Escândalos na Igreja e a perseverança do cristão

UMA LEITORA E ASSINANTE de nossa Formação Teológica, cujo nome não estamos autorizados a divulgar, enviou ao nosso endereço de e-mail uma interessante mensagem, cujo trecho principal reproduzimos abaixo, seguido de nossa resposta – esperando em Cristo que seja útil também aos nossos demais leitores:

"Tenho um (...) assunto polêmico! O Filme Philomena. Foi muito falado algum tempo atrás. O que mais me incomoda é colocarem as freiras como responsáveis pelas as vendas das crianças que foram adotadas.(cruelmente). Você saberia dizer se isso realmente acontecia? Tenho justificado esse acontecimento pra mim assim: Se os pais puderam abandoná-la grávida, por que cobrar tanto das freiras! Mas dentro de mim, eu sei que elas eram severas e as vezes cruel. E isso me incomoda!
Não sei como pelo menos,amenizar..."

    Prezadíssima leitora, ficamos realmente felizes em saber que o nosso trabalho esteja, de algum modo, sendo útil na sua caminhada. Parabéns por buscar, por estudar e se aprofundar na Fé. Isso é sumamente importante; é o que nos pediu o primeiro Papa: "Estejais sempre prontos a dar a razão da vossa esperança diante daqueles que vos questionam" (1Pd 3,15). E quando você me pergunta sobre o filme "Philomena", eu vejo que preciso lhe dizer algo que será de importância realmente fundamental em todo o seu processo de conversão [digo-o porque esta não é a primeira vez que nos escreve com dúvidas deste tipo: 'É verdade que tal católico foi capaz de cometer grandes pecados? Como explicar tal coisa?'] 

    O que devo lhe dizer é isto: se você realmente quiser continuar sendo cristã, precisa entender que na Igreja não existem somente pessoas boas, santas ou justas. Se você vai se escandalizar ou ficar psicologicamente abalada a cada vez que souber de alguma maldade praticada por padres, freiras, bispos ou mesmo papas, você vai acabar perdendo a Fé. Essa questão é realmente muito importante. Chego a dizer que compreendê-la é como um estágio que o cristão precisa superar. Eu (que não sou nenhum santo de sétima morada) passei por isso, e todos os Santos cujas vidas eu estudei tiveram que superar essa etapa.



    Vejamos: quando conhecemos a Igreja de Cristo, logo nos apaixonamos, porque encontramos a nossa casa, o nosso lugar no mundo; entendemos finalmente o que Deus quer de nós e onde Ele quer que estejamos; queremos comungar com Ele e servi-lo com alegria... É um primeiro estágio da conversão, repleto de felicidade e empolgação. Queremos ajudar as ações da Igreja, queremos mostrar ao mundo que pertencemos a esta Igreja, queremos participar dos seus movimentos, obras de caridade, ações pastorais, ...

    Mas aí, com o passar do tempo, fatalmente começamos a nos decepcionar com uma série de coisas. E se a nossa Fé não for sólida, se não estiver bem direcionada e ancorada onde deve estar, corremos o risco de deixar que essas decepções tomem conta de tudo e, a médio-longo prazo, até de abandonar a Igreja.

    Tudo começa quando vemos que os nosso irmãos católicos não são assim tão santos como achávamos que eles deveriam ser. É uma dura realidade, mas, ao menos na maioria dos casos, boa parte deles parece não ter sequer a mínima boa vontade para fazer o que é certo, viver a virtude da caridade, cumprir o primeiro e o segundo Mandamentos... e outros tantos nos dão a impressão de que nem mesmo têm Fé. Parece que vão à igreja por uma simples questão de preceito, obrigação ou costume, nada mais. Eles não dão bom testemunho, como deveriam, e muitas vezes, pelo contrário, fazem o contrário do que esperávamos deles. Isso entristece, magoa a alma. É uma profunda decepção.

    O tempo passa e a coisa só piora. Logo percebemos que o padre da nossa paróquia também não é aquele "santinho" que achamos que ele – mais do que todos –, deveria ser. Essa decepção pode ser ainda pior. É triste dizer, mas, nos nossos dias, a situação é realmente difícil. Eu, com a Graça de nosso Bom e Misericordioso Deus, na minha busca, com o passar dos anos, acabei por ser levado a conhecer não um, mas vários sacerdotes dignos e santos. Que a situação geral do clero em nossos tempos é delicada, entretanto, é uma realidade da qual não se pode fugir, e os motivos são vários, desde má formação até a infiltração de uma certa ideologia contrária aos fundamentos de sempre da Fé da Igreja, que vem ocorrendo há décadas, cresceu e hoje é impossível de se ignorar, porque contaminou boa parte do clero e até a mais alta hierarquia eclesiástica. É um assunto extremamente amplo, complexo e polêmico, sobre o qual você pode se informar lendo alguns de nossos artigos específicos a respeito da grande crise – ou a grande apostasia já chegada – que vivemos hoje.

