4/6/2023 | Dom Hector Aguer, Arcebispo, sobre o Sínodo: 'A verdade objetiva não conta mais...'


"'ESTUPOR' É A PALAVRA que me sai da boca ao conhecer o conteúdo das 50 páginas do Instrumentum laboris para o Sínodo próximo, programado 'democraticamente' desde 2021", disse o Arcebispo emérito de La Plata, Dom Hector Aguer, em seu artigo para o portal Rorate Caeli, publicado em 4 de julho (2023). O La Prensa de Buenos Aires veiculou a notícia nestes termos:


O Vaticano publicou o espinhoso roteiro para o próximo Sínodo. "Há uma profunda necessidade de imitar nosso Mestre e Senhor em termos de capacidade de viver um aparente paradoxo: proclamar agressivamente seu autêntico ensinamento, ao mesmo tempo em que serve como testemunha de inclusão e aceitação radical".[1]


    "Que imitação agressiva e paradoxal de Cristo!", prosseguiu Dom Aguer. Bem, se a intenção é imitar o Senhor Jesus Cristo, então, por misericórdia, mostrem quando e onde foi que Ele assumiu essa agenda de "inclusão e aceitação radical"?? Cristo "aceitou" os erros dos fariseus? "Incluiu" os vendilhões do Templo? Simplesmente "aceitou" o pecado da mulher adúltera ou, depois de perdoá-la, mandou que não pecasse mais? Alguma vez Ele deixou de chamar os hipócritas de hipócritas e os pecadores de pecadores, em nome de uma "inclusão e aceitação radical"? Acaso compactuou com Satanás, ao ser tentado? De onde vem essa ideia infeliz e absolutamente anticristã proposta por aqueles que deveriam pastorear e conduzir as almas em segurança? Que igreja é essa, que já não reconhecemos??


    Observa Dom Aguer que esse propósito é absolutamente incomum. A partir daqui, prosseguimos com o seu texto, traduzido por Henrique Sebastião e algumas notas nossas entre colchetes:



A Igreja sinodal formula uma glosa progressiva sobre o Evangelho. O Instrumentum Laboris expõe como assumir eclesialmente a agenda globalista 2030. É admirável como a monarquia pontifícia faz a “democracia sinodal” dizer exatamente o que ela quer que essa "democracia" diga. É algo como jogar uma pedra e esconder a mão.


    O itinerário da futura Assembleia, que já leva dois anos em preparação, (supostamente) faz falar e votar a "multidão" – especialmente (de forma inédita) a feminina. Isso é o que sugeri com o exemplo da pedra. Quando o projeto dessa outra Igreja estiver concluído, o Sumo Pontífice, diante das críticas que não faltarão, poderá dizer: "Não fui eu que fiz"!


    O documento que venho comentando, ao retomar o resultado do caminho percorrido desde 2021, aborda a questão de uma nova eclesiologia: a sinodalidade. Uma digressão: "sínodo, sinodal", significa "caminhar com" (do grego syn e hodós), mas não expressa "para onde". A meta, então, pode ser a nova Igreja progressista, em conflito com a grande Tradição eclesial. Vamos todos juntos para lá!


    Um dos temas em pauta, que rapidamente chama a atenção, é “como a Igreja pode ser mais receptiva às pessoas LGBTQ+”. É digno de nota que a expressão "pessoas com tendências homossexuais", que aparece em vários documentos romanos e no Catecismo da Igreja Católica, já não é mais usada  [a mais alta hierarquia da Igreja oficialmente adotou o linguajar dos grupos ideológicos que abertamente se colocam como inimigos de Cristo e da própria Igreja, engrossando ela mesma as fileiras revolucionárias que pretendem alterar o tecido da realidade, pecando contra a natureza e a vontade de Deus, pela mudança das palavras e dos nomes dados às coisas]. Também não é mencionado o nome de outros "coletivos", que se sentiram marginalizados ou ignorados. Continua afirmando que os pobres “ocupam um lugar central”; introduzem-se novas áreas, como as alterações climáticas e os movimentos migratórios, aos quais se refere frequentemente a pregação pontifícia.


    No Sínodo projetado, participarão 75% de bispos e 25% de leigos, incluindo e dando destaque às mulheres, com direito a voz e voto. Se eu leio bem, parece-me que os padres são ignorados, o que é muito impressionante, e mostra como seu número está diminuindo continuamente em todas as dioceses. As vocações sacerdotais deixaram de ser uma prioridade. Mais uma vez, é chegada a "hora dos leigos" [mas apenas aqueles leigos avessos à sagrada Tradição, porque os muitos grupos laicais que lutam pela sua preservação têm a sua  voz sistematicamente abafada, sendo sumariamente ignorados, como se não existissem].


