Quais são, afinal, os erros do Vaticano II – conclusão

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Mensagem dos Padres conciliares ao mundo:


 A Mensagem ao Mundo, transmitida na abertura do Concílio Vaticano II, continha já como que um resumo da pastoral que seria desenvolvida abundantemente na constituição Gaudium et Spes. Trata-se de uma pastoral na qual o cuidado dos "bens humanos" e a "dignidade do homem (enquanto homem)" ocupam o primeiro lugar, e a "paz" é invocada independentemente da conversão a Cristo: "Nós esperamos dos trabalhos do concílio que, dando à luz da fé um brilho mais vivo, esta procure uma renovação espiritual e, por repercussão, um feliz impulso de que se beneficiem os valores da humanidade: as descobertas da ciência, o progresso técnico e a difusão da cultura".

    Os bens humanos, chamados "valores da humanidade", estão aí representados pelo progresso das ciências humanas, da técnica, da cultura (não a cultura cristã, mas a cultura secular/mundana, como se deduz de Gaudium et Spes em seu art. 60-62).

    Um verdadeiro Concílio da Igreja Católica devia preocupar-se com essas coisas? Devia tere essas coisas como seu foco principal?? Desejar o crescimento desses "bens" unicamente terrenos, efêmeros, muitas vezes enganadores, em vez dos bens eternos, fundados em valores perenes ensinados ao longo dos séculos pela Igreja, como é da sua obrigação e o papel que lhe cabe? Como podemos nos espantar que depois de uma pastoral desse tipo tivéssemos recebido como fruto, em vez de um novo "esplendor" da Fé, a gravíssima crise que sofremos terrivelmente, e cada vez mais, hoje?

    O erro teológico no sentido próprio aparece em seguida na conclusão da Mensagem, onde se lê: "Nós convidamos todos os nossos irmãos a unirem-se a nós para trabalhar para construir neste mundo uma cidade mais justa e mais fraterna". Mais uma vez, a ideia da cidade celeste sendo construída aqui na Terra. A Igreja queria então associar-se a todos os homens "de boa vontade", independentemente do temor a Deus, de terem ou não a Fé, da adesão ao Evangelho, "pois tal é o desígnio de Deus que, pela caridade, de um certo modo, brilhe sobre a Terra o Reino de Deus como um distante esboço do seu Reino Eterno".

    Esta nunca foi, não é e não pode ser a Sã Doutrina da Igreja de Cristo, pela qual "a antecipação do Reino Eterno" neste mundo é constituída apenas e unicamente pela Igreja Católica, a Igreja visível,  nos seus clérigos e fiéis, membros terrenos do Corpo Místico de Cristo, que cresce, ainda que lentamente, apesar do mundo. Aliás,  advertiu-nos Nosso Senhor de que é Satanás o "Príncipe deste mundo" (Jo 16,11), e portanto a verdadeira Igreja nunca quis ter parte com ele, e sim condenar os seus erros e enganos, advertir às almas dos seus perigos e salvaguardá-las dos seus enganos. A Igreja cresce e prospera pela graça divina, jamais pela cooperação com o mundo ou pela união com homens sem Fé sob o estandarte do "progresso". Pois nós, verdadeiros cristãos, "sabemos que somos de Deus e que o mundo todo está sob o poder do Maligno" (Jo 5,19).


Ambiguidades e contradições nos textos do Vaticano II


Ambiguidades: como vem acusando desde o início uma grande quantidade de teólogos e bons bispos, os textos do concílio Vaticano II, salvo exceções, são ambíguos e induzem a graves dúvidas doutrinais e morais. Aqui, vamos nos limitar a citar um exemplo de grave ambiguidade que desgraçadamente se tornou regra. Na constituição dogmática Dei Verbum (como vimos, 'dogmática' somente porque trata de  dogma e não porque defina um), as verdades de Fé sobre as duas fontes da Revelação (Sagradas Escrituras e Tradição), sobre a inerrância da Bíblia Sagrada e sobre a plena e total historicidade dos Evangelhos, são expostas de modo manifestamente insuficiente e dúbio (nos art. 9, 11, 19 DV), com uma terminologia que, num caso (art. 11) se presta mesmo a interpretações opostas, uma das quais pode reduzir a infalibilidade das Escrituras a apenas uma "verdade dada para a nossa salvação". Isso equivale, em substância, a uma heresia, pois a inerrância absoluta da Sagrada Escritura, aplicável igualmente às verdades de fato aí expostas, constituem matéria de Fé constantemente afirmada e ensinada pela Igreja. Este sistema falho, insuficiente e/ou dúbio é constante em praticamente todos os textos do Concílio.

