade da plenitude de Cristo, robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações, para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e um só Pastor.[1]

    Pode-se notar que a Liturgia é parte integrante da vida do católico, com a participação em todos os Sacramentos da Igreja e também na vivência da oração conjunta com a Santa Igreja em todo mundo. Logo, vivenciar bem a Semana Santa, para um católico, é participar com fruto da Liturgia e ter consciência de que ele não está sozinho e que faz parte do Corpo de Cristo(!). Sendo assim, deve purificar-se através da penitência, da oração e das esmolas – tudo aquilo que a Quaresma nos ajuda a praticar, – visto que, como ensina São Paulo Apóstolo na sua carta aos Gálatas (6, 14): “Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”.

    Para um católico, os 7 dias da semana são importantes, porém, o ápice de toda a semana é o Dia do Senhor, o domingo! É do Domingo (do latim Dominus Dei, o dia Santo do Senhor) e do Augusto Sacrifício do Altar que o fiel católico consegue forças para enfrentar mais uma semana que se segue. Compreendamos que o calendário litúrgico também segue uma linha temporal, que tem seu ponto "gravitacional" justamente na Páscoa, assim como a semana comum do católico tem seu acontecimento mais importante no Domingo!

    Ensina com palavras fortes São Luiz Maria Gringnon de Montfort:

Que grande honra serdes membros de Jesus Cristo! Uma honra, porém, que exige também a nossa participação no carregamento da cruz. Se a cabeça é coroada de espinhos, será que os membros quereriam coroar-se de rosas? Se a cabeça está escarrada e coberta de lama a caminho do Calvário, será que os membros deveriam cobrir-se de perfumes num trono real?[2] 

    É inevitável seguir ao Cristo sem carregar a Cruz, e todo aquele que não a carrega com Cristo não alcançará a Glória! Eis o convite que a Santa Igreja enfatiza para nós na Semana Santa: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). Que possamos mergulhar nos Mistérios do sofrimento salvífico de Cristo e não somente contemplá-lo, mas também participarmos deste sofrimento que gera vida e salvação, que gera Ressurreição.

    Para aprender mais sobre a importância deste Tempo Litúrgico, podemos conferir os ensinamentos do Catecismo da Igreja Católica:

A santa mãe Igreja considera seu dever celebrar com uma comemoração sagrada, em determinados dias do ano, a obra de salvação do seu divino Esposo. Em cada semana, no dia a que chamou Domingo, celebra a memória da ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano, na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua bem-aventurada paixão. E distribui todo o mistério de Cristo pelo decorrer do ano [...]. Comemorando assim os mistérios da Redenção, ela abre aos fiéis as riquezas das virtudes e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar de algum modo presentes a todos os tempos, para que os fiéis, em contacto com eles, se encham da graça da salvação.
O povo de Deus, desde o tempo da lei mosaica, conheceu festas em datas fixadas a partir da Páscoa, para comemorar as acções portentosas do Deus Salvador, dar-Lhe graças por elas, perpetuar-lhes a lembrança e ensinar as novas gerações a conformarem com elas a sua conduta. No tempo da Igreja, situado entre a Páscoa de Cristo, já realizada uma vez por todas, e a sua consumação no Reino de Deus, a liturgia celebrada em dias fixos está toda impregnada da novidade do Mistério de Cristo.[3]

    Para viver bem essa Semana Santa, existem alguns exercícios que podem nos ajudar na contemplação desse Santo Mistério de amor que é a doação total de Deus aos homens. Estes exercícios são:

    1) Contemplar, com a Santa Missa de Ramos, o início da caminhada de Cristo rumo à consumação da Salvação. Primeiro, O Senhor é adorado e dentro de poucos dias, é crucificado.

    2) Meditar as dores de Nossa Senhora.

    3) Participar do Ofício das Trevas[4], ou então realizar o Ofício das Trevas por si em caso de impossibilidade de participação na celebração na igreja mais próxima.

    4) Meditar a Via Sacra.

    5) Ler os Evangelhos de São Mateus, do capítulo 26 até o fim e São João do capítulo 13 em diante, onde é possível encontrar a narrativa da Paixão do Senhor.



O Tríduo Pascal


A Liturgia Pascal, ápice do Tempo Litúrgico, é composta do Tríduo Pascal, que tem seu início com a Missa da Ceia do Senhor e do Lava-pés (Quinta-Feira), segue na Sexta-feira da Paixão e continua no Sábado Santo.


    a) Missa da Ceia do Senhor e do Lava-pés

    Na Quinta-feira Santa, temos na Liturgia a preciosa Instituição da Eucaristia! Deus nos presenteia com a Eucaristia que é Seu próprio Corpo e Sangue, fazendo-Se pequeno nas espécies do pão e do vinho para estar conosco "até o fim do mundo" (Mt 28, 20). Eis a doação total de Deus para o homem; não bastou apenas conquistar nossa Redenção através do seu próprio Sacrifício. Deus quis nos dar mais ainda, e então dá-Se a si mesmo como santíssimo Alimento. Para nós, que agora sofremos em nessa peregrinação terrestre, neste vale de lágrimas, fortalecendo-nos na caminhada e nos tocando com Sua Santa Humanidade.