    O texto continua indicando que "há quem não se sinta aceito na Igreja, como os divorciados recasados, pessoas em casamentos que antes eram chamados de irregulares, ou pessoas LGBTQ+ [novamente], e há formas de discriminação racial, étnica, discriminação de classe ou casta que levam alguns a se sentirem menos importantes ou menos bem-vindos dentro da comunidade” [qualquer semelhança com panfletos marxistas será mera coincidência...]. O propósito de superação é formulado, então: "Como criar espaços nos quais aqueles que se sentem feridos pela Igreja [não é o pecado nem a cisão com Deus e sua Verdade que fere a alma, mas a perversidade da Igreja] e rejeitados pela comunidade possam se sentir reconhecidos, não julgados e livres para fazer perguntas? E que passos concretos são necessários para chegar às pessoas que se sentem excluídas da Igreja por causa de sua afetividade e sexualidade? Estas serão as perguntas a serem feitas pela Assembleia do Sínodo.


    Arrisco uma interpretação: a verdade objetiva e o reconhecimento de preceitos pelos quais a virtude e o pecado são julgados e reconhecidos não contam mais. O que importa agora é como se sentem aqueles que se consideram excluídos; é o sentimento que importa, não o estado objetivo em que se encontram.


    Outro ponto fundamental é a necessidade “de que a participação da mulher na governança, tomada de decisões, missão e ministérios, seja abordada em todos os níveis da Igreja, com o apoio de estruturas adequadas para que não permaneça uma mera aspiração geral”. Como se vê, o programa não ousa levantar a possibilidade do “sacerdócio feminino”, mas essa observação específica sobre "estruturas adequadas" retorna às velhas aspirações de mudança estrutural.


    Embora possa parecer curioso observar, a Igreja Católica começa tardiamente a trilhar o caminho aberto pela chamada Reforma protestante, numa época em que o protestantismo há muito foi engolido pelo mundo. Este é o momento de citar o que um luterano dinamarquês que foi um grande filósofo, Soren Kierkegaard, escreveu em seu Diário em 1848: "Agora mesmo, quando se fala em reorganizar a Igreja, fica claro quão pouco cristianismo há nela. " (IX A 264). Na mesma página, ele fala da "infeliz ilusão desse 'Cristianismo' que substitui o ser cristão pelo ser humano".


    É essa mesma infeliz ilusão que agora engana a Igreja Católica. O programa sinodal, como o do Sínodo alemão, desenha uma outra Igreja, heterogênea no que diz respeito à grande e unânime Tradição. Como os fiéis católicos reagirão? Em vários países já se forma, felizmente, uma reação que costuma ser desqualificada como "conservadora" pelo progressismo oficial. A Providência do Esposo e Senhor do katholiké inspira e ilumina a contemporaneidade com Cristo que expressa o cumprimento da Promessa evangélica: "Estarei sempre convosco (todos os dias) até o fim do mundo" (Mt 28,20). O texto grego diz: até as synteleias do cosmos. A fórmula "fim do mundo" é uma tradução ambígua; o cumprimento é a consumação da História, segundo os misteriosos desígnios da Providência. Na esfera misteriosa da divina Providência está inscrito o jogo das causas segundas , que ela ordena segundo desígnios inescrutáveis. Na Providência, a justiça e a misericórdia de Deus são igualmente manifestadas. Essa Providência, então, inclui a dialética das causas secundárias, e por isso pode-se dizer que ela permite o mal.


    Os desígnios dos autores do Sínodo são essas causas secundárias, livres para praticar o mal.


    Como ouso me expressar nesses termos! Reconheço e venero Francisco como Sucessor de Pedro, Vigário de Cristo. Mas Francisco ainda é Jorge Bergoglio. Agora, conheço Jorge Bergoglio há 45 anos. Ele é uma "segunda causa". Isso explica o que foi dito... e ainda muito mais que poderia ser dito.

† Heitor Aguer

Arcebispo Emérito de La Plata

4 de julho de 2023




_____
Fonte:

Rorate Caeli, "What an aggressive, paradoxical imitation of Christ!": Archbishop Hector Aguer, disp. em:
https://rorate-caeli.blogspot.com/2023/07/what-aggressive-paradoxical-imitation.html
Acesso 6/7/2023

1. Apud Rorate Caeli.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

** Inscreva-se para a Formação Teológica da FLSP e além das aulas mensais (com as 4 disciplinas fundamentais da Teologia: Dogmática, História da Igreja, Bíblia e Ascética & Mística) receba acesso aos doze volumes digitais (material completo) do nosso Curso de Sagradas Escrituras, mais a coleção completa em PDF da revista O Fiel Católico (43 edições), mais materiais exclusivos e novas atualizações diárias. Para assinar agora por só R$13,90, use este link. Ajude-nos a continuar trabalhando pelo esclarecimento da fé cristã e católica!

AVISO aos comentaristas:
Este não é um espaço de "debates" e nem para disputas religiosas que têm como motivação e resultado a insuflação das vaidades. Ao contrário, conscientes das nossas limitações, buscamos com humildade oferecer respostas católicas àqueles sinceramente interessados em aprender. Para tanto, somos associação leiga assistida por santos sacerdotes e composta por profissionais de comunicação, professores, autores e pesquisadores. Aos interessados em batalhas de egos, advertimos: não percam precioso tempo (que pode ser investido nos estudos, na oração e na prática da caridade) redigindo provocações e desafios infantis, pois não serão publicados.

Subir