
Por Igor Pavan Tres para o 'Verbum Peregrini'
DURANTE A SÉTIMA congregação geral antes do Conclave, o Cardeal Beniamino Stella causou surpresa ao criticar abertamente a reforma da Cúria feita por Francisco, especialmente a abertura de cargos de governo a leigos. Sua fala, considerada por muitos a mais dura até agora [o Cardeal Müller não está só], expôs tensões profundas sobre a direção da Igreja. A polarização que cresce não é política no sentido comum, mas eclesiológica: entre uma visão institucional mais tradicional e outra que aposta na descentralização e nas mudanças pastorais.
As pedras do Vaticano não gritam, mas observam. E nos dias que antecedem um Conclave, elas escutam o rumor do invisível: estratégias e orações, manobras e murmúrios, santos e pecadores — tudo junto, como sempre foi na história da Igreja. Mas nesta manhã de primavera romana, um nome — Beniamino Stella — ecoou como um trovão sob os tetos dourados das congregações gerais.
Cardeal emérito e ex-prefeito da Congregação para o Clero, Stella rompeu o protocolo e o tom habitual da sétima assembleia pré-conclave realizada no dia 30 de abril. Segundo fontes que estavam presentes — e que pediram anonimato — o purpurado italiano “atacou abertamente o Papa Francisco”. O termo usado foi esse mesmo: “atacou”. A surpresa foi geral. Poucos esperavam ouvir tamanha franqueza — e de alguém considerado próximo do Papa, inclusive um de seus primeiros cardeais, criados em 2014.
O motivo? A reforma da Cúria Romana, promulgada na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium em março de 2022, que desvinculou o governo eclesiástico da ordenação sacramental, permitindo que leigos — homens e mulheres — fossem nomeados para cargos antes exclusivos de bispos e padres. Para Stella, essa ruptura representou não uma reforma, mas uma imposição pessoal de Francisco. “Impôs suas próprias ideias”, teria dito.
Na plateia cardinalícia, 181 participantes escutaram. Destes, 124 são eleitores com direito a voto no conclave. Muitos ficaram chocados. Não apenas pelo conteúdo, mas pela contundência. Stella não é um agitador. É um diplomata de carreira, moldado nas fornalhas do serviço pontifício. Formado na Pontifícia Academia Eclesiástica, doutor em Direito Canônico, serviu em Zaire, Cuba, Colômbia, e por fim, em Roma. Seu currículo não o prepara para a rebelião — e talvez por isso a sua intervenção tenha soado ainda mais grave: não era um outsider que falava, mas um homem do sistema, um filho da casa.
O gesto de Stella, contudo, não foi isolado. Ele parece parte de um pano de fundo mais amplo: a preparação de terreno para a candidatura do Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin, considerado por muitos como o grande nome do “centro institucional romano”, apoiado por figuras experientes e diplomáticas que desejam, como disse um bispo italiano à America Magazine, “restaurar a ordem” após o que veem como um ciclo de turbulência e confusão doutrinária.
É nesse clima que surgem também outras intervenções duras, como a do Cardeal Raymond Burke, que, um dia antes, criticou aspectos jurídicos do pontificado de Francisco. Antigo Prefeito do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica, Burke é figura conhecida por sua defesa do Direito Canônico e pela leitura crítica de documentos como Amoris Laetitia. Segundo fontes, sua fala foi contundente, embora mais tecnicamente focada, e menos política do que a de Stella.
Mas foi o nome de Joseph Zen, o cardeal chinês de 93 anos, que trouxe um elemento quase profético ao encontro. O idoso arcebispo emérito de Hong Kong falou por 15 minutos — ultrapassando em três vezes o tempo pedido pelo decano do Colégio Cardinalício, Giovanni Battista Re. Com sua voz fraca, mas convicta, Zen criticou o Sínodo sobre a Sinodalidade, vendo nele um risco de desfiguração da identidade da Igreja. Sua fala foi longa, densa, e, para muitos, profundamente tocante.
Zen, que já foi preso por Pequim e sempre defendeu a liberdade da Igreja face ao regime comunista, carrega o peso de quem fala não por teorias, mas por testemunho. Sua crítica à sinodalidade não era acadêmica, mas visceral: fruto de quem teme que, ao abrir-se a todos os ventos, a Igreja perca o seu Norte.
Enquanto esses nomes chamam a atenção — Stella, Burke, Zen, Müller, Sarah — outros cardeais falam de temas econômicos, estruturais e administrativos. A sessão do dia também incluiu apresentações sobre os desafios financeiros da Santa Sé, as reformas do Banco Vaticano (o IOR), e o papel do Dicastério da Caridade. Foram falas importantes, mas que parecem operar num plano diferente. Porque a Igreja, nesta hora, não pede apenas contabilidade. Pede discernimento.
O que vemos, portanto, não é uma disputa entre progressistas e conservadores, como rotularia um jornalista mal informado. Não é esquerda contra direita, como enxerga o pseudojornalismo militante da paranoica rede Globo. É algo mais antigo, mais grave, mais profundo: trata-se da tensão entre autoridade e carisma, entre Tradição e inovação, entre a estrutura visível da Igreja e sua alma invisível.
O grito de Stella — seja ele político, teológico ou emocional — mostra que a barca de Pedro navega sob forte tempestade, uma de magnitude talvez vista.
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