    Sendo assim, o fato de que existem (muitos) traidores no seio da Igreja é indiscutível, mas há um outro fator essencial nesta equação que também não pode ser ignorado: a má vontade da "classe falante" e dos formadores de opinião, no geral, contra a Igreja. Há pouco tempo, por exemplo, depois que a grande mídia passou a divulgar com grande intensidade e sensacionalismo os casos de pedofilia no clero, milhares de pessoas, sentindo-se escandalizadas, deixaram de praticar a Religião... Por quê? Porque essas pessoas confundem as coisas, e é uma confusão muito elementar: pensam simplesmente que, se existem padres ruins, então a Igreja não pode ser boa; se um padre é capaz de cometer uma monstruosidade tal como abusar de uma criança, então não vale a pena ser católico, e já não é mais possível pertencer a essa mesma Igreja...



    Então, veja que chega essa hora em que de todos nós, católicos, temos que amadurecer na Fé, de crescermos e nos tornarmos cristãos adultos e bem formados. É hora de entender que a Igreja nunca foi formada exclusivamente por gente santa – e isso vem desde o começo, desde os primeiríssimos tempos. É só você pensar que, até mesmo entre aqueles Doze, os quais Jesus escolheu diretamente, havia um Judas, e que até Pedro, o primeiro Papa, negou o Senhor por três vezes, dizendo: "Não conheço este homem"!

    Hoje, a Igreja não é mais constituída por 12, mas por 1200000000 (1,2 bilhões de pessoas)! Se antes era um Judas, agora são milhões deles, e isso não deveria nos surpreender. Compreende o que estou dizendo? O ser humano não é confiável, mas é falho, está sempre sujeito ao pecado e às tentações do diabo, e a Bíblia é categórica ao nos prevenir: "Maldito o homem que confia no homem" (Jr 17,5). Não é porque alguém se torna padre ou freira que se torna automaticamente santo. Por isso, deixe que eu a previna: em toda a história da Igreja, até hoje, muitos padres, freiras e bispos, e até papas, fizeram coisas horríveis. Mas (importante!) essas pessoas não representam a Igreja, e você sabe por quê? Simplesmente porque são traidoras da Igreja.

    E então, quais são as pessoas que realmente representam a Igreja? São os Santos e as Santas. Por quê? Ora, porque são esses que cumprem os preceitos da mesma Igreja! Só pode representar uma instituição quem está alinhado com ela, quem faz o que ela manda. Não é simples?

    Agora eu vou lhe responder com muita objetividade sobre os fatos retratados no filme "Philomena". Eu realmente não sei até que ponto são 100% verdadeiros, mas... Isto não importa absolutamente nada para a minha Fé. Nada, mesmo! Se eu sei que os filhos e filhas da Igreja são pessoas humanas, sujeitas ao pecado, assim como todos nós, isso não pode me afetar. Entende isso?

    Também é interessante notar que alguns pecados são cometidos por pura maldade ou fraqueza, mas outros acontecem devido ao zelo em se fazer o que é certo e servir a Deus. Sim, e este último parece ter sido o o caso retratado no filme: havia um desejo de pureza, uma ansiedade em se cumprir os preceitos divinos, em não ofender a Deus, que fez com que aquelas pessoas se esquecessem do Mandamento maior, que é o do amor e da compaixão. Mas também é importante notar que estamos falando de uma outra época. O que sei é que a verdadeira Philomena um dia se encontrou com o Papa e se sentiu honrada e muito feliz com isso (veja aqui).

    Agora, você já reparou como a grande mídia, os diretores de TV e cinema, os jornalistas... os formadores de opinião do mundo, enfim, adoram apontar erros na Igreja Católica? Curioso, a Igreja é a instituição que mais pratica a caridade no mundo; neste exato momento, literalmente milhões de pessoas ao redor do nosso planeta estão sendo assistidas por algum organismo da Igreja, por milhares e milhares de santos anônimos que nunca têm o seu trabalho divulgado. Mas, se um padre ou uma freira (perdoe o mau jeito) soltarem um "pum" no elevador, isso vai ser noticiado no Jornal Nacional por uma semana inteira, e talvez até façam um filme sobre isso! Você consegue perceber, nessa realidade, o cumprimento da profecia de Nosso Senhor, de que seríamos odiados de todos por amor ao seu Nome?

    Então, é isto, Letícia. A Igreja é a Casa de Deus (1Tm 3,15), é o Corpo Místico de Cristo (1Cor 12, 12; Cl 1, 18; Ef 5, 23; Rm 12, 4-5). Jesus diz que Ele é a Videira e nós, os membros dessa Igreja, seus ramos. É por meio da Igreja que recebemos os Sacramentos, desde o Batismo até a Sagrada Eucaristia, que nos põe em santa intimidade com o próprio Deus. Mas Ele nunca disse que todos os ramos seriam perfeitos, que todos dariam bons frutos, sem que nenhum apodrecesse, ou que não existiria pecado entre aqueles que resolvessem segui-lo. Ao contrário, Ele previu  que muitos cairiam, e tribulações, tentações e a apostasia. Então, se a sua Fé vai se abalar a cada vez que você descobrir algum pecado dos filhos da Igreja, melhor desistir agora. Saiba disso e aceite isso, ou desista de Jesus.