Contradições: como exemplo de contradição patente, mencionamos o art. 2 do decreto Perfectae Caritatis sobre a renovação da vida religiosa, onde se diz que a renovação (accomodatio) dos religiosos implica "a volta contínua às fontes de toda a vida cristã assim como à inspiração original dos Institutos" e "por outra parte, a correspondência (aptationem) destes Institutos às novas condições de existência", isto é, aos costumes dos tempos atuais.


    A contradição aqui é patente, já que a característica da vida dos religiosos (segundo os votos), sempre foi de se acharem em perfeita antítese com o mundo corrompido pelo Pecado original, com seus valores enganosos e modismos passageiros. Como é possível, então, que a "volta às fontes", à "inspiração original dos Institutos", se realize simultaneamente, e mesmo graças à sua "correspondência às novas condições de existência"?

    A correspondência a essas "condições" do mundo moderno secularizado, é em si obstáculo para uma "volta às fontes da vida cristã", algo que também não faz sentido, se considerarmos que os caminhos percorridos pela Igreja ao longo dos séculos se deus por meio da Assistência divina, segundo a autoridade dada à mesma Igreja. Porque, sendo assim, seria preciso voltar "às fontes"? Isso quer dizer que a Igreja se afastou da sua origem divina, como dizem os protestantes? E que "fontes" seriam essas, afinal, senão as decisões dogmáticas tomadas peos Papas no correr da História tão gloriosa e cheia de milagres e de santos que confirmaram essa mesma Igreja e esses mesmos caminhos?

    Outro exemplo de contradição: no art. 79 da constituição Gaudium et Spes é admitido o direito dos governos à "legítima defesa" para "defender os justos direitos dos povos" (ut populi iuste defendantur). Isso parece substancialmente conforme o ensinamento tradicional da Igreja, que sempre admitiu a justa e necessária defesa contra ataques externos ou internos, conforme os princípios do Direito natural. Entretanto, o art. 82 dessa Constituição contém uma "condenação absoluta da guerra" (de bello omnino interdicendo) e, portanto, de todo tipo de guerra, sem fazer exceção nenhuma, nem àquelas que estão justificadas três artigos acima (!) e que, assim, encontram-se simultaneamente permitidas e condenadas pelo Concílio Vaticano II, a depender do gosto particular de quem o interprete.

    Um último exemplo: a contradição aparece igualmente evidente naquilo que concerne ao Latim, mantido e proclamado como a língua litúrgica da Igreja. Com efeito, o Concílio Vaticano II ordenou a conservação do "uso da língua latina (...) nos ritos" (Sacrosantum Concilium 36,1), mas, ao mesmo tempo, determinou "conceder à língua de cada país um lugar mais amplo", segundo as normas e os casos definidos pelo próprio Concílio (SC 36,2). Mas essas mesmas normas de caráter geral atribuem às conferências episcopais, pela faculdade de "experimentar" novas formas litúrgicas (!) que lhes foi concedida, uma competência praticamente ilimitada no que concerne à introdução da língua vernácula no culto (SC 22 §2, 40-54).

    Além deste, numerosos são os casos em que o Concílio Vaticano II autoriza o uso — parcial ou total — da língua nacional; como em SC 63: na administração dos Sacramentos e nos ritos particulares; SC 65: nos ritos de batismo nos países de missão; SC 76: na ordenação dos padres; SC 77 e 78: no matrimónio; SC 101: nas orações do Ofício Divino; SC 113: na liturgia solene da Missa.

    Mais do que em manter o uso do latim, o Concílio Vaticano II parece estar preocupado em abrir para a língua vulgar o maior número possível de brechas, pondo assim as premissas para a sua dominação definitiva no pós-concílio, como de fato houve. Assim como disse o professor Michael Davies em sua utilíssima obra "Bombas-relógio litúrgicas no Vaticano II", o que houve foi exatamente isso: a implantação de verdadeiras armadilhas, como bombas-relógio ardilosamente preparadas, por meio de textos dúbios, que seriam detonadas aos poucos, num longo processo depois do Concílio mesmo.  


Graves omissões


Entre as omissões do Concílio Vaticano II, aqui nos limitaremos a citar algumas entre as mais importantes.

No plano dogmático:

1) a ausência de condenação dos erros do Século;

2) a ausência da noção do Sobrenatural, sem nenhuma menção à vida eterna (no Paraíso);

3) igualmente, a ausência de um desenvolvimento sobre o Inferno, ligeiramente mencionado uma só vez (na const. Lumen Gentium art.48);

4) a gravíssima ausência das menções ao dogma da Transubstanciação e do caráter Propiciatório do Santo Sacrifício na noção da Santa Missa, exposta no art.47 do SC, o que se nota também no art. 106 da mesma constituição.

