O documento "desaconselha" o uso desses títulos, alegadamente, por razões "teológicas, pastorais e... ecumênicas". Nesta última palavra, porém, distingue-se, clara como água, a única verdadeira razão para tal aberração.
Embora reconheça a cooperação singular de Maria na obra da salvação, o texto afirma que esses termos específicos são teologicamente "ambíguos" e que podem levar a "equívocos". Contra o título "Corredentora", o principal argumento apresentado é o risco de obscurecer a Mediação única de Cristo. O prefixo "co-" poderia sugerir uma participação equivalente à de Jesus, diminuindo a verdade revelada fundamental de que Cristo é o único Redentor. Além disso, o título não possuiria fundamento claro nas Sagradas Escrituras nem na Tradição apostólica antiga, sendo de uso relativamente recente. Lembra que o Concílio Vaticano II (claro...), de forma deliberada, evitou o termo para manter a centralidade de Cristo, e afirma que tal doutrina ainda não é madura para uma definição dogmática.
Em relação ao título "Medianeira de todas as graças", o documento reafirma que Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens, conforme a Escritura (1Tm 2,5). O uso deste título para Maria poderia gerar "confusão doutrinal", sugerindo que ela seja uma fonte de graça "paralela" ou independente de Cristo. A mediação de Maria é de intercessão e de maternidade, um papel subordinado e dependente da mediação exclusiva de Cristo, de quem fluem todas as graças. Por fim (e aqui chegamos ao cerne da questão toda, o motivo real da publicação desse documento) ambos os títulos representam um obstáculo significativo ao diálogo ecumênico com outras denominações cristãs. Bingo!
A recomendação do documento, por fim, é favorecer títulos como "Mãe do Povo Fiel" ou "Mãe da Igreja", que expressam o papel de Maria de forma teologicamente segura, sem os riscos de desequilíbrio doutrinal associados aos de "Corredentora" e "Medianeira de todas as graças".
Apresentados os pontos centrais da questão até aqui, passemos a analisá-los com um pouco mais de detalhe:
1. O título Corredentora aplicado a Maria, juntamente com a noção da sua mediação universal, podem ser mal interpretados e/ou gerar equívocos?
Sim, sem dúvida. Todavia, o mesmo vale para praticamente todos os outros títulos dogmáticos conferidos a Nossa Senhora. Todos eles requerem boa catequese para serem corretamente compreendidos. "Mãe de Deus", por exemplo, é um título que igualmente pode soar ambíguo e que tem potencial para gerar equívocos. Tanto é assim que esta é uma das principais armas usadas pelos protestantes desde sempre contra o culto mariano. No entanto, o primeiro a chamar Maria Mãe de Deus foi o próprio Espírito Santo, pela boca de Santa Isabel, como vemos no primeiro capítulo do Evangelho segundo São Lucas: "De onde me vem a honra de vir a mim a mãe do meu Senhor?" (Lc 1,43).
Essa frase, conforme dita por Santa Isabel inspirada pelo Espírito Santo, no original, é a seguinte:
πόθεν μοι τοῦτο ἵνα ἔλθῃ ἡ μήτηρ τοῦ κυρίου μου πρὸς μέ
Êxodo 3,14 – “Eu Sou o Que Sou” — ἐγώ εἰμι ὁ ὤν… κύριος — “Eu Sou o Senhor”.
Atos 2,36 – Pedro no Pentecostes: κύριον αὐτὸν καὶ χριστὸν ἐποίησεν ὁ θεός — “Deus o fez Senhor e Cristo”.
Entretanto, pessoas ignorantes e/ou mal intencionadas continuam imaginando que dizer isso é um grave erro e até uma blasfêmia, já que Deus é o Criador de todos e Maria é criatura, portanto não poderia ser "mãe de Deus". Evidentemente, o sentido do dogma não é este, mas sim o de que Jesus, sendo Deus e sendo homem a um só tempo, é inteiramente Filho de Maria. Ela, portanto, é sua mãe. Ele sendo Deus, ela é então Mãe de Deus. Ponto.
Maria, por óbvio, não poderia ser Mãe de Deus Pai (dizer isso, sim, seria blasfêmia), mas é evidentemente a Mãe de Deus Filho. Isso está bem resumido inclusive no catecismo de João Paulo II: "Chamando-a de ‘Mãe de Deus’, a Igreja confessa que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem" (§ 495).
Dissemos todo este preâmbulo para esclarecer que a Igreja não teme, nunca temeu e não pode temer proclamar a verdade por receio de ser mal interpretada. Deus não se rebaixa por medo de confusão; a Igreja não adapta a Revelação ao entendimento dos ignorantes ou mal-intencionados. Ela ensina, defende, explica — mas não nega e nem se omite.
2. O prefixo "co-", de Corredentora, poderia sugerir uma participação equivalente à de Jesus na economia da salvação, diminuindo a verdade fundamental de que Cristo é o único Redentor?
Não, absolutamente. Por isso mesmo não se diz que Maria é redentora, mas sim corredentora, isto é, que participa, que colabora, que atua conjuntamente. Nossa Senhora é corredentora de modo participativo, subordinado e dependente em relação a Cristo. Nunca houve confusão em relação a esse princípio fundamental em nenhum dos proponentes dessa doutrina. A justificativa apresentada, portanto, não se sustenta.
É verdade, reconhecemos, que nem a Corredenção e nem a Mediação universal de Maria foram proclamadas dogmaticamente, como verdade de fé (ou seja, não são verdades que obriguem os fiéis a crer de fide); no entanto, essas doutrinas foram ensinadas e corroboradas por numerosos papas (como Pio IX, Leão XIII, Pio X, Pio XI, Pio XII) em encíclicas, alocuções e catequeses, e estão presentes na Liturgia, na oração e em hinos tradicionais aprovadíssimos pelo Magistério. São defendidas por grandes Santos (como São Luís de Montfort, São Maximiliano Kolbe, Santa Catarina Labouré) e Doutores (como São Boaventura, São Bernardo, São Lourenço de Brindisi). São, portanto, parte do ensino constante e perene da santa Igreja e neste sentido podem ser considerados como verdades de fé.