    Deus a abençoe e salve.

12 comentários:

  1. Adorei esta explicação.
    Bendito sejam aqueles que atravessam grandes tribulações e se mantém fiéis a Igreja.
    Antonio-SP.

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  2. Na igreja eu gosto de olhar a vida santa de São Francisco de Assis, de Santo Antònio de Pádua, de Santo Inácio de Loyola, etc, e ai vejo que é possível seguir o Divino Redentor. Que os nossos santos peçam a Jesus por nós.

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  3. Belíssima resposta, irmão.
    Saudades de comentar nesse blog. Acompanho sempre que posso. Vou utilizar o texto no nosso quarto encontro de novena. Anunciar com coerência.
    Abraço fraterno!

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    1. José Antônio, saudade dos seus comentários também.
      Também gostei da resposta. Interessante notar que, assim como entre os 12 discípulos já havia um traidor, até hoje se encontram traidores na igreja. Ainda assim, esses traidores servem para contrastar a diferença entre quem é fiel a Cristo e quem não é.

      Que Deus nos abençoe.

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  4. Ao invés de se apegar aos maus exemplos, espelhem-se neste testemunho de amor. Uma freira violentada que ficou grávida terá o filho. Um dos testemunhos mais bonitos que já li na vida:

    http://blog.opovo.com.br/ancoradouro/fui-estuprada-e-terei-crianca-conheca-historia-de-irma-lucy-vetursea-freira-que-foi-violentada/

    Espero que este exemplo possa chegar a pessoa que levantou o questionamento.
    Sds,
    Elaine Egídio.

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    1. Sem dúvida, Elaine, o testemunho da freira é muito bonito e nos mostra como uma mulher disse sim á vida e a vontade divina, mesmo passando pela tribulação que ela passou. A paz de NSJC!

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  5. Excelente resposta Henrique! Sempre acompanho seu site e me auxilia demais. Deus o abençoe abundantemente.
    Andressa

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  6. Parabéns pelo esclarecimento, Henrique, tais fatos e maldades quando acontecem no âmbito da igreja, devem ser vistos, como você bem explicou na sua resposta, como provação e teste para nossa fé em Cristo.
    A propósito, face a ocorrência que anda circulando nas mídias, sobre a substituição de um padre de cor negra de uma Paróquia de Adamantina-SP, pela Diocese de Marília-SP, segundo dizem, por racismo, gostaria de que você nos informasse que sabe sobre assunto e, se esse é verdadeiro ou mentiroso.
    Sebastião

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    1. Não tenho conhecimento do caso, Sebastião, a não ser superficial; mas, ainda que seja verídico, se enquadraria perfeitamente nas explicações expostas nesta postagem.

      Só uma observação sobre essa história, não minha mas de um querido amigo, um seminarista negro, que, muito lúcido, sempre dizia:

      "Quando você é negro, tudo de bom e de mal que lhe fazem sempre pode ser atribuído ao racismo. Se me fazem o mal, se me excluem ou me caluniam, posso dizer que é porque sou negro. Se me ajudam, me abrem as portas e me tratam bem, eu também posso dizer que é só porque eu sou negro, porque se sentem superiores a mim ou coisa parecida..."

      Dizia isso sorrindo e em tom de galhofa, mas há uma verdade profunda embutida aí.

      A Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo

      Apostolado Fiel Católico

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  7. Ótimo post. Só um adendo, no início da postagem diz que não se iria revelar o nome da estudante, mas no meio do post foi colocado (Letícia).

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    1. Puxa, é verdade, Rodolfo. Que descuido! Em todo caso, é um nome comum que não vai comprometer a identidade da leitora. Obrigado pelo aviso.

      Fraternidade Laical São Próspero

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  8. Fôssemos nós todos perfeitos desde sempre, nem o sacrifício de Cristo seria necessário.

    Ao contrário, desde o início da história da Igreja, são relatados nas epístolas os pecados, dissidências e escândalos ocorridos até mesmo em comunidades recém formadas. As advertências e exortações, inclusive, são muito mais dirigidas aos membros da Igreja do que aos de fora dela.

    Por outro lado, há sempre menção aos bons exemplos a serem seguidos. e da glória que os aguarda.

    É fundamental compreendermos que Deus nos ama tanto, que mesmo enxergando nossos pecados do dia a dia e tendo feito por nós um sacrifício único e inigualável, nunca tira a nossa liberdade de escolher entre o bem e o mal. Apenas nos faz ver as consequências de cada escolha.

    Portanto, sigamos firmes.

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