No plano pastoral:

1) de maneira geral, a ausência de toda a marca especificamente católica nos conceitos-chave da pastoral, isto é, os relativos às relações entre a Igreja e o Estado, ao tipo ideal de cidadão, à família, à cultura... Gaudium et Spes 76, 74, 53ss;

2) a gravíssima e escandalosa ausência de condenação do comunismo, sobre o qual tanto fora preparado. Essa lacuna aparece na passagem de Gaudium et Spes que condena de modo genérico e dúbio o "totalitarismo", colocando-o no mesmo plano de toda "ditadura" (Gaudium et Spes 75). Encontra-se a mesma lacuna no art. 79 dessa constituição, onde são condenadas ações abomináveis tais como "os métodos sistemáticos de exterminação de um povo, de uma nação ou de uma minoria étnica".

    Esses "métodos", o século XX viu-os aplicados muitas vezes, por exemplo, contra os arménios cristãos, que foram exterminados a mais de setenta e cinco por cento pelos turcos muçulmanos nos anos que precederam a primeira guerra mundial, e pelo socialismo nazista contra os judeus, cujas comunidades da Europa central foram aniquiladas. Mas os mesmos métodos também foram aplicados em escala ainda maiores pelos comunistas, com a eliminação física sistemática dos ditos "inimigos da classe", quer dizer, milhões de indivíduos cujo erro era pertencer a uma classe social determinada, a serem extirpadas em nome de uma sociedade sem classes, fim utópico do comunismo. Não se acrescentou ao artigo um item mencionando "classes sociais" pelo triunfo da ala "progressista" que se impôs no Concílio.

    Tal ala progressista estava completamente dominada e orientada politicamente à esquerda, não admitindo que se condenasse claramente o marxismo como doutrina anticristã e nem o socialismo-comunismo como a sua realização prática.

3) A ausência de condenação da corrupção dos costumes, do hedonismo que já começava a se espalhar na sociedade ocidental.


Conclusão


Distinguimos inúmeros erros doutrinais e pastorais no revolucionário concílio do Vaticano II, malgrado a distinção entre esses dois tipos nem sempre seja fácil na prática, porque a Lei da oração e da liturgia se reflete na lei daquilo que se crê e, logo, na vida prática diária do católico. 

    Os erros doutrinais aparecem nas proposições que contradizem total ou parcialmente o que a Igreja sempre ensinou, ou então obscurecem, reduzem ou alteram esses ensinamentos. Tais erros abundam em praticamente todos os textos que, em geral, referem-se a verdades fundamentais, nos quais o Concílio quis expor uma nova doutrina, a sua compreensão heterodoxa de Igreja e/ou uma reinterpretação da Tradição sagrada e do ensino perene da Igreja, e o fez assumidamente: "Este Concílio perscruta (scrutatur) a Tradição sagrada e a santa doutrina da Igreja, de onde tira algo novo em constante acordo com o velho" (Dignitatis Humanae).

    O leitor que chegou até este ponto na leitura saberá dizer com certeza se essa afirmação de que todas as conclusões do Vaticano II estejam em constante acordo com "o velho" corresponde à realidade, ou não. O que tentamos apresentar aqui não passa de um rascunho muito genérico e resumido, uma pequena e insuficiente introdução ao assunto, e nos comprometemos a retornar a ele com novos aprofundamentos. Conscientes, então, de que uma análise completa não seria possível neste espaço limitado, reiteramos a recomendação que fizemos na primeira parte deste estudo, isto é, a leitura atenta da obra do prof. Michael Davies, cujos títulos principais listamos abaixo:

• “O concílio de João XXIII”;

• “A missa nova de Paulo VI”;

• “A reforma litúrgica de Cranmer”;

• “Bombas-relógio litúrgicas no Vaticano II”.

• Acrescente-se a esta lista a referencial obra do Pe. Ralph Wiltgen, responsável pelo centro de Imprensa no Vaticano durante o Concílio, intitulada "O Reno Se Lança No Tibre", e o leitor poderá dizer que está apto a debater sobre o assunto com bom conhecimento de causa.


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As últimas duas partes deste artigo tomaram como base, com reprodução de trechos, o texto da página da FSSPX de Portugal disp. em:
fsspx.es/pt/sinopse-dos-erros-atribu%C3%ADdos-ao-conc%C3%ADlio-vaticano-ii
Acesso 6/9/2022

Um comentário:

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