Um exemplo prático semelhante de verdade católica infalível não definida solenemente é a imoralidade intrínseca do aborto: mesmo sem nunca ter sido definida por um Concílio ou Papa ex cathedra, assim é, porque todos os Papas, em todos os tempos, a ensinaram como certa. Estamos tratando de verdades seguras para serem acreditadas, ainda que não obrigatórias sob pena de heresia.
3. O uso desses títulos é mesmo "relativamente recente"? Desde quando a Igreja crê nisso? Quando surgiram essas expressões na História? Quem defendeu essa doutrina pela primeira vez?
1. Raízes antiquíssimas da ideia (séculos II-IV)
- A doutrina não tem nada de nova: baseia-se na participação especialíssima de Maria na salvação, inspirada em passagens bíblicas como Lc 1,38 ("Faça-se em mim segundo a tua palavra") e Jo 19,25-27 (Maria ao pé da Cruz, como "mãe" da humanidade redimida).
- Primeiro defensor do conceito: Santo Ireneu de Lyon (c. 130-202), bispo e teólogo do século II(!), é considerado o pioneiro. Em sua obra Adversus Haereses (c. 180 d.C.), compara Maria à "nova Eva": assim como Eva colaborou na queda do homem por desobediência, Maria colabora na redenção por obediência total a Deus, tornando-se "causa salutis" (causa da salvação) para a humanidade, por meio de seu Filho. Isso é o embrião da ideia de cooperação redentora, mas sem o termo "corredentora".
- Outros Padres da Igreja primitiva, como Santo Efrém, o Sírio (século IV), e São Cirilo de Alexandria (século V), reforçam isso: Cirilo chama Maria de "Tesouro venerável do mundo inteiro" pela qual a Trindade é glorificada, enfatizando sua união com Cristo na salvação.
Essa fase é mais sobre a Maternidade espiritual de Maria e sua associação à Cruz, sem uma terminologia técnica. 2. Evolução medieval: O conceito se aprofunda (séculos X-XIII)
- No século X, surge o título mais ousado de "Redentora" (redemptrix), atribuído a Maria em textos litúrgicos e teológicos, destacando sua intercessão e sofrimento unidos ao de Cristo. Isso reflete uma piedade crescente, mas ainda subordinada à redenção única de Jesus.
- São Bernardo de Claraval (1090-1153), Doutor da Igreja e grande mariólogo medieval, é um dos primeiros a defender explicitamente a participação de Maria na redenção. Em seu Sermão sobre a Assunção (século XII), ele descreve Maria como cooperadora no mistério da redenção, completando o que "falta" à Paixão de Cristo (ecoando Cl 1,24, sobre São Paulo como "corredentor"). Bernardo enfatiza que Maria, ao pé da Cruz, sofreu com Cristo e assim se tornou "mãe dos viventes" na salvação.
3. O surgimento da expressão "Corredentora" (século XIV) - A expressão "Corredentora" surge pela primeira vez no século XIV, em meio ao florescimento da teologia escolástica e da espiritualidade franciscana. Ela expressa melhor o caráter subordinado da participação de Maria (o prefixo "co-" significa "com" ou "junto a", nunca "igual a" Cristo, o único Redentor).
- Quem defendeu pela primeira vez? Não há um único "inventor", mas teólogos como Alberto Magno (século XIII, precursor) e, mais explicitamente, autores franciscanos do século XIV (como São Pedro de João Olivi ou Guilherme de Ware) usam termos semelhantes em tratados sobre a dor de Maria no Calvário. O termo se populariza em escritos devocionais e litúrgicos, como hinos e orações que invocam Maria como "corredentora" pela sua oferta sacrificial.
- Por volta de 1373, o teólogo Jean Gerson (ou outros contemporâneos) o emprega em contextos acadêmicos, ligando-o à ideia de Maria como "reparadora" do pecado original.
- Quem defendeu pela primeira vez? Não há um único "inventor", mas teólogos como Alberto Magno (século XIII, precursor) e, mais explicitamente, autores franciscanos do século XIV (como São Pedro de João Olivi ou Guilherme de Ware) usam termos semelhantes em tratados sobre a dor de Maria no Calvário. O termo se populariza em escritos devocionais e litúrgicos, como hinos e orações que invocam Maria como "corredentora" pela sua oferta sacrificial.
Essa terminologia se torna comum no século XV, com o Concílio de Basileia (1439) discutindo-a, e se universaliza na teologia católica a partir daí.
4. Desenvolvimento moderno e Magistério (séculos XIX-XX)
- Papas como São Pio X (encíclica Ad Diem Illum, 1904) e Pio XII (Mystici Corporis, 1943) usam o termo ou o conceito, afirmando que Maria foi "associada" à redenção por Deus, completando-a com seu sofrimento (novamente, Cl 1,24).
Por fim, destacamos que o Magistério da Santa Igreja, por meio do seu órgão competente (antigamente a Congregação da Inquisição ou Santo Ofício, criada em 1542), detém plenamente o direito de vetar a promulgação de determinado dogma. Este é o papel que lhe cabe propriamente. Pe. José Eduardo virá rápido e com toda a presteza reafirmar e berrar isso aos quatro cantos. Aqui nos limitamos a demonstrar, apenas, porque as razões apresentadas no documento Mater Populi Fidelis definitivamente não se sustentam segundo a sacra Tradição da Igreja Católica.










































