A confusão dos catecismos ditos "de São Pio X"

ULTIMAMENTE TEMOS CONSTATADO que há um crescente interesse pelo Catecismo da Doutrina Cristã de São Pio X, publicado no ano 1912. Parece que mais e mais pessoas estão descobrindo que o mais conhecido dito "Catecismo Maior de São Pio X", de 1905 (editora Permanência), de fato não é um "catecismo maior" (no sentido que este título dado posteriormente faz parecer) e nem é da autoria de São Pio X. Mais do que isso, o uso desse catecismo chegou a ser indiretamente proibido por este Santo Papa, tendo sido substituído, justamente, pelo Catecismo da Doutrina Cristã de 1912. Para os que não conhecem essa história, explico...


    Primeiro, o tal "Catecismo Maior de São Pio X", como dito, não é realmente um "catecismo maior" (este não é o título original da obra, aliás), no sentido de se tratar de um documento magisterial superior a algum outro, como o nome faz supor, como se houvesse algum "catecismo menor" de São Pio X, abreviado e, de algum modo, inferior. Nada disso. De fato, essa obra de 1905 foi publicada como "Compêndio da doutrina cristã" (Compendio della dottrina cristiana), e o texto que ele contém, segundo as palavras do próprio São Pio X, foi elaborado em razão da “necessidade de prover, quanto possível, à instrução religiosa na tenra juventude”[1]; trata-se, portanto, de um manual de catequese produzido para crianças e adolescentes. O título "Catecismo maior" foi dado à obra em sua reedição moderna, ou por ser realmente maior em tamanho (contém 993 perguntas e respostas) ou por uma questão publicitária, de marketing, ou talvez as duas coisas.

    Segundo, esse livro não é da autoria de São Pio X, mas 
foi elaborado por diversos "Bispos do Piemonte, da Ligúria, da Lombardia, da Emília e da Toscana (...) com ligeiras adaptações", e posteriormente aprovado por Sua Santidade[2]. É basicamente uma coletânea de textos catequéticos que já circulavam anteriormente, adotada nas províncias eclesiásticas da Itália. Segundo CHIRON, esta obra “era, em sua parte central, um texto derivado do catecismo publicado em 1765 por Mons. Michele Casati, bispo de Mondovì”[3].

    Este n
ão é, portanto, realmente o Catecismo que foi definitivamente recomendado por São Pio X; de fato, este glorioso Papa e Santo – que tanto lutou contra a influência modernista na Igreja e que foi, sem dúvida, o grande Papa da catequese moderna –, sempre preocupadíssimo com a boa formação do povo católico, substitui-o posteriormente, determinando que o seu uso fosse interrompido. Como dissemos, não é realmente um "catecismo maior" em sentido próprio e nem é o catecismo de São Pio X. Ponto.

    Considerando-se o exposto até aqui, será então que o dito "Catecismo maior de São Pio X" é ruim, ou que não serve, ou ainda que a sua leitura deveria ser evitada? Não, ao contrário: trata-se de uma obra de leitura utilíssima, fiel à Sã Doutrina e de imenso valor para a catequese, pela sua clareza e objetividade. Tanto assim que, como já dissemos, São Pio X o autorizou, sim, e determinou que fosse utilizado em Roma, recomendando-o à toda a Itália durante 7 anos, nos seguintes termos:


A necessidade de proporcionar o máximo possível à instituição religiosa à tenra juventude aconselhou-nos a imprimir um Catecismo, que expõe claramente os rudimentos da santa fé e as verdades divinas que devem informar a vida de cada cristão. Portanto, tendo examinado os numerosos livros didáticos já em uso nas Dioceses da Itália, pareceu oportuno adotar com ligeiras adaptações o texto aprovado durante vários anos pelos Bispos do Piemonte, da Ligúria, da Lombardia, da Emília e da Toscana. A utilização deste texto será obrigatória para o ensino público e privado na Diocese de Roma e em todas as outras da Província Romana; e esperamos que também as outras Dioceses queiram adotá-lo para assim chegar a esse texto único, pelo menos para toda a Itália, que está no desejo universal.[4]

    Muito bem. Acontece, porém, que alguns anos depois, 
exatamente aos 18 de outubro de 1912, Sua Santidade o Papa São Pio X fez publicar outro e definitivo Catecismo, sob o título "Catecismo da Doutrina Cristã" (Catechismo della Dottrina Cristiana). Em nova carta ao Cardeal Pietro Respighi, Vigário de Roma, o Santo Padre relembra uma vez mais os seus esforços em prol da instrução religiosa, pelo que determinou introduzir “um Catecismo suficiente, muito mais breve e mais adaptado às exigências modernas”. E prossegue: “Nós consentimos que se reduzisse o antigo Catecismo a um novo, mais restrito, que Nós mesmos examinamos e quisemos que fosse examinado por muitos de nossos confrades Bispos da Itália, a fim de que nos exprimissem o seu parecer em geral, e indicassem, segundo sua ciência e experiência, as modificações a serem introduzidas”.

    O novo documento contém
 “preciosas observações” levadas em consideração por São Pio X em relação ao anterior, de modo que, nas suas palavras:


“...a Nós parece que não se deve adiar mais a substituição do texto, por vários motivos reconhecida como oportuna, confiando que este, com a bênção do Senhor, será muito mais cômodo e tanto ou mais vantajoso que o antigo, seja porque o volume do livro e das coisas a aprender, bastante reduzidas, não desencorajará os jovens (...); e permitirá aos mestres e catequistas que o façam aprendê-lo por inteiro; seja porque, apesar da brevidade, nele são mais explicadas e acentuadas aquelas verdades que hoje, com imenso dano às almas e à sociedade, são mais combatidas, ou mal-entendidas ou esquecidas.”[5]

    Como salientamos em destaque, nas palavras finais, São Pio X faz questão de deixar claro que a brevidade do Catecismo de 1912 (este contém 433 perguntas e respostas) não o torna “menor” em comparação com o outro, de 1905, em questões de autoridade ou da exposição da Doutrina Cristã, mas, ao contrário é superior àquele quando se trata da defesa da verdade.

    
Depois de recomendar o Catecismo também aos adultos, o Santo Padre declara o seguinte: “Nós, com a autoridade da presente, aprovamos e prescrevemos [este Catecismo] à diocese e província eclesiástica de Roma, proibindo que agora, no ensino catequético, siga-se outro texto”.

    
Sim. São Pio X aprovou o Catecismo da Doutrina Cristã de 1912 como o legítimo e único substituto desse que agora é chamado "Catecismo Maior de São Pio X", de 1905, e proibiu a utilização deste último na diocese de Roma. A pergunta que logo surge, portanto, é esta: sendo assim, além da abreviação dos conteúdos, o que teria mudado de mais importante entre um e outro, na exposição da Sã Doutrina, para que um tivesse que ser, assim, substituído pelo outro?

    A resposta é que as mudanças não são numerosas, porém estão lá, e são muito importantes. Os melhores exemplos nesse sentido estão na maneira como o Catecismo recomendado a partir de 1912 é mais preciso e afasta qualquer possibilidade de má interpretação em questões fundamentais como a infalibilidade do Papa, a definição do que é um infiel ou herege para a Igreja Católica e a fórmula do Sacramento da Eucaristia, sem a qual este Santíssimo Sacramento não é válido. Será preciso dizer mais? Vejamos isso então, muito brevemente:

    
Sobre a Infalibilidade do Papa, no dito "Catecismo Maior" (1905) consta que o Papa é infalível "só quando, na sua qualidade de Pastor e Mestre de todos os cristãos, em virtude de sua suprema autoridade  apostólica, define uma doutrina relativa à fé e aos costumes, que deve ser seguida por toda a Igreja" (n. 198). Hoje, muitos se apoiam nessa construção para argumentar que só precisamos nos submeter ao Papa quando ele define algo solenemente, e que fora disso podemos resistir a ele e até pregar o oposto do que ele ensina, sem nenhum problema. Ou seja, a autoridade do Papa só ocorreria de fato muito, muito raramente: as últimas definições dogmáticas da Igreja foram a Imaculada Conceição, em 1854, e a assunção de Nossa Senhora , em 1950. Segundo essa tese, então, a maioria das pessoas vivas, hoje, não teria sido nunca obrigada a acatar nada do que ensinou o líder máximo da Igreja.

    Assim, é particularmente interessante notar que, no Catecismo da Doutrina Cristã (1912), toda a 
afirmação sobre a infalibilidade foi corrigida para a seguinte forma: "O Papa, sozinho, não pode errar ao nos ensinar as verdades reveladas por Deus, ou seja, ele é infalível como a Igreja, quando, como Pastor e Mestre de todos os cristãos, define doutrinas relativas à fé e aos costumes". Foi suprimida a infeliz expressão "só quando" (allora soltanto), que podia induzir à espúria interpretação de que, fora as condições citadas, o Papa pudesse ordinariamente ensinar o erro ou provocar dano às almas que nele creem como Pastor e Mestre de todos os cristãos.

    Acerca da questão da infidelidade e da heresia, no dito "Catecismo Maior" consta que os infiéis “são aqueles que não foram batizados e não creem em Jesus Cristo (…) seja porque, embora admitam o único Deus verdadeiro, não creem em Cristo Messias, nem como vindo na pessoa de Jesus Cristo, nem como havendo de vir ainda: tais são os maometanos e outros semelhantes” (n.255). Essa construção pode dar a entender que os islâmicos "adoram o mesmo Deus" que nós, o que contraria frontalmente as Escrituras e toda  a Tradição, juntamente com o Magistério perene da Igreja, que sempre disseram: “Todos os deuses dos pagãos são demônios” (Sl 95,5). Já no Catecismo da Doutrina Cristã São Pio X corrigiu este ponto para: “Os infiéis são os não batizados que não creem no Salvador prometido, isto é, no Messias ou Cristo, como os idólatras e os maometanos” (n.125), retirando o perigoso trecho "embora admitam o único Deus verdadeiro”.

    Quanto à fórmula da Eucaristia, dizia 
o "Catecismo Maior": "A forma do Sacramento da Eucaristia são as palavras usadas por Jesus Cristo: Isto é o meu Corpo; Este é o meu Sangue". Mas, na versão posterior, essa temerária abreviação foi devidamente corrigida (e, nesse caso, a explicação foi ampliada, com a finalidade de aclarar a questão) para: "A forma da Eucaristia são as palavras de Jesus Cristo: 'Este é o meu Corpo; este é o Cálice do meu Sangue... derramado por vós e por muitos [per molti] para a remissão dos pecados'". Sabemos bem que, hoje, essa fórmula vem sendo sistematicamente substituída por uma nova e heterodoxa, na qual se troca o "por muitos" pela expressão "por todos", que não consta do Evangelho e que não foi como Nosso Senhor disse (para saber o que é preciso para que um Sacramento seja válido, acesse aqui). 


Considerações finais


Por fim, a razão de termos entrado em todo este assunto é que, além de ter aumentado a procura pelo Catecismo da Doutrina Cristã de 1912, provavelmente por um maior conhecimento das questões aqui apresentadas (que vêm sendo mais divulgadas ultimamente, como nesta conferência do canal de estudos clássicos 'Três Vias', a partir dos 57min), parece-me que muita gente o procura, mas acha que não está disponível para compra no Brasil. Diga-se de passagem que algumas pessoas também se confundem por causa do título da obra, já que a edição publicada pela editora Realeza contém o Catecismo acrescido de aprofundamentos em (excelentes) explicações. Creio que muitos pensam que se trata de um simples livro de doutrina, até porque leva o nome do Padre José Perardi como autor (por ser o autor das explicações que essa obra ampliada contém), e não o de São Pio X. 

    Em tempo: 

    • a obra "Explicação do Catecismo da Doutrina Cristã de São Pio X", de autoria do Pe. José Perardi, que contém a edição de 1912 do verdadeiro Catecismo de São Pio X, com 433 perguntas e respostas, acrescidos de explicações, foi plenamente aprovada e abençoada por São Pio X, por escrito (constante nas páginas de abertura);

    • 
existe também o livro bem mais resumido "Primeiros Elementos da Doutrina Cristã" (Primi Elementi della Dottrina Cristiana), de 1913, originalmente com 184 perguntas e respostas, criado para as crianças, que seleciona os pontos mais importantes para o ensino elementar da Doutrina católica como preparação para a Primeira Comunhão. Alguns autores posteriores a enriqueceram também com explicações.

    Esperando ter esclarecido a contento essa questão, que para muitos permanece nebulosa, desejamos a todos que venham a estudar uma das obras aqui mencionadas uma proveitosa leitura, para a maior glória de Deus. Os que quiserem adquirir o verdadeiro Catecismo da Doutrina Cristã de São Pio X, enriquecido com irretocáveis explicações do Revmo. Pe. Perardi, podem acessar aqui a livraria da editora Realeza (Obras Católicas) com desconto exclusivo (no fechamento da compra, usar o cupom ofielcatolico).

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[1] Lettera di San Pio X al Cardinale Pietro Respighi, disp. em:
https://www.maranatha.it/catpiox/03page.htm
Acesso 17/1/2024.

[2] Ibidem.

[3] CHIRON, Yves. Saint Pie X: Réformateur de l’Église, Courrier de Rome, 1999, a
pud Nicolas Magne, Infaillibilité : Le détournement du catéchisme de saint Pie X, disp. em:
http://sedevacantisme.over-blog.com/2018/03/infaillibilite-le-detournement-du-catechisme-de-saint-pie-x.html
Acesso 17/1/2024.

[4] 
Lettera di San Pio X al Cardinale Pietro Respighi, disp. em:
https://www.maranatha.it/catpiox/03page.htm
Acesso 17/1/2024.

[5] 
Lettera Del Santo Padre Pio X al Cardinale Pietro Respighi, Vicario Di Roma, con la quale viene approvato Il Catechismo Della Dottrina Cristiana per la Diocesi e la Provincia Ecclesiastica di Roma, disp. em:
https://www.vatican.va/content/pius-x/it/letters/documents/hf_p-x_let_19121018_catechismo.html
Acesso 17/1/2024.

2 comentários:

  1. Quer dizer portanto, que o Catecismo Romano , que recebeu o selo de infalibilidade, foi revogado por S. Pio X ? pois ele diz ..." nenhum outro texto"

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    Respostas
    1. Não.. O Papa proibiu que se usasse outro texto "no ensino catequético" nas paróquias de Roma, o que terminou ampliado para toda a Igreja. Não está revogando o Catecismo Romano (ou qualquer outro documento anteriormente aprovado) para estudos teológicos mais aprofundados, e nem poderia, assim como não poderia revogar a Bíblia.

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