    A Liturgia mostra que nesse dia, quando Cristo se oferece em Sacrifício, os fiéis também devem se oferecer com Cristo. No Ofertório, Cristo se oferece, mas não somente isso, pois, nós também nos oferecemos com Ele. Somos convidados a iniciar o Tríduo Pascal contemplando o Amor de Deus para conosco, amor esse manifestado no próprio Cristo que se entrega sem reservas. Não fomos nós que amamos primeiro, mas sim Deus que veio ao nosso encontro, como ensina São João em sua primeira carta (4, 9-10):

Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em nos ter enviado ao mundo o seu Filho único, para que vivamos por ele. Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados.”

    Esse Amor que morre na Cruz por nós, nos une e merece uma resposta de nossa parte. Jesus Cristo merece ser amado por nós! O sacrificar-se de Cristo gera unidade interior em nós e entre nós católicos. Ao contemplarmos O Crucificado, temos a certeza de que somos muito amados e então as batalhas e divisões internas, a luta entre o homem velho e o homem novo ganha uma nova perspectiva, na qual o homem novo pode vencer desde que se espelhe em Jesus e conte com Sua graça divina.

    Ao tomarmos conhecimento desse amor que Deus tem por nós, devemos responder amando-O de volta, temendo perder esse amor divino, tremendo ao pensar que podemos perder esse santo tesouro se pecarmos. E por amarmos a Deus, então amaremos nossos irmãos, amaremos o próximo por amor a Deus e colocaremos em prática aquilo que Cristo ensina ao lavar os pés dos discípulos: “13.Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. 14.Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. 15.Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós. 16.Em verdade, em verdade vos digo: o servo não é maior do que o seu Senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou. 17.Se compreenderdes estas coisas, sereis felizes, sob condição de as praticardes. ” (João 13, 13 – 17) e um dia, com a graça de Deus e as boas obras, iremos para o Céu, para a felicidade eterna que só é alcançada com Deus.



    b) Sexta-feira da Paixão

    Eis nesse dia a resposta que a humanidade deu para Deus, pagando o amor recebido com uma Cruz! Um dia de reflexão, um dia sem Eucaristia (sem Santa Missa), porque nos quer fazer relembrar o quanto somos ingratos (não eucarísticos). O fracasso do homem diante de Deus que Se doa inteiramente por nós.

    Durante a Liturgia, temos a adoração à Santa Cruz, o madeiro onde O Cordeiro Santo, Jesus Cristo, foi imolado por causa dos nossos pecados. Onde O Senhor derramou Seu Santo Sangue e deu Seu último suspiro. Os olhos do fiel católico voltam-se para a dor causada em Cristo, que mesmo sem merecer carregou o fardo que pertence a nós pecadores.

    Tradicionalmente durante a adoração, cantam-se os Impropérios, ou repreensões. Essas reprimendas são feitas pelo próprio Cristo que nos exorta devido à nossa falta de amor, eis algumas dessas repreensões para que possamos refletir as nossas misérias:

Povo meu, que te fiz eu?
Dize em que te contristei!
Que mais podia ter feito,
em que foi que eu te faltei?

Eu te fiz sair do Egito,
Com maná te alimentei.
Preparei-te bela terra:
Tu, a cruz para o teu Rei!

Só na cruz tu me exaltaste,
quando em tudo te exaltei;
por que à morte me entregaste?
Em que foi que eu te faltei?
Eis a nossa resposta aos impropérios:
Deus santo,
Deus forte,
Deus imortal,
Tende piedade de nós!

    Que Deus tenha misericórdia de nós, pecadores! Na Sexta-feira da paixão somos convidados à fazer um exame de consciência e lembrarmos em nossa vida do quanto Deus foi bom conosco em tantos momentos e o quanto Deus nos livrou de satanás e diante de tudo isso, como estamos respondendo a este amor de Deus para conosco.


    c) Sábado de Aleluia ou Sábado Santo

    Eis o dia do anúncio da Ressurreição, eis o dia da esperança. No Sábado Santo, durante a Liturgia, temos um canto em especial que é entoado diante do Círio pascal, esta vela representa o sacrifício de Cristo, portanto, o hino é o agradecimento pelo sacrífico que não é somente uma 'morte', mas um sacrifício vivificante, pois produz a vida.

