Meditação para o Tempo do Natal: o primeiro Natal de Paul Claudel


O TEMPO LITÚRGICO DO NATAL vai do 25 de Dezembro até a Festa do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo. É um tempo propício para se refletir sobre a história da conversão de Paul Louis Charles Claudel.

    Paul Claudel nasceu aos 6 de agosto do ano 1868, em Villeneuve-sur-Fère-en-Tardenois, uma pequena aldeia do Aisne, França. Apesar de terem saído vários padres de sua família, depois de chegar a Paris ele mesmo era indiferente à Religião, conforme escreveu em sua obra "Ma Conversion" (de 1913): “Tornei-me nitidamente um estranho às coisas da Fé”. E isso não deveria nos surpreender, considerando-se o que se passou com as mentes de numerosas famílias burguesas na segunda metade do século XIX.

Claudel acrescentou ainda aos seus escritos: “Tinha feito uma boa primeira Comunhão, que, como ocorre com a maioria dos jovens, foi ao mesmo tempo o coroamento e o fim das minhas práticas religiosas...”.

Como descrever a atmosfera dos idos de 1880 em termos diferentes dos que emprega o próprio Claudel? Parecia que o cristianismo tinha sofrido um eclipse quase que total no plano intelectual:

Com dezoito anos, minhas crenças eram as da maioria das pessoas consideradas cultas na época. A noção clara do individual e do concreto estava meio adormecida em mim. Aceitava a hipótese monista e mecanicista com todo o seu rigor; acreditava que tudo estava submetido às leis físicas e que o mundo era um rígido encadeamento de efeitos e causas que a ciência logo explicaria perfeitamente. Tudo isto me parecia, entretanto, muito triste e aborrecido.

Claudel conservou, destes anos passados na descrença e "na imoralidade”, como ele próprio diz, uma lembrança opressiva. Evocou-os em pelo menos vinte passagens das suas obras, como por exemplo na primeira estrofe de "L´Ode Jubilaire pour le Sixcentième Anniversaire de Dante Alighieri" ('Ode jubilar pelo sexto centenário de Dante Alighieri'), de 1921:

O mundo, por si só, dificilmente nos poderia persuadir de que é completo e suficiente. Difícil nos é acreditar seriamente que não temos direito a mais nada. Esta parede de figuras imutáveis, com as mesmas enervantes questões, onde colocamos nossas histórias inconsistentes... Difícil é impedir que desmorone e que se torne bizarra e transparente. Difícil é vendar os olhos todo o tempo e pensar em outra coisa. Difícil é, como se não o soubéssemos, ouvir os elogios ao vinho e à rosa que amamos: as armadilhas que são armadas, peça a peça sob nossos pés, a doença e o pecado; é humilhante nelas cair sempre, e sentir-se sempre um imbecil e um fraco; é humilhante sofrer a imposição da grosseira máquina corporal quando sabemos que fomos feitos para comandá-la; e é idiota a vanglória da carcaça de que somos inquilinos desconfortáveis, este palácio sobre o mar em que nada compensa o tédio espantoso...

A ideia da morte incomodava Claudel. Tinha sentido muito o falecimento do seu avô e o de uma tia-avó – que gritara tanto durante a agonia final que todos a escutaram, de uma extremidade a outra de sua aldeia. Nessa época, Claudel conheceu a obra de Arthur Rimbaud (foto mais abaixo), gênio poético precoce – que lançou sua primeira coletânea ('Le Bateau Ivre') aos dezessete anos de idade e que defendia a ideia de que a poesia nasce de uma “alquimia” da musicalidade e dos sentidos. Escreveu Claudel aos 12 de março de 1908 ao também escritor Jacques Rivière:

Rimbaud foi a influência maior que sofri. Outros, principalmente Shakespeare, Ésquilo, Dante e Dostoievski, foram meus mestres e mostraram-me os segredos da minha arte. Mas Rimbaud teve uma influência que chamarei de paternal, e que me fez crer realmente que há uma geração espiritual assim como há uma geração corporal.

Lembrar-me-ei sempre da manhã de junho de 1886, quando comprei o pequeno folheto de 'La Vogue' que continha o começo de 'Les Illuminations' (Iluminações). Foi uma revelação para mim. Saía enfim do mundo odioso de Taine, de Renan e de outros Moloques (divindades semíticas pagãs a quem os pais sacrificavam seus filhos) do século XIX, desta prisão, desta insípida mecânica inteiramente governada por leis perfeitamente inflexíveis e, para cúmulo do horror, conhecidas e ensinadas. Eu tinha a revelação do Sobrenatural. O gênio mostra-se, em Rimbaud, sob sua forma mais sublime e mais pura, como uma inspiração realmente vinda não se sabe de onde.

Alguns meses mais tarde, Claudel leu "Une Saison en Enfer" (Uma Temporada no Inferno). Pode nos surpreender a influência exercida por Rimbaud, que ele não sabia nem mesmo se era cristão, pelo menos quando escreveu as "Illuminations" e "Une Saison en Enfer". E aqui nos deparamos com um mistério desconcertante: a obra de arte tem seguramente outra significação além da que lhe quis dar o autor. Quais poderiam ser as intenções de Rimbaud no momento em que escrevia seus poemas – que fossem blasfematórias, como alguns sustentaram, ou que, ao contrário, Rimbaud fosse o “místico em estado selvagem”, de quem Claudel falou em um de seus escritos, não importa. O fato inegável é que Claudel ficou profundamente abalado pela leitura de Rimbaud e, talvez, preparado para receber sua iluminação, alguns meses depois, em pleno dia de Natal.


A grande iluminação

Enfim chegou o dia do renascimento para Paul Claudel. E nesse ponto da história, não tenho alternativa a não ser passar a palavra ao próprio, porque realmente não existe outra maneira melhor para descrever o grande e inefável acontecimento da sua vida. Prepare-se o leitor para este verdadeiro mergulho na Graça divina:

Assim era a infeliz criança que, aos 25 de dezembro de 1886, foi a Notre-Dame de Paris para assistir aos ofícios de Natal. Tinha começado a escrever, e parecia-me que nas cerimônias católicas, consideradas com um diletantismo superior, encontraria um excitante apropriado e a matéria de alguns exercícios decadentes.

Foi com essas disposições que, conduzido e apertado pela multidão, assisti, com um prazer medíocre, à grande Missa. Depois, não tendo nada melhor a fazer, voltei para assistir às vésperas. As crianças do coro, vestidas de branco, e os alunos do seminário-menor de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, que os ajudavam, estavam se aprontando para iniciar o canto que mais tarde eu soube ser o Magnificat.

Estava misturado ao povo, junto do segundo pilar à entrada do coro, à direita da sacristia. E foi então que se produziu o acontecimento que domina toda a minha vida. Em um instante, meu coração foi tocado e acreditei. Acreditei com tal força, com tal adesão de todo o meu ser, com tão poderosa convicção, com tal certeza sem deixar lugar a qualquer espécie de dúvida que, depois, todos os livros, todos os raciocínios, todos os acasos de uma vida agitada, não puderam abalar-me a fé, nem mesmo, para ser mais preciso, tocá-la de leve que fosse.

Tive de súbito o forte sentimento da inocência, da eterna juventude de Deus, uma Revelação inefável. Tentando, como o fiz várias vezes, reconstituir os minutos que se seguiram a esse instante extraordinário, encontro os elementos seguintes que, entretanto, não formam senão um clarão, uma única arma de que a Providência Divina se servia para atingir e abrir enfim o coração de uma pobre criança desesperada: 'Como aqueles que creem são felizes! E se fosse verdade? É verdade! Deus existe, Ele está em toda parte, É alguém, é um Ser tão pessoal como eu. Ele me ama, Ele me chama!'.

As lágrimas e os soluços vieram... e o canto tão doce do Adeste aumenta ainda mais a minha emoção. Emoção bem doce, mas à qual se misturava um sentimento de espanto o quase de horror. Porque minhas convicções filosóficas não estavam destruídas. Deus as havia deixado desdenhosamente onde estavam, e eu nada via a mudar nelas; a Religião católica me parecia continuar o mesmo tesouro de anedotas absurdas, seus padres e fiéis me inspiravam a mesma aversão, que ia até o ódio e ao desgosto. O edifício de minhas opiniões e de meus conhecimentos permanecia de pé e nada via de falho nele. Tinha apenas me retirado. Um novo e terrível ser, com exigências terríveis para o jovem e o artista que eu era, tinha se revelado e não sabia como conciliá-lo com coisa alguma que me cercava.
O estado de um homem que fosse arrancado de um golpe de seu corpo, para ser colocado em um corpo estranho, no meio de um mundo desconhecido, é a única comparação que posso encontrar para exprimir este estado de confusão completa. O que mais repugnava a minhas opiniões e a meus gostos, é que era a verdade, e com o que seria necessário que de bom ou de mau grado eu me adaptasse. Ah! E isso não aconteceria sem que eu tentasse tudo o que me fosse possível para resistir.

Um outro texto de sua autoria, este poético, encontra-se na terceira das suas "Cinq Grandes Odes", de 1907, e traduz o mesmo acontecimento de uma outra maneira:

Oh, os longos e amargos caminhos de outrora, do tempo em que estava só!

Caminhar em Paris, nesta longa rua que desce para Notre-Dame!

Então, como o atleta que se dirige ao estádio em meio a seus amigos e treinadores,

E alguém lhe fala à orelha, e o braço que abandona, e as luvas que lhe são ajustadas,

Eu marchava por entre os pés caídos de meus deuses.

Há menos murmúrios na floresta de Sant-Jean, no verão,

Menos gorjeio em Damasco, quando, ao ruído das águas que descem dos montes em tumulto

Se une o suspiro do deserto e a agitação dos altos plátanos à brisa da tarde,

Que palavras neste jovem coração cheio de desejos.

Oh, meu Deus, o filho da mulher vos é mais agradável que um touro novo!

E me encontro diante de Vós como um combatente que se curva;

Não por se acreditar fraco, mas porque o Outro é mais Forte.

Vós me chamastes pelo meu nome,

Como alguém que o conhecesse, Vós me escolhestes entre todos de minha geração.

Oh, meu Deus, sabeis quanto o coração dos jovens é cheio de afeição, e quando ele não se apega às suas máculas e vaidades...

Eis que sois alguém, subitamente!

Aterrastes Moisés com vossa Força, mas estais em meu coração, assim como se eu não tivesse pecado.

Oh, como sou bem o filho da mulher! Porque a razão, a lição dos mestres e o absurdo, tudo isso nada vale

Contra a violência de meu coração e contra as mãos estendidas desta Criança.

Oh lágrimas! Oh coração fraco! Oh mina de lágrimas que correm!

Vinde, fiéis, e adoremos a Criança que nasceu!

Sim, ninguém poderia falar do renascimento de Claudel tão bem quanto ele próprio. Não apenas por ser um grande escritor, mas porque sua conversão está nas origens de toda a sua obra. Parece, com efeito, que ele se tornou ao mesmo tempo um iluminado cristão e um poeta.

Desde a conversão de Saulo de Tarso no caminho para Damasco, não creio que tenha havido exemplo mais perfeito de uma iluminação ao mesmo tempo tão repentina e tão total. “Em um instante” é a expressão que resume tudo. E, ao mesmo tempo, como costuma acontecer em casos assim, o bom combate começa, um combate que não devia durar menos do que quatro longos anos de estudos, busca angustiosa pela Verdade e luta conta si. São quatro anos de batalhas que transcorrem entre esse inesquecível 25 de dezembro de 1886 e o 25 de dezembro de 1890, dia em que Paul Claudel, tendo se confessado, voltou enfim à Comunhão da Igreja. “O combate espiritual”, escreveu ele, citando mais uma vez Rimbaud, “é mais duro que a batalha dos homens. O sangue seco fumega em meu rosto”. O que foram esses quatro anos, em que o poeta despojou-se pacientemente de suas convicções, destruiu pedra a pedra o edifício no qual se tinha até então encerrado, nós o podemos imaginar por intermédio do “Fragment d´un drame” (Fragmento de um drama, de 1887) e especialmente através das suas primeiras obras: “Tête d´Or” (Cabeça de ouro, de 1889, “La ville” (A cidade, de 1897), “La Jeune Fille Violaine” (A jovem Violaine, de 1892), “L´Echange” (A troca, de 1893) e “Le Repos du Septième Jour” (O descanso do sétimo dia, de 1900).


O Evangelho fala muitas vezes do grão de mostarda, a menor de todas as sementes, que termina produzindo uma árvore enorme. Essa imagem parece convir perfeitamente a toda a carreira de Claudel a partir daquele 25 de dezembro de 1886. Nesse dia foi-lhe dado, subitamente, o germe que devia frutificar em seguida, durante mais de sessenta anos. De maneira que a conversão de Claudel, se é repentina e virtualmente completa desde o primeiro dia, não vai cessar, até o fim, de desenvolver suas consequências.

Baseado em texto de Jacques Madaule, em:
LELLOTE, F. SJ. Convertidos do Século XX, Rio de Janeiro: Agir Editora, 1960.

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Um comentário:

  1. A paz de Jesus Cristo.

    Obrigado pelo excelente texto. Eu não sabia que Paul Claudel foi convertido de uma forma tão maravilhosa. Eu li alguns escritos dele no passado. Eu lembro que a poesia é muito útil, bela e pode nos fazer bem, desde que livre dos apegos à morte, a dor, a luxúria, etc.

    Poetas como o citado, Rimbaud, Lord Byron, Poe, Florbela Espanca, etc., sofreram muito, perdidos em dores e ações maléficas às pessoas e a elas também.

    A poesia pode ser boa, desde que elevada à Santíssima Trindade, à uma postura mais cristã.

    Em momentos difíceis na vida o melhor mesmo é rezar e rezar muito! A boa música, basicamente a música clássica, canto gregoriano, é mais apropriado para nos aliviar as dores,as dúvidas, pois nos eleva até ao Pai, ao Filho, trazendo com isso, mais paz espiritual, mental.

    Manuel Bandeira, que teve uma vida complicada desde a juventude, quando teve tuberculose e passou por vários centros de tratamento tentando aliviar a doença, morreu com 82 anos na cidade do Rio de Janeiro. Ele nos deixou um belo poema ( apesar de ter uma poética muito triste, depressiva, algumas vezes alegre também), que é uma oração para quem for bom entendedor e o ler como alguém que está ligado a Religião Cristã. É uma homenagem à Nossa Senhora. Poema: O Menino Doente, Manuel Bandeira. É só buscar na internet. Muito belo, lírico e sim, uma verdadeira oração à Maria nossa Mãe.

    Tanto a poesia como a prosa nos pode ser útil, saudável ou não, por isso, todo o cristão deve ter muito cuidado com aquilo que ele ler. Pode nos elevar aos céus ou nos deixar à mercê do mal, com os efeitos nefastos que uma exposição maléfica provoca.

    Que o Pai nos proteja e oriente.

    Salve Maria!

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