Crise ou grande apostasia, revolução ou autodemolição da Igreja... E nós, que faremos?



FIÉIS CATÓLICOS EM CRISE. Como diretor de apostolado e redator católico há 15 anos, vejo-me na obrigação de falar alguma coisa sobre o que está acontecendo na Igreja neste exato momento. Refiro-me ao “Sínodo sobre a sinodalidade”, as Dubia tornadas públicas pelos cinco Cardeais (veja), a exortação do Arcebispo Viganò para que consideremos a possibilidade de Francisco não ser verdadeiro Papa (veja) e a grande confusão que se passa entre os pobres leigos, que erram perdidos sem saber a quem recorrer, como ovelhas sem pastor. 


    Ninguém se iluda e eu a ninguém quero passar uma falsa impressão: eu também sou apenas mais uma dessas pobres ovelhinhas perdidas, suplicando a Nosso Senhor, pela intercessão da Santíssima Virgem, que nos dê uma porta de saída deste caos, uma tábua de salvação em meio a esta tempestade. Apenas sei que, pela minha formação e principalmente por conta da experiência adquirida até por força do meu trabalho – como jornalista, revisor e redator para a Arquidiocese de São Paulo por anos, e depois como editor para diversas editoras católicas e produtor de conteúdos e autor de cursos pela Fraternidade Laical São Próspero –, tenho, talvez, condições de oferecer algumas reflexões sobre todo o imenso problema que poderão ser de proveito para meus leitores.


    Em primeiríssimo lugar, é preciso conhecer a coisa. Sugiro a leitura do livro “Caixa de Pandora”, de autoria de Julio Loredo e Jose Antonio Ureta, prefaciado pelo Cardeal Burke (um dos autores das Dubia), que está sendo distribuído gratuitamente pelo IPCO (adquira). Seria muito bom que todos lessem este opúsculo que é claro e muito preciso, ao invés de dar crédito aos sabichões de internet que se propõe a explicar tudo o que está acontecendo baseados em suas convicções particulares.


    Também sugiro, humildemente, a leitura da minha série sobre as posições possíveis diante da crise ou grande apostasia que assola a Igreja (acesse aqui – os textos são exibidos a partir do mais recente, por isso sugiro que a leitura comece pelo artigo inicial, este aqui).


    Uma vez que se tenha a mínima consciência do tamanho do problema que enfrentamos, o fiel católico se torna apto a dar o segundo passo, isto é, procurar entender o que ele pode fazer e qual poderá ser a sua postura diante de tudo. Tenho observado que muitos chegam à conclusão de que não há nada a se fazer, a não ser rezar, porque afinal tudo envolve a mais alta hierarquia da Igreja e nós, como leigos, não temos nenhum poder. Essa concepção é falsa. Na verdade, desde sempre os leigos tiveram participação ativa na Igreja. São Francisco de Sales, Bispo e Doutor da Igreja e um dos maiores diretores espirituais que já existiram, em sua obra Filoteia, sua “Introdução à vida devota”, diz o seguinte:



...censurando algum defeito [em nosso próximo], devemos poupar a pessoa tanto quanto podemos. É verdade que se pode falar abertamente dos pecadores públicos reconhecidos como tais, mas deve ser em espírito de caridade e compaixão e não com arrogância ou presunção por um certo prazer que se ache nisso; este último sentimento denotaria um coração baixo e vil. Excetuo somente os inimigos de Deus e da Igreja, porque a estes devemos combater quanto pudermos, porque são os chefes de heresias, cismas, etc. É uma caridade denunciar o lobo que se esconde entre as ovelhas, em qualquer parte onde o encontrarmos[1].


    Veja que o grande Santo, Bispo e Doutor, ensina a apontar o lobo inserido no meio do rebanho, e fazer isso pelo bem de todos, dizendo que para tal não devemos ter receios nem escrúpulos, porque fazê-lo é uma obra de caridade. 


    Indo além, o próprio CDC vigente, em seu cânone 212 §§2s, diz que:


2. Os fiéis, conscientes da sua responsabilidade, têm o direito de manifestar aos pastores da igreja as próprias necessidades, principalmente espirituais, e os próprios anseios.

3. De acordo com a ciência, a competência e o prestígio de que gozam, têm os leigos o direito e, às vezes, até o dever de manifestar aos pastores sagrados a própria opinião sobre o que afeta o bem da igreja e, ressalvando a integridade da fé e dos costumes e a reverência para com os pastores, e levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas, deem a conhecer essa sua opinião também aos outros fiéis.


    Em toda a história da Igreja, o papel dos leigos em tempos de grandes crises foi preponderante. 


    Por exemplo, durante a terrível crise gerada pela heresia ariana, quando foi publicado o decreto da deposição do grande Santo Atanásio como Arcebispo de Alexandria, para dar lugar ao herege Gregório de Capadócia, os fiéis católicos se levantaram indignados e, em protestos que tomaram as ruas em direção às igrejas da cidade e do palácio arquiepiscopal para cercá-los e fazer guarda, a fim de impedir a posse dos inimigos da Igreja e apoiando Atanásio de todos os modos.


    São Próspero de Aquitânia, nosso padroeiro, Pai da Igreja e Doutor da Igreja, além de ter sido um dos mais influentes teólogos de todos os tempos, foi conselheiro e mentor do Papa de sua época, um Papa santo, São Leão Magno, a quem chegou a ditar suas cartas contra Eutiques. São Próspero foi o responsável direto pela derrota da heresia semipelagiana, sendo que o Concílio de Orange, em 529, tomou suas decisões (especialmente nos seus capítulos 9 a 25), a partir dos seus escritos Liber Sententiarum ex Augustino Delibatarum

    Poderíamos lembrar, também, que a instalação do santo Tribunal da Inquisição teve sua origem em ações populares, do povo leigo que tomava a justiça contra os hereges cátaros em suas próprias mãos. Em muitas outras situações, os leigos fiéis participaram ativamente das decisões da Igreja, deixando claro que era contra as mudanças doutrinais propostas por hereges e traidores da fé inseridos no meio do clero.


    Também vejo que muitos se mostram realmente preocupados com a questão do respeito e da reverência, insistindo sempre que não devemos nem podemos “falar mal do Papa...”. Mas a verdade inegável dos nossos tempos é que, ao tratar dos gravíssimos problemas que nos tocam, somos forçados não a “falar mal”, mas sim a falar a verdade. E, se ultimamente a verdade depõe contra a mais alta hierarquia da Igreja, ainda assim não se pode abrir mão dela.


    Ora para ser cristão é preciso que nos apoiemos sobre duas bases e com essas duas avancemos, assim como o corpo humano são caminha com duas pernas. Essas bases são a caridade e a verdade; a verdade e a caridade. Sem uma das duas, estamos incompletos como cristãos e seremos mancos.


    No Evangelho Segundo São João, Nosso Senhor diz: “Eu vim para dar testemunho da Verdade. Quem é da Verdade ouve a minha voz” (Jo 18,37). Um pouco antes, em uma admoestação consoladora, já nos assegurara de que, se aderirmos verdadeiramente a Ele, conheceremos a Verdade e a Verdade nos libertará (Jo 8,32). Por fim, chega ao extremo de se revelar a Si mesmo como a própria Verdade humanada, ao declarar-se “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).


    Assim como Deus nos é revelado e descrito pelo mesmo Discípulo Amado, São João Apóstolo, inspirado pelo Espírito Santo, como o próprio Amor verdadeiro ou a verdadeira Caridade (em 1Jo 4,8), é chamado também, em Cristo, de a Verdade (em Jo 14,6). São, por assim dizer, duas qualidades ou realidades intrínsecas ao próprio Deus, às quais o fiel deve igualmente aderir ao se converter. Não se pode praticar uma coisa sem a outra; tanto a verdade quanto a caridade são expressões irrenunciáveis da própria identidade dos cristãos católicos, e agora cito Bento XVI:


“...defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida são formas exigentes e imprescindíveis de caridade. Esta, de fato, «rejubila com a verdade» (1Cor 13,6). Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo neles, porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada homem.”[2]


“O AMOR SE ALEGRA COM A VERDADE” (1Cor 13,6)


*   *   *

    Por fim, gostaria de lembrar a todos da advertência que nos deu Nosso Senhor na Parábola dos Talentos, que trata do que ocorrerá no dia terrível do Julgamento, quando Deus nos cobrará do que fizemos dos dons que recebemos do Céu. 


    Em Mateus 25 temos essa parábola, que narra o caso de um senhor de terras que precisou viajar e reuniu os seus servos; a um deu 5 talentos, a outro 2 talentos e a um outro, 1 talento, conforme a capacidade de cada um.


    Depois disso, partiu. E o que recebera 5 talentos negociou com eles, fê-los render e conseguiu mais cinco. Do mesmo modo, o que ganhara 2, conseguiu arrecadar mais dois. 


    Mas o que recebera um talento, com medo, enterrou esse talento, escondendo-o, por medo do seu senhor.


    Muito tempo depois, voltou o senhor e cobrou a cada um dos seus servos. O que recebera os cindo e fizera render, foi honrado e premiado, e recebeu mais. Do mesmo modo o que recebera dois, foi dado rejubilar-se com o seu senhor.


    Mas o terceiro, que por medo escondera seu talento, foi chamado “mau", "preguiçoso” e “servo inútil”. Este ouviu de seu senhor: “Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho onde não semeei e que recolho onde não espalhei. Devias, pois, levar meu dinheiro ao banco e, à minha volta, eu receberia com os juros o que é meu” (Mt 25,26). Deste foi retirado até o pouco que tinha, e foi dado àquele que tinha arrecado mais. Por fim, o medroso foi condenado às “trevas exteriores”, ao lugar onde haverá “choro e ranger de dentes” (Mt 25,30).


    O que estamos fazendo dos talentos que recebemos? Isto é, dos dons, da inteligência e das capacidades que Deus nos deu? Estamos trabalhando pelo Reino de Deus ou estamos nos comportando como cabritos assustados, com muito medo de dizer o que deve ser dito? Mas até os cabritos gritam e alertam seus pares quando o perigo é próximo.


    Lembre-se e nunca se esqueça, fiel católico: há diferença entre julgar e discernir. Já passou da hora de agirmos, cada um de nós segundo as nossas capacidades.


_______
[1] SÃO FRANCISCO DE SALES, Filoteia. Petrópolis: Vozes, 2004. p.311.

[2] SS. BENTO XVI, Caritas in veritate de 29 de junho de 2009, Libreria Editrice Vaticana.

Um comentário:

  1. O Cristianismo deveria realizar um Concílio com os católicos apostólicos romanos, católicos apostólicos ortodoxos e protestantes para definir qual o Verdadeiro Cristianismo.

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