    Esse canto é o Exsultet ou Precônio Pascal e é um dos mais belos cantos litúrgicos já compostos! O agradecimento pelo sacrífico de Cristo é maravilhoso e extenso, e começa com um convite a oração, para que todo o Cosmos louve e glorifique a Deus pelos dons recebidos e pelo Sacrifício de amor:

Exulte de alegria a multidão dos Anjos,
exultem as assembleias celestes,
ressoem hinos de glória,
para anunciar o triunfo de tão grande Rei.

Rejubile também a terra,
inundada por tão grande claridade,
porque a luz de Cristo, o Rei eterno,
dissipa as trevas de todo o mundo.

Alegre-se a Igreja, nossa mãe,
adornada com os fulgores de tão grande luz,
e ressoem neste templo as aclamações do povo de Deus.

E vós, irmãos caríssimos,
aqui reunidos para celebrar o esplendor admirável desta luz,
invocai comigo a misericórdia de Deus omnipotente,
para que, tendo-Se Ele dignado, sem mérito algum da minha parte,
admitir-me no número dos seus ministros,
infunda em mim a claridade da sua luz,
para que possa celebrar dignamente os louvores deste círio.

    O hino de louvor continua recordando as glórias de Deus e nossa ação de graças está baseada em recordar o passado e todas as graças que Deus tem feito por nós! Esse hino não é somente um anúncio de algo vindouro, mas também é atual porque as celebrações litúrgicas atualizam não só o sacrifício de Cristo, mas também sua Ressurreição. A liturgia é viva e atual!

    Vale também lembrarmos o nosso papel diante de Deus, lembrando que éramos escravos do Pecado e o Rei enviou seu próprio Filho para nos salvar! Os belíssimos significados do hino podem ser melhor compreendidos nas explicações do Padre Paulo Ricardo de Azevedo Jr.:


    Eis o que é a Páscoa: a leitura, a narração e a proclamação das maravilhas de Deus na história de cada um, para que assim possa enxergar o Dom invisível de Deus no nosso hoje, no hoje da Sua Santa Igreja e no hoje das nossas próprias vidas. Assim, a Páscoa é o memorial da caminhada de Cristo rumo ao Céu, e também um memorial da caminhada de cada cristão que peregrina sobre a Terra lutando para chegar ao Paraíso.

    Nunca nos esqueçamos da meta, que é alcançar a salvação e ressuscitar com Cristo para a nova vida, para a vida eterna! Que um dia possamos dizer com São Paulo: “Quanto a mim, estou a ponto de ser imolado e o instante da minha libertação se aproxima. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua aparição” (2Tm 4, 6 – 8).

_________
Notas e referências:
1. Sacrosanctum Concilium, disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html
2. Carta aos amigos da Cruz. São Luis de Montfort. Cleófas, 2007, p. 45
3. Catecismo da Igreja Católica, capítulos 1163-1164, disponível em: http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p2s1cap2_1135-1209_po.html
4. O Ofício das Trevas, disponível em: http://www.arautos.org/noticias/35484/O-oficio-de-trevas.html
5. Para aprofundamento: 'Tríduo Pascal', disponível em: https://padrepauloricardo.org/cursos/triduo-pascal


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5 comentários:

  1. Uma das coisas que mais chama a atenção para mim quando relembro a Paixão de Cristo é Judas e sua traição. Ele traiu Jesus por 30 moedas de prata que, ao final, viu que de nada serviam. Quantas vezes não somos como Judas a trair Jesus por bem menos que isso? Quantas vezes preferimos as moedas de prata deste mundo – limitadas, passageiras, temporais – do que ao eterno e constante bem que Cristo nos oferece?

    Judas e Pedro traíram Cristo, a diferença entre eles, como São Josemaria Escrivá certa vez relembrou, é que Judas não acreditou na misericórdia de Deus, mas Pedro, sim. Judas se encheu de ódio de si mesmo por ter entregue o Filho de Deus. Pedro se encheu de arrependimento e sentiu-se amado ao lembrar de tudo o que aprendeu com Jesus. O ódio escraviza. O amor liberta.

    Que cada vez que nos lembrarmos da Paixão do Senhor, possamos olhar cada chaga e, sentindo a misericórdia de Deus, dizermos: “Senhor, tu fizestes tanto por mim, o que posso fazer por ti?”

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  2. Amém Roger bela.reflexão

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  3. Que bela reflexão do tempo pascal! E que belo comentário do Roger. Glória à Deus por esse tão grande e valioso apostolado.

    Deus vos abençoe.

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  4. Peçamos ao nosso bom Deus que nos santifique e nos purifique.

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  5. Artigo de grande valor. Parabéns aos autores

    